segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)

 

Antes do começo

 

Ruídos confusos, claridade incerta

outro dia começa.

É um quarto na penumbra

e dois corpos estendidos.

Em minha fronte me perco

por uma pradaria sem ninguém.

Já as horas afiam suas navalhas.

Mas a meu lado tu respiras;

íntima e distante

fluis e não te moves.

Inacessível se em ti penso,

com os olhos te tateio,

olho-te com as mãos.

Os sonhos nos separam

e o sangue nos reúne:

somos um rio de pulsações.

Sob tuas pálpebras amadurece

a semente do sol.

O mundo

não é real ainda,

o tempo titubeia:

só é certo

o calor de teu pé.

Em tua respiração escuto

a maré do ser,

a sílaba esquecida do começo.

 

 

Antes de Comienzo

 

 

Ruidos confusos, claridad incierta

otro día comienza.

Es un cuarto en penumbra

y dos cuerpos tendidos.

En mi frente me pierdo

por un llano sin nadie.

Ya las horas afilan sus navajas.

Pero a mi lado tú respiras;

entrañable y remota

fluyes y no te mueves.

Inaccesible si te pienso,

con los ojos te palpo,

te miro con las manos.

Los sueños nos separan

y la sangre nos junta:

somos un río de latidos.

Bajo tus párpados madura

la semilla del sol.

El mundo

no es real todavía,

el tiempo duda:

sólo es cierto

el calor de tu piel.

En tu respiración escucho

la marea del ser,

la sílaba olvidada del comienzo.

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