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segunda-feira, 23 de março de 2020

Luis Cernuda (Espanha: 1902 - 1963)



Aqui Nesta Beirada Branca...


Aqui
nesta beirada branca
do leito em que tu dormes
vejo-me à borda mesma
de teu sonho. Outro passo
e eu cairia sobre
suas ondas, rompendo-o
como a um cristal. Ascende
o calor de teu sonho,
até meu rosto. Teu hálito
sincroniza o andamento
do sonhar: vai sem pressa.
Um sopro incerto, leve,
cede-me esse tesouro
com precisão: o pulsar
de teu viver sonhando.
Olho. Vejo o tecido
de que é feito teu sonho.
Está sobre teu corpo
como couraça tênue.
Cerca-te de respeito.
À virgem tu recorres
toda inteira, desnuda,
quando estás a sonhar.
Na borda são suspensos
os anseios e os beijos:
esperam, já sem pressa,
que ao descerrar os olhos,
abdiques de teu ser
invulnerável. Busco
por teu sonho. E com a alma
dobrada sobre ti,
os olhares percorrem,
tua carne diáfana,
e apartam docemente
as feições de teu corpo,
buscando o que há por trás
das formas de teu sonho.
Nada encontram. E então
penso em teu sonho. Quero
elucidá-lo. As cifras
não servem, não é secreto.
É sonho e não mistério.
Súbito, na mais densa
quietude da noite,
um sonho meu começa
na borda de teu corpo;
nele, eu percebo o teu.
Tu dormindo, eu velando,
éramos semelhantes.
Não havia o que buscar:
teu sonho era meu sonho.


Aquí en esta orilla blanca...


Aquí
en esta orilla blanca
del lecho donde duermes
estoy al borde mismo
de tu sueño. Si diera
un paso mas, caerla
en sus ondas, rompiéndolo
como un cristal. Me sube
el calor de tu sueño
hasta el rostro. Tu hálito
te mide la andadura
del soñar: va despacio.
Un soplo alterno, leve
me entrega ese tesoro
exactamente: el ritmo
de tu vivir soñando.
Miro. Veo la estofa
de que está hecho tu sueño.
La tienes sobre el cuerpo
como coraza ingrávida.
Te cerca de respeto.
A tu virgen te vuelves
toda entera, desnuda,
cuando te vas al sueño.
En la orilla se paran
las ansias y los besos:
esperan, ya sin prisa,
a que abriendo los ojos
renuncies a tu ser
invulnerable. Busco
tu sueño. Con mi alma
doblada sobre ti
las miradas recorren,
traslúcida, tu carne
y apartan dulcemente
las señas corporales,
por ver si hallan detrás
las formas de tu sueño.
No lo encuentran. Y entonces
pienso en tu sueño. Quiero
descifrarlo. Las cifras
no sirven, no es secreto.
Es sueño y no misterio.
Y de pronto, en el alto
silencio de la noche,
un soñar mío empieza
al borde de tu cuerpo;
en él el tuyo siento.
Tú dormida, yo en vela,
hacíamos lo mismo.
No había que buscar:
tu sueño era mi sueño.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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