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sábado, 7 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 –)

 


Averno – 13/18

 

Um mito da devoção

 

Quando Hades concluiu que amava a menina

ele lhe construiu uma réplica da terra,

tudo exatamente igual, até o campo,

mas com uma cama incluída.

 

Tudo igual, inclusive a luz do sol,

pois seria difícil a uma jovem

passar da luz ao breu total com tanta rapidez.

 

Aos poucos, pensou, ele introduziria a noite,

primeiro como sombras de folhas agitadas.

Depois a lua, as estrelas. Depois nem lua, nem estrelas.

Que Perséfone se habitue lentamente.

Por  fim, pensou, ela se sentiria confortável.

 

Uma réplica da terra

exceto que havia amor aqui.

Todo mundo não deseja amor?

 

Esperou por muitos anos,

construindo um mundo, vigiando

Perséfone no campo.

Perséfone, a que cheira, degusta.

Se você tem apetite, pensou,

você tem tudo o mais.

 

À noite todos não desejam sentir

o corpo amado, a bússola, a estrela polar,

ouvir a suave respiração que diz

Estou viva, que também quer dizer

você está vivo, pois me ouve,

está aqui comigo. E quando um se vira,

o outro se vira –

 

Foi isso o que sentiu, o senhor das trevas,

vendo o mundo que construíra

para Perséfone. Nunca pensou

que ali não mais haveria quem cheirasse,

muito menos quem não mais comesse.

 

Culpa? Horror? Medo do amor?

Essas coisas ele não conseguia imaginar;

nenhum amante jamais as imagina.

 

Ela sonha, pondera que nome dar ao lugar.

De início pensou: O Novo Inferno. Depois: O Jardim.

Por fim decide chamá-lo

A Infância de Perséfone.

 

Luz suave se elevando sobre o campo,

atrás da cama. Ele a toma nos braços. 

Quer lhe dizer eu amo você, nada pode feri-la

 

mas pensa

isso é uma mentira, e por fim diz

você está morta, nada a ferirá

o que lhe pareceu

um começo mais promissor, mais verdadeiro.

  

A Myth of Devotion

 

When Hades decided he loved this girl
he built for her a duplicate of earth,
everything the same, down to the meadow,
but with a bed added.

 

Everything the same, including sunlight,
because it would be hard on a young girl
to go so quickly from bright light to utter darkness.

 

Gradually, he thought, he'd introduce the night,
first as the shadows of fluttering leaves.
Then moon, then stars. Then no moon, no stars.
Let Persephone get used to it slowly.
In the end, he thought, she'd find it comforting.

 

A replica of earth
except there was love here.
Doesn't everyone want love?

 

He waited many years,
building a world, watching
Persephone in the meadow.
Persephone, a smeller, a taster.
If you have one appetite, he thought,
you have them all.

 

Doesn't everyone want to feel in the night
the beloved body, compass, polestar,
to hear the quiet breathing that says
I am alive, that means also
you are alive, because you hear me,
you are here with me. And when one turns,
the other turns –

 

That's what he felt, the lord of darkness,
looking at the world he had
constructed for Persephone. It never crossed his mind
that there'd be no more smelling here,
certainly no more eating.

 

Guilt? Terror? The fear of love?
These things he couldn't imagine;
no lover ever imagines them.

 

He dreams, he wonders what to call this place.
First he thinks: The New Hell. Then: The Garden.
In the end, he decides to name it
Persephone's Girlhood.

 

A soft light rising above the level meadow,
behind the bed. He takes her in his arms.
He wants to say I love you, nothing can hurt you

 

but he thinks
this is a lie, so he says in the end
you're dead, nothing can hurt you
which seems to him
a more promising beginning, more true.

 

 

 

 

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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