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quinta-feira, 28 de maio de 2020

Nazim Hikmet (Tessalônica/Grécia: 1902 – Moscou/Rússia: 1963)



Quero morrer antes de ti


Eu
quero morrer antes de ti.
Tu pensas que quem vai mais tarde
encontrará quem foi primeiro?
Não penso assim.
Melhor será se me cremares,
e colocar-me sobre a estufa de teu quarto
numa jarra.

A jarra deve ser de vidro, 
transparente, vidro branco
de modo que tu me vejas dentro...
Olha o meu sacrifício:
renuncio a ser parte da terra,
renuncio a ser uma flor
para poder estar contigo.
E estou me transformando em pó,
para viver contigo.

Mais tarde, quando também morreres,
tu virás para a minha jarra.
E nela viveremos juntos
tua cinza em minha cinza,
até que uma noiva descuidada
ou um neto infiel
jogue-nos fora...

Mas nós
até quando chegado esse tempo
nos mesclaremos
um ao outro
de tal modo que 
mesmo no lixo em que formos jogados
os nossos grãos cairão lado a lado.
Mergulharemos juntos no solo.
E em certo dia, se uma flor silvestre
alimentar-se desse trecho de solo e florescer
sobre seu corpo, definitivamente
surgirão duas flores:
uma és tu
uma sou eu.

Eu
não penso ainda na morte.
Gerarei uma criança.
A vida está jorrando de mim.
Meu sangue está borbulhando.
Viverei, mas muito, muito tempo,
mas contigo.
Tampouco a morte me apavora.
Mas julgo o nosso rito fúnebre
um tanto ou quanto desagradável.
Até que eu morra,
eu penso que isso melhorará.
Há alguma esperança de que tu saias em breve da prisão? 
Uma voz dentro de mim diz:
talvez.


I Want To Die Before You


I 
want to die before you. 
Do you think that who passes later 
will find who's gone before? 
I don't think so. 
You'd better have me burned, 
and put me on the stove in your room 
in a jar. 
The jar shall be made of glass, 
transparent, white glass 
so that you can see me inside... 
You see my sacrifice: 
I renounced from being part of the earth, 
I renounced from being a flower 
to be able to stay with you. 
And I am becoming dust, 
to live with you. 
Later, when you also die, 
you'll come to my jar. 
And we'll live there together 
your ash in my ash, 
until a careless bride 
or an unfaithful grandson 
throws us out of there... 
But we 
until that time 
will mix 
with each other 
so much that 
even in the garbage we are thrown into 
our grains will fall side by side. 
We will dive into the soil together. 
And one day, if a wild flower 
feeds from this piece of soil and blossoms 
above its body, definitely 
there will be two flowers: 
one is you 
one is me. 
I 
don't think of death yet. 
I will give birth to a child. 
Life is flooding from me. 
My blood is boiling. 
I will live, but long, very long, 
but with you. 
Death doesn't scare me either. 
But I find our way of funeral 
rather unlikable. 
Until I die, 
I think this will get better. 
Is there a hope you'll get out of prison these days? 
A voice in me says: 
maybe.




Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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