segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)

 

Antes do começo

 

Ruídos confusos, claridade incerta

outro dia começa.

É um quarto na penumbra

e dois corpos estendidos.

Em minha fronte me perco

por uma pradaria sem ninguém.

Já as horas afiam suas navalhas.

Mas a meu lado tu respiras;

íntima e distante

fluis e não te moves.

Inacessível se em ti penso,

com os olhos te tateio,

olho-te com as mãos.

Os sonhos nos separam

e o sangue nos reúne:

somos um rio de pulsações.

Sob tuas pálpebras amadurece

a semente do sol.

O mundo

não é real ainda,

o tempo titubeia:

só é certo

o calor de teu pé.

Em tua respiração escuto

a maré do ser,

a sílaba esquecida do começo.

 

 

Antes de Comienzo

 

 

Ruidos confusos, claridad incierta

otro día comienza.

Es un cuarto en penumbra

y dos cuerpos tendidos.

En mi frente me pierdo

por un llano sin nadie.

Ya las horas afilan sus navajas.

Pero a mi lado tú respiras;

entrañable y remota

fluyes y no te mueves.

Inaccesible si te pienso,

con los ojos te palpo,

te miro con las manos.

Los sueños nos separan

y la sangre nos junta:

somos un río de latidos.

Bajo tus párpados madura

la semilla del sol.

El mundo

no es real todavía,

el tiempo duda:

sólo es cierto

el calor de tu piel.

En tu respiración escucho

la marea del ser,

la sílaba olvidada del comienzo.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Adela Zamudio (Bolívia: 1854 – 1928)

O cisne


Sois a flor que em seu talo se dobra,

porque sofre guardando em seu seio,

de um verme escondido o veneno,

que devora meu triste existir;

 

de um verme escondido o veneno,

que devora meu triste existir!

 

Quanta pena há numa lembrança

esquecendo das penas se acalma,

se o esquecimento é o sonho da alma,

mas minha alma não pode dormir...

 

se o esquecimento é o sonho da alma,

mas minha alma não pode dormir!

 

Transtornado por funda tristeza

a dor se reflete em minha fronte,

quão amarga é minha vida presente,

quão amargo será o porvir

 

quão amarga é minha vida presente,

quão amargo será o porvir!

 

És o cisne que canta dolente

de minha morte o instante esperando

Eu que sempre vivi pranteando

Quero ao menos cantando morrer

 

Eu que sempre vivi pranteando

Quero ao menos cantando morrer!

 

El Cisne

 

Soy la flor que en su tallo se dobla,

porque sufre guardando en su seno,

de un gusano escondido el veneno,

que devora mi triste existir;

 

¡de un gusano escondido el veneno,

que devora mi triste existir!


Cuanta pena contiene un recuerdo

olvidando las penas se calma,

si el olvido es el sueño del alma,

pero mi alma no puede dormir…

 

¡si el olvido es el sueño del alma,

pero mi alma no puede dormir!

 

Confundido por onda tristeza

el dolor se retrata en mi frente,

cuan amarga es mi vida presente,

cuan amargo será el porvenir

 

¡cuan amarga es mi vida presente,

cuna amargo será el porvenir!

 

Soy el cisne que canta doliente

De mi muerte el momento esperando

Yo que siempre he vivido llorando

Quiero al menos cantando morir

 

¡yo que siempre he vivido llorando

Quiero al menos cantando morir!

 

 

sábado, 9 de outubro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 31 / 31

  

Elogio da sombra

 

A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)

pode ser o tempo de nossa dita.

O animal morreu ou por pouco morreu.

Ficam o homem e sua alma.

Vivo entre formas luminosas e vagas

que não são ainda a escuridão.

Buenos Aires,

que antes se esparramava em subúrbios

até a planície incessante,

voltou a ser a Recoleta, o Retiro,

as confusas ruas do Once

e as precárias casas velhas

que ainda chamamos o Sul.

Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;

Demócrito de Abdera arracou os olhos para pensar;

o tempo tem sido meu Demócrito.

Esta penumbra é lenta e não dói;

flui por um manso declive

e se assemelha à eternidade.

Meus amigos não têm rosto,

as mulheres são o que foram há tantos anos,

as esquinas podem ser outras,

não há letras nas páginas dos livros.

Tudo isto deveria atemorizar-me,

mas é uma ternura, um retorno.

Das gerações dos textos que há na terra

só terei lido uns poucos,

os que sigo lendo na memória,

lendo e transformando.

Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte

convergem os caminhos que me trouxeram

a meu secreto centro.

Esses caminhos foram ecos e passos,

mulheres, homens, agonias, ressurreições,

dias e noites, entressonhos e sonhos,

cada ínfimo instante do ontem

e dos ontens do mundo,

a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,

os atos dos mortos,

o compartilhado amor, as palavras,

Emerson e a neve e tantas coisas.

Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,

a minha álgebra e minha chave,

a meu espelho.

Cedo saberei quem sou.

 

Elogio De La Sombra


La vejez (tal es el nombre que los otros le dan)
puede ser el tiempo de nuestra dicha.
El animal ha muerto o casi ha muerto.
Quedan el hombre y su alma.
Vivo entre formas luminosas y vagas
que no son aún la tiniebla.
Buenos Aires,
que antes se desgarraba en arrabales
hacia la llanura incesante,
ha vuelto a ser la Recoleta, el Retiro,
las borrosas calles del Once
y las precarias casas viejas
que aún llamamos el Sur.

Siempre en mi vida fueron demasiadas las cosas;
Demócrito de Abdera se arrancó los ojos para pensar;
el tiempo ha sido mi Demócrito.
Esta penumbra es lenta y no duele;
fluye por un manso declive
y se parece a la eternidad.
Mis amigos no tienen cara,
las mujeres son lo que fueron hace ya tantos años,
las esquinas pueden ser otras,
no hay letras en las páginas de los libros.
Todo esto debería atemorizarme,
pero es una dulzura, un regreso.

De las generaciones de los textos que hay en la tierra
sólo habré leído unos pocos,
los que sigo leyendo en la memoria,
leyendo y transformando.
Del Sur, del Este, del Oeste, del Norte,
convergen los caminos que me han traído
a mi secreto centro.

Esos caminos fueron ecos y pasos,
mujeres, hombres, agonías, resurrecciones,
días y noches, entresueños y sueños,
cada ínfimo instante del ayer
y de los ayeres del mundo,
la firme espada del danés y la luna del persa,
los actos de los muertos,
el compartido amor, las palabras,
Emerson y la nieve y tantas cosas.

Ahora puedo olvidarlas. Llego a mi centro,
a mi álgebra y mi clave,
a mi espejo.
Pronto sabré quién soy.

 


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)


Do livro Elogio da sombra – 30 / 31

 

Um leitor

 

Que outros se jactem das páginas que escreveram;

a mim orgulham-me as que li.

Não fui um filólogo,

não investiguei as declinações, os modos, a laboriosa

        mutação das letras,

o dê que se endurece em tê,

a equivalência do gê e do cá,

mas ao longo de meus anos tenho professado

a paixão da linguagem.

Minhas noites estão repletas de Virgílio;

ter sabido e ter esquecido o latim

é uma possessão, porque o esquecimento

é uma das formas da memória, seu impreciso porão,

o outro lado secreto da moeda.
Quando em meus olhos se apagaram

as vãs aparências queridas,

os rostos e a página,

entreguei-me ao estudo da linguagem de ferro

que usaram meus antepassados para cantar

espadas e solidões,

e agora, ao longo de sete séculos,

desde a Última Tule,

tua voz me chega, Snorri Sturluson.

O jovem, diante do livro, impõe-se uma disciplina precisa

e o faz em busca de um conhecimento preciso;

em minha idade, toda tarefa é uma aventura

que confina com a noite.

Não  terminei de decifrar as antigas línguas do Norte,

não afundarei as mãos ávidas no ouro de Sigurd;

a tarefa que empreendo é limitada

e há de acompanhar-me até o fim,

não menos misteriosa que o universo

e que eu, o aprendiz.

 

Un Lector


Que otros se jacten de las páginas que han escrito;
a mí me enorgullecen las que he leído.
No habré sido un filólogo,
no habré inquirido las declinaciones, los modos, la laboriosa
        mutación de las letras,
la de que se endurece en te,
la equivalencia de la ge y de la ka,
pero a lo largo de mis años he profesado
la pasión del lenguaje.

Mis noches están llenas de Virgilio;
haber sabido y haber olvidado el latín
es una posesión, porque el olvido
es una de las formas de la memoria, su vago sótano,
la otra cara secreta de la moneda.

Cuando en mis ojos se borraron
las vanas apariencias queridas,
los rostros y la página,
me di al estudio del lenguaje de hierro
que usaron mis mayores para cantar
espadas y soledades,
y ahora, a través de siete siglos,
desde la Última Thule,
tu voz me llega, Snorri Sturluson.
El joven, ante el libro, se impone una disciplina precisa
y lo hace en pos de un conocimiento preciso;
a mis años, toda empresa es una aventura
que linda con la noche.

No acabaré de descifrar las antiguas lenguas del Norte,
no hundiré las manos ansiosas en el oro de Sigurd;
la tarea que emprendo es ilimitada
y ha de acompañarme hasta el fin,
no menos misteriosa que el universo
y que yo, el aprendiz.


terça-feira, 5 de outubro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 29 / 31

 

His End And His Beginning

 

Cumprida a agonia, já só e destroçado e rejeitado, mergulhou no sonho. Quando despertou, aguardavam-no os hábitos cotidianos e os lugares; disse a si mesmo que não devia pensar demais na noite anterior e, alentado por essa vontade, vestiu-se sem pressa. No escritório, cumpriu passavelmente com seus deveres, ainda que com essa incômoda impressão de repetir algo já feito, que nos traz o cansaço. Pareceu-lhe perceber que os outros desviavam os olhos; acaso já sabiam que estava morto. Nessa noite começaram os pesadelos; não lhe deixavam a menor lembrança, apenas o temor de que voltassem. A longo prazo o temor prevaleceu; interpunha-se entre ele e a página que devia escrever ou o livro que cuidava de ler. As letras pululavam e pululavam; os rostos, os rostos familiares, iam se apagando; as coisas e os homens foram deixando-o. Sua mente se aferrou a essas formas cambiantes, como num frenesi de tenacidade.

Por estranho que pareça, nunca desconfiou da verdade; esta iluminou-o de súbito. Compreendeu que não podia recordar as formas, os sons e as cores dos sonhos; não havia formas, cores nem sons, e não eram sonhos. Eram sua realidade, uma realidade muito além do silêncio e da visão e, por conseguinte, da memória. Isto o consternou mais que o fato de que, a partir da hora de sua morte, havia estado lutando em um redemoinho de insensatas imagens. As vozes que havia ouvido eram ecos; os rostos, máscaras; os dedos de sua mão eram sombras, vagas e insubstanciais sem dúvida, mas também queridas e conhecidas.

De algum modo sentiu que seu dever era deixar para trás essas coisa; agora pertencia a este novo mundo, ausente de passado, de presente e de porvir.

Pouco a pouco este mundo o circundou. Padeceu muitas agonias, atravessou regiões de desespero e de solidão. Essas peregrinações eram atrozes porque transcendiam a todas as suas anteriores percepções, lembranças e esperanças.

Todo o horror jazia em sua novidade e esplendor. Havia merecido a Graça, desde sua morte havia estado sempre no céu.

 

His End And His Beginning


Cumplida la agonía, ya solo, ya solo y desgarrado y rechazado, se hundió en el sueño. Cuando despertó, lo aguardaban los hábitos cotidianos y los lugares; se dijo que no debía pensar demasiado en la noche anterior y, alentado por esa voluntad, se vistió sin apuro. En la oficina, cumplió pasablemente con sus deberes, si bien con esa incómoda impresión de repetir algo ya hecho, que nos da la fatiga. Le pareció notar que los otros desviaban la mirada; acaso ya sabían que estaba muerto. Esa noche empezaron las pesadillas; no le dejaban el menor recuerdo, sólo el temor de que volvieran. A la larga el temor prevaleció; se interponía entre él y la página que debía escribir o el libro que trataba de leer. Las letras hormigueaban y pululaban; los rostros, los rostros familiares, iban borrándose; las cosas y los hombres fueron dejándolo. Su mente se aferró a esas formas cambiantes, como en un frenesí de tenacidad.

Por raro que parezca, nunca sospechó la verdad; ésta lo iluminó de golpe. Comprendió que no podía recordar las formas, los sonidos y los colores de los sueños; no había formas, colores ni sonidos, y no eran sueños. Eran su realidad, una realidad más allá del silencio y de la visión y, por consiguiente, de la memoria. Esto lo consternó más que el hecho de que a partir de la hora de su muerte, había estado luchando en un remolino de insensatas imágenes. Las voces que había oído eran ecos; los rostros, máscaras; los dedos de su mano eran sombras, vagas e insustanciales sin duda, pero también queridas y conocidas.

De algún modo sintió que su deber era dejar atrás esas cosas; ahora pertenecía a este nuevo mundo, ajeno de pasado, de presente y de porvenir.

 Poco a poco este mundo lo circundó. Padeció muchas agonías, atravesó regiones de desesperación y de soledad. Esas peregrinaciones eran atroces porque trascendían todas sus anteriores percepciones, memorias y esperanzas.

Todo el horror  yacía en  su  novedad  y  esplendor.  Había  merecido  la  Gracia, desde su muerte había estado siempre en el cielo.


domingo, 3 de outubro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 28 / 31

 

Uma oração


Minha boca pronunciou e pronunciará, por milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Nesta manhã, a do dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me é vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que veem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha partido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não diz respeito. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O que resta não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.


Quero morrer de todo; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

 

Una Oración


Mi boca ha pronunciado y pronunciará, miles de veces y en los dos idiomas que me son íntimos, el padre nuestro, pero sólo en parte lo entiendo. Esta mañana, la del día primero de julio de 1969, quiero intentar una oración que sea personal, no heredada. Sé que se trata de una empresa que exige una sinceridad más que humana. Es evidente, en primer término, que me está vedado pedir. Pedir que no anochezcan mis ojos sería una locura; sé de millares de personas que ven y que no son particularmente felices, justas o sabias. El proceso del tiempo es una trama de efectos y de causas, de suerte que pedir cualquier merced, por ínfima que sea, es pedir que se rompa un eslabón de esa trama de hierro, es pedir que ya se haya roto. Nadie merece tal milagro. No puedo suplicar que mis errores me sean perdonados; el perdón es un acto ajeno y sólo yo puedo salvarme. El perdón purifica al ofendido, no al ofensor, a quien casi no le concierne. La libertad de mi albedrío es tal vez ilusoria, pero puedo dar o soñar que doy. Puedo dar el coraje, que no tengo; puedo dar la esperanza, que no está en mí; puedo enseñar la voluntad de aprender lo que sé apenas o entreveo. Quiero ser recordado menos como poeta que como amigo; que alguien repita una cadencia de Dunbar o de Frost o del hombre que vio en la medianoche el árbol que sangra, la Cruz, y piense que por primera vez la oyó de mis labios. Lo demás no me importa; espero que el olvido no se demore. Desconocemos los designios del universo, pero sabemos que razonar con lucidez y obrar con justicia es ayudar a esos designios, que no nos serán revelados.


Quiero morir del todo; quiero morir con este compañero, mi cuerpo.

 

 

sábado, 2 de outubro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 27 / 31

 

Lenda

 

Abel e Caim se encontraram após da morte de Abel. Caminhavam pelo deserto e se reconheceram de longe, porque os dois eram muito altos. Os irmãos se sentaram na terra, fizeram um fogo e comeram. Guardavam silêncio, à maneira da gente cansada quando declina o dia. No céu assomava alguma estrela, que ainda não havia recebido seu nome. À luz das chamas, Caim notou na testa de Abel a marca da pedra e deixou cair o pão que estava para levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado o crime.

Abel respondeu:

– Tu me mataste ou eu te matei? Já não me lembro; aqui estamos juntos como antes.

– Agora sei que na verdade me perdoaste – disse Caim –, porque esquecer é perdoar. Eu tratarei também de esquecer.

Abel disse devagar:

– Assim é. Enquanto dura o remorso dura a culpa.


Leyenda


Abel y Caín se encontraron después de la muerte de Abel. Caminaban por el desierto y se reconocieron desde lejos, porque los dos eran muy altos. Los hermanos se sentaron en la tierra, hicieron un fuego y comieron. Guardaban silencio, a la manera de la gente cansada cuando declina el día. En el cielo asomaba alguna estrella, que aún no había recibido su nombre. A la luz de las llamas, Caín advirtió en la frente de Abel la marca de la piedra y dejó caer el pan que estaba por llevarse a la boca y pidió que le fuera perdonado su crimen.

Abel contestó:

– ¿Tú me has matado o yo te he matado? Ya no recuerdo; aquí estamos juntos como antes.

– Ahora sé que en verdad me has perdonado –dijo Caín–, porque olvidar es perdonar. Yo trataré también de olvidar.

Abel dijo despacio:

– Así es. Mientras dura el remordimiento dura la culpa.


 


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 26 / 31

 

 Fragmentos de um evangelho apócrifo

 

3. Desventurado o pobre em espírito, porque sob a terra será o que agora é na terra.

4. Desventurado aquele que chora, porque já tem o hábito miserável do pranto.

5. Infelizes os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.

6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.

7. Feliz aquele que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.

8. Feliz aquele que perdoa aos outros e o que perdoa a si mesmo.

9. Bem aventurados os mansos, porque não condescendem com a discórdia.

10. Bem aventurados aqueles que não têm fome de justiça, porque sabem que nossa sorte, adversa ou piedosa, é obra do azar, que é inescrutável.

11. Bem aventurados os misericordiosos, porque sua felicidade está no exercício da misericórdia e não na esperança de um prêmio.

12. Bem aventurados os puros de coração, porque veem a Deus.

13. Bem aventurados os que padecem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça que seu destino humano.

14. Ninguém é o sal da terra; ninguém, em algum momento de sua vida, não o é.

15. Que a luz de uma lâmpada se acenda, ainda que nenhum homem a veja. Deus a verá.

16. Não há mandamento que não possa ser infringido, e também os que digo e os que os profetas disseram.

17. O que matar por causa da justiça, ou pela causa que ele crê justa, não tem culpa.

18. Os atos dos homens não merecem nem o fogo nem os céus.

19. Não odeies a teu inimigo, porque se o fazes, és de algum modo seu escravo. Teu ódio nunca será melhor que tua paz.

20. Se te ofender tua mão direita, perdoa-a; és teu corpo e és tua alma e é árduo, ou impossível, fixar a fronteira que os separa...

24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que, ao fim de um dia, não haja mentido com razão por muitas vezes.

25. Não jures, porque todo juramento é uma ênfase.

26. Resiste ao mal, mas sem assombro e sem ira. A quem te ferir na face direita, podes voltar-lhe a outra, sempre que não te mova o temor.

27. Eu não falo de vinganças nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.

28. Fazer o bem a teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.

29. Fazer o bem a teu inimigo é o melhor modo de satisfazer tua vaidade.

30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.

31. Pensa que os outros são justos ou o serão, e se não é assim, não é teu o erro.

32. Deus é mais generoso que os homens e os medirá com outra medida.

33. Do santo aos cães, lança tuas pérolas ao porcos; o que importa é dar.

34. Busca pela satisfação de buscar, não pela de encontrar.

39. A porta é a que escolhe, não o homem.

40. Não julgues a árvore por seus frutos nem o homem por suas obras; podem ser piores ou melhores.

41. Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fosse pedra a areia...

47. Feliz é o pobre sem amargura ou o rico sem soberba.

48. Felizes os valentes, os que aceitam com ânimo semelhante a derrota ou as palmas.

49. Felizes os que guardam na memória palavras de Virgilio ou de Cristo, porque estas darão luz a seus dias.

50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.

51. Felizes os felizes.

 

Fragmentos De Un Evangelio Apócrifo

 

3. Desdichado el pobre en espíritu, porque bajo la tierra será lo que ahora es en la tierra.

4. Desdichado el que llora, porque ya tiene el hábito miserable del llanto.

5. Dichosos los que saben que el sufrimiento no es una corona de gloria.

6. No basta ser el último para ser alguna vez el primero.

7. Feliz el que no insiste en tener razón, porque nadie la tiene o todos la tienen.

8. Feliz el que perdona a los otros y el que se perdona a sí mismo.

9. Bienaventurados los mansos, porque no condescienden a la discordia.

10. Bienaventurados los que no tienen hambre de justicia, porque saben que nuestra suerte, adversa o piadosa, es obra del azar, que es inescrutable.

11. Bienaventurados los misericordiosos, porque su dicha está en el ejercicio de la misericordia y no en la esperanza de un premio.

12. Bienaventurados los de limpio corazón, porque ven a Dios.

13. Bienaventurados los que padecen persecución por causa de la justicia, porque les importa más la justicia que su destino humano.

14. Nadie es la sal de la tierra; nadie, en algún momento de su vida, no lo es.

15. Que la luz de una lámpara se encienda, aunque ningún hombre la vea. Dios la verá.

16. No hay mandamiento que no pueda ser infringido, y también los que digo y los que los profetas dijeron.

17. El que matare por la causa de la justicia, o por la causa que él cree justa, no tiene culpa.

18. Los actos de los hombres no merecen ni el fuego ni los cielos.

19. No odies a tu enemigo, porque si lo haces, eres de algún modo su esclavo. Tu odio nunca será mejor que tu paz.

20. Si te ofendiere tu mano derecha, perdónala; eres tu cuerpo y eres tu alma y es arduo, o imposible, fijar la frontera que los divide...

24. No exageres el culto de la verdad; no hay hombre que al cabo de un día, no haya mentido con razón muchas veces.

25. No jures, porque todo juramento es un énfasis.

26. Resiste al mal, pero sin asombro y sin ira. A quien te hiriere en la mejilla derecha, puedes volverle la otra, siempre que no te mueva el temor.

27. Yo no hablo de venganzas ni de perdones; el olvido es la única venganza y el único perdón.

28. Hacer el bien a tu enemigo puede ser obra de justicia y no es arduo; amarlo, tarea de ángeles y no de hombres.

29. Hacer el bien a tu enemigo es el mejor modo de complacer tu vanidad.

30. No acumules oro en la tierra, porque el oro es padre del ocio, y éste, de la tristeza y del tedio.

31. Piensa que los otros son justos o lo serán, y si no es así, no es tuyo el error.

32. Dios es más generoso que los hombres y los medirá con otra medida.

33. Da lo santo a los perros, echa tus perlas a los puercos; lo que importa es dar.

34. Busca por el agrado de buscar, no por el de encontrar...

39. La puerta es la que elige, no el hombre.

40. No juzgues al árbol por sus frutos ni al hombre por sus obras; pueden ser peores o mejores.

41. Nada se edifica sobre la piedra, todo sobre la arena, pero nuestro deber es edificar como si fuera piedra la arena...

47. Feliz el pobre sin amargura o el rico sin soberbia.

48. Felices los valientes, los que aceptan con ánimo parejo la derrota o las palmas.

49. Felices los que guardan en la memoria palabras de Virgilio o de Cristo, porque éstas darán luz a sus días.

50. Felices los amados y los amantes y los que pueden prescindir del amor.

51. Felices los felices.


  

[1] Embora consagrada pelo uso, a expressão “pobres de espírito” é considerada, acertadamente, incorreta pelos puristas.

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...