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sábado, 17 de outubro de 2020

Rosario Ferré (Porto Rico: 1938 – 2016)

 

 


 

O sonho do amor dissimulado

 

A linguagem é uma expiação

propiciação ao que não fala

Octavio Paz

 

Joana Inês dorme o sonho de Ixtaccihuatl

coroada pelas rosas que serão vendidas

amanhã, no mercado de flores de Napantla.

Seus pés roçam esse confim secreto em que o Vulcão de Neve

verte invisível seu humor em direção ao Vulcão de Fogo,

y Popocatépetl penteia calado seus cabelos

em mananciais de ônix por toda parte

de seu corpo. A cada suspiro seu se elevam como garças

cem tempestades de neve por entre os ventos polares

e em seu peito arde uma chama piramidal

que se eleva, e indecisa consome o mundo.

Joana Inês desperta e, coagida por seu sonho

dirige-se a passos largos rumo ao Vale do México.

(À beira do caminho Amecameca inclina

suas pereiras, oferta em pleno céu

sua perfumada garganta de outono

por entre gêmea cornucópia de vulcões).

Bate por três vezes à porta do convento

e imperiosa exige que seja admitida

em sua cinzelada cidadela.

Exibindo suas vestes cortesãs Joana Inês desfila

pela nave iluminada pela neve

e vislumbra os rostos do Marquês e da Marquesa

escondidos por entre as velas dos lustres.

O padre Nunes dissimula sua viperina luxúria

atrás da espessura lacrimejante dos círios

e o Arcebispo Aguiar y Seijas domina

com dificuldade o galgo albino

que dissimuladamente lhe carcome as entranhas.

Ávidos zeladores de sua fama

e de sua alma, os prelados a admoestam

com raciocínio diverso. Láquesis

há de guiar sua agulha até a oscilante tumba

onde enfia e corta sem compaixão o fio de cada vida

e a direita haverá de raspar fratricida o traço da esquerda

sobre o mar angustiosamente sulcado da página.

Isis há de lavrar com paciência sulcos silenciosos

a espumante escrita dispersa em terreno plano

ecos marinhos que, amarelos de desesperança amarga

coroam o coração de abrolhos e de cardos.

Joana Inês se prostra de joelhos, diante do Deus das Sementes

seu altivo pensamento em cálice de cobalto.

Vai retirando uma a uma diante dele suas vestes

até que, esfolada em muro de cal viva

oferece o dócil pescoço à argêntea esquila

de pérolas gentil pedestal, agora destituída

de rutilantes gargantilhas e corais.

Vê cair, satisfeita, os cabelos

que outrora ornamentavam em mítico casario

cabeça tão desprovida de notícias,

e agradece pela peliça cinzenta que faz desaparecer o corpo

em tosco hábito, envenenado

de lembranças. A tudo suporta Joana Inês

a tudo sobreleva com paciência:

o impávido relâmpago do Sacrário

olho ciclópico que, inflamado de sangue

consome a alma inerme em austeridades vãs,

os destroços desta alcova e desta mão

temerária que, obstinada, intenta

a fugitivas sombras alcançar

por entre consoantes e vogais,

o silício, o látego, o escudo

o rosário, o barbote, o crucifixo

preso ao ombro como imortal balestra

que a defenderá da tirania do século,

o véu coberto de cinzas que, com voo ligeiro

amordaça-lhe melancolicamente o rosto

combatendo incêndio rápido com incêndio secular.

Ícaro de neve que, de vontade própria cativo

volta com insolência o peito até a incandescência

para depor em combustão secreta sua matéria,

sua alma já alonga o voo até a cela.

Serena na inviolabilidade do claustro como

o falcão em seu poleiro, Joana Inês

se inclina diante de seus inimigos

e sorri.

 

 

 

El Sueño de Amor Velado

 

El lenguaje es una expiación

propiciación al que no habla

Octavio Paz

 

Juana Inés duerme el sueño de Ixtaccíhuatl

coronada por las rosas que se venderán

mañana, en el mercado de flores de Nepantla.

Sus pies rozan ese confín secreto donde el Volcán de Nieve

vierte invisible su humor hacia el Volcán de Fuego,

y Popocatépetl peina sigiloso sus cabellos

en manantiales de ónix a lo largo

de su cuerpo. A cada suspiro suyo se levantan como garzas

cien tempestades de nieve por entre los ventisqueros

y en su pecho arde una llama piramidal que

asciende, y consume en vilo el mundo.

Juana Inés despierta y, apremiada por su sueño

se dirige a grandes pasos hacia el Valle de México.

(A la vera del camino Amecameca desploma

sus perales, oferta a pleno cielo

su aromosa garganta de pomona

por entre gemela cornucopia de volcanes).

Da tres golpes a la puerta del convento

y clama con imperiosidad ser admitida

a su labrado alcázar.

Luciendo sus galas cortesanas Juana Inés desfila

por el crucero esclarecido de la nave

y adivina los rostros del Marqués y de la Marquesa

agazapados por entre los velones de las luminarias.

El padre Núñez embosca su viperina lujuria

tras la espesura lagrimeante de los cirios

y el Arzobispo Aguiar y Seijas domeña

con dificultad el galgo albino

que le carcome solapadamente las entrañas.

Ávidos celadores de su fama

y de su alma, los prelados la amonestan

con raciocinio diverso. Láquesis

ha de guiar su pluma junto a la mecida tumba

donde se enhebra y corta sin duelo el propio estambre

y la derecha ha de borrar fratricida el trazo de la izquierda

sobre el mar angustiosamente arado de la página.

Isis ha de labrar paciente peces mudos

a espumada escritura dispersa en vega llana,

ecos marinos que, amarillos de despecho amargo

coronan el corazón de abrojos y de cardos.

Juana Inés postra en hinojos, ante el Dios de las Semillas

su pensamiento altivo en cáliz de cobalto.

Va arrojando una a una ante él sus vestiduras

hasta qué, desollada en muro de cal viva

ofrece el manso cuello a la argentina esquila

de perlas gentil plinto, desamparado ahora

de rutilantes gargantillas y corales.

Observa caer, gozosa, los cabellos

que vistieron otrora en mítica alquería

cabeza tan despoblada de noticias,

y agradece la pelliza gris que apaga el cuerpo

en tosco hábito, emponzoñado

de recuerdos. Todo lo sufre Juana Inés,

todo lo sobrelleva con paciencia:

el impávido lampo del Sagrario

ojo ciclópeo que, inflamado en sangre

consume el alma inerme en tomos vanos,

los escombros de esta alcoba y de esta mano

temeraria que, obstinada, intenta

a fugitivas sombras dar alcance

por entre consonantes y vocales,

el silicio, el látigo, el escudo

el rosario, el barbote, el crucifijo

prendido al hombro como inmortal ballesta

que ha de defenderla de la tiranía del siglo,

el velo encenizado qué, con vuelo presto

le amordaza melancólico la frente

combatiendo incendio raudo con secular incendio.

Ícaro de nieve que, de propia voluntad cautivo

vuelca desaforado el pecho hacia la incandescencia

para rendir en combustión secreta su materia,

tiende ya su alma el vuelo hacia la celda.

Serena en la inviolabilidad del claustro como

el gerifalte en su alcándara, Juana Inés

se inclina hacia sus enemigos

 y sonríe.

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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