Do livro Elogio da sombra – 11 / 31
O caso foi-me relatado no Texas, mas acontecera em outro estado. Consta que havia apenas um personagem, salvo que em toda a história os personagens são milhares, visíveis e invisíveis, vivos e mortos. Chamava-se, creio, Fred Murdock. Era alto como um norte-americano, nem louro nem moreno, perfil de machado, de muito poucas palavras. Não havia nada de característico nele, nem sequer a fingida característica que é própria dos jovens. Naturalmente respeitoso, não descria dos livros nem de quem escreve os livros. Sua idade era aquela em que o homem ainda não sabe quem ele é e está disposto a se entregar ao que lhe apresenta o acaso: a mística do persa ou a desconhecida origem do húngaro, as aventuras da guerra ou a álgebra, o puritanismo ou a orgia. Na universidade aconselharam-no a estudar as línguas indígenas. Há ritos esotéricos que perduram em certas tribos do oeste; seu professor, um homem entrado nos anos, propôs-lhe que fizesse sua moradia em uma reserva, que descobrisse o segredo que os feiticeiros revelam ao iniciado. Na volta, escreveria uma tese que as autoridades do instituto publicariam. Murdock aceitou com alacridade. Um de seus antepassados havia sido morto nas guerras da fronteira; essa antiga discórdia de suas estirpes era um vínculo agora. Previu, sem dúvida, as dificuldades que o aguardavam; tinha de conseguir que os peles-vermelhas o aceitassem como a um dos seus. Empreendeu a longa aventura. Por mais de dois anos morou na pradaria, entre muros de adobe ou ao relento. Levantava-se antes do alvorecer, deitava-se ao anoitecer, chegou a sonhar em um idioma que não era o de seus pais. Acostumou seu paladar a sabores ásperos, cobriu-se de roupas estranhas, esqueceu-se dos amigos e da cidade, chegou a pensar de uma maneira que sua lógica rejeitava. Durante os primeiros meses de aprendizado tomava notas sigilosas, que rasgaria depois, talvez para não despertar a suspeita dos outros, talvez porque já não precisasse delas. Ao término de um prazo prefixado por certos exercícios, de índole moral e de índole física, o sacerdote ordenou-lhe que fosse se lembrando de seus sonhos e que os revelasse a ele ao clarear o dia. Comprovou que nas noites de lua cheia sonhava com bisões. Revelou esses sonhos repetidos a seu mestre; este terminou por revelar-lhe sua doutrina secreta. Uma manhã, sem haver se despedido de ninguém, Murdock se foi.
Na cidade,
sentiu saudade daquelas primeiras tardes na pradaria em que havia sentido, faz
tempo, saudade da cidade. Foi à sala do professor e disse-lhe que sabia o
segredo e que havia decidido não revelá-lo.
– Impede-o seu juramento? – perguntou o outro.
– Não é essa minha razão – disse Murdock. – Longe daqui aprendi algo que
não posso dizer.
– Talvez o idioma inglês seja insuficiente? – observaria o outro.
– Nada disso, senhor. Agora que possuo o segredo, poderia enunciá-lo de
cem modos distintos e mesmo contraditórios. Não sei muito bem como dizer-lhe
que o segredo é precioso e que agora a ciência, nossa ciência, parece-me uma
frivolidade.
Disse ainda após uma pausa:
– O segredo, além do mais, não vale o que valem os caminhos que a ele me
conduziram. Esses caminhos precisam ser percorridos.
O professor lhe disse com frieza:
– Comunicarei sua decisão ao Conselho. Você pensa em viver entre os
índios?
Murdock respondeu:
– Não. Talvez eu não volte à pradaria. O que me ensinaram seus homens
serve para qualquer lugar e para qualquer circunstância – tal foi em essência a
conversa.
Fred casou-se, divorciou-se e agora é um dos bibliotecários de Yale.
El Etnógrafo
El caso me lo refirieron en Texas, pero había acontecido en otro estado. Cuenta con un solo protagonista, salvo que en toda historia los protagonistas son miles, visibles e invisibles, vivos y muertos. Se llamaba, creo, Fred Murdock. Era alto a la manera americana, ni rubio ni moreno, de perfil de hacha, de muy pocas palabras. Nada singular había en él, ni siquiera esa fingida singularidad que es propia de los jóvenes. Naturalmente respetuoso, no descreía de los libros ni de quienes escriben los libros. Era suya esa edad en que el hombre no sabe aún quién es y está listo a entregarse a lo que le propone el azar: la mística del persa o el desconocido origen del húngaro, las aventuras de la guerra o el álgebra, el puritanismo o la orgía. En la universidad le aconsejaron el estudio de las lenguas indígenas. Hay ritos esotéricos que perduran en ciertas tribus del oeste; su profesor, un hombre entrado en años, le propuso que hiciera su habitación en
una reserva,
que observara los ritos y que descubriera el secreto que los brujos revelan al
iniciado. A su vuelta, redactaría una tesis que las autoridades del instituto
darían a la imprenta. Murdock aceptó con alacridad. Uno de sus mayores había
muerto en las guerras de la frontera; esa antigua discordia de sus estirpes era
un vínculo ahora. Previo, sin duda, las dificultades que lo aguardaban; tenía
que lograr que los hombres rojos lo aceptaran como uno de los suyos. Emprendió
la larga aventura. Más de dos años habitó en la pradera, entre muros de adobe o
a la intemperie. Se levantaba antes del alba, se acostaba al anochecer, llegó a
soñar en un idioma que no era el de sus padres. Acostumbró su paladar a sabores
ásperos, se cubrió con ropas extrañas, olvidó los amigos y la ciudad, llegó a
pensar de una manera que su lógica rechazaba. Durante los primeros
meses de
aprendizaje tomaba notas sigilosas, que rompería después, acaso para no
despertar la suspicacia de los otros, acaso porque ya no las precisaba. Al
término de un plazo prefijado por ciertos ejercicios, de índole moral y de
índole física, el sacerdote le ordenó que fuera recordando sus sueños y que se
los confiara al clarear el día. Comprobó que en las noches de luna llena soñaba
con bisontes. Confió estos sueños repetidos a su maestro; éste acabó por
revelarle su doctrina secreta. Una mañana, sin haberse despedido de nadie,
Murdock se fue.
En la ciudad,
sintió la nostalgia de aquellas tardes iniciales de la pradera en que
había sentido, hace tiempo, la nostalgia de la ciudad. Se encaminó al
despacho del profesor y le dijo que sabía el secreto y que había resuelto no
revelarlo.
– ¿Lo ata su juramento? – preguntó el otro.
– No es ésa mi razón – dijo Murdock– . En esas lejanías aprendí algo que
no puedo decir.
– ¿Acaso el idioma inglés es insuficiente? – observaría el otro.
– Nada de eso, señor. Ahora que poseo el secreto, podría enunciarlo de
cien modos distintos y aun contradictorios. No sé muy bien cómo decirle que el
secreto es precioso y que ahora la ciencia, nuestra ciencia, me parece una mera
frivolidad.
Agregó al cabo de una pausa:
– El secreto, por lo demás, no vale lo que valen los caminos que me
condujeron a él. Esos caminos hay que andarlos.
El profesor le dijo con frialdad:
– Comunicaré su decisión al Consejo. ¿Usted piensa vivir entre los
indios?
Murdock le
contestó:
– No. Tal vez no vuelva a la pradera. Lo que me enseñaron sus hombres
vale para cualquier lugar y para cualquier circunstancia. Tal fue en esencia el
diálogo.
Fred se casó, se divorció y es ahora uno de los bibliotecarios de Yale.