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segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 22 / 31

 

 

Invocação a Joyce

 

Dispersos em dispersas capitais,

solitários e muitos,

brincávamos ser o primeiro Adão

que nomeou as coisas.

Pelos vastos declives da alta noite

que lindam com a aurora,

buscamos (recordo ainda) as palavras

da lua, da morte, das nascentes manhãs

e dos muitos mais hábitos dos homens.

Nós fomos o imagismo, o cubismo,

os conventículos e seitas

que as mais crédulas universidades veneram.

Inventamos a falta de pontuação,

a inexistência de maiúsculas,

as estrofes em formato de pombas

e dos bibliotecários de Alexandria.

Cinza, o labor sem fim de nossas mãos

e um fogo ardente nossa fé.

Tu, nesse ínterim, forjavas

nas cidades do teu desterro,

naquele desterro que foi

teu detestado e escolhido instrumento,

a arma de tua arte,

erigias teus árduos labirintos,

infinitos e infinitesimais,

admiravelmente mesquinhos,

mais populosos do que a história.

Nós morremos sem havermos divisado

a rosa ou a biforme fera

que de teu dédalo são o centro,

porém a memória possui seus talismãs,

seus ecos de Virgílio,

e assim pelas ruas da noite permanecem

teus infernos esplêndidos,

tantas cadências e metáforas tuas,

os ouros de tua sombra.

Que importa nossa covardia se há na terra

um só homem valente,

que importa a tristeza se existiu no tempo

alguém que se disse feliz,

que importa minha perdida geração,

esse vago espelho,

se teus livros a justificam.

Eu sou todos aqueles outros. Aqueles

que teu rigor obstinado resgatou.

Sou os que tu não conheces e os que tu salvas.

 

Invocación a Joyce


Dispersos en dispersas capitales,
solitarios y muchos,
jugábamos a ser el primer Adán
que dio nombre a las cosas.
Por los vastos declives de la noche
que lindan con la aurora,
buscamos (lo recuerdo aún) las palabras
de la luna, de la muerte, de la mañana
y de los otros hábitos del hombre.
Fuimos el imagismo, el cubismo,
los conventículos y sectas
que las crédulas universidades veneran.

Inventamos la falta de puntuación,
la omisión de mayúsculas,
las estrofas en forma de paloma
de los bibliotecarios de Alejandría.

Ceniza, la labor de nuestras manos
y un fuego ardiente nuestra fe.
Tú, mientras tanto, forjabas
en las ciudades del destierro,
en aquel destierro que fue
tu aborrecido y elegido instrumento,
el arma de tu arte,
erigías tus arduos laberintos,
infinitesimales e infinitos,
admirablemente mezquinos,
más populosos que la historia.

Habremos muerto sin haber divisado
la biforme fiera o la rosa
que son el centro de tu dédalo,
pero la memoria tiene sus talismanes,
sus ecos de Virgilio,
y así en las calles de la noche perduran
tus infiernos espléndidos,
tantas cadencias y metáforas tuyas,
los oros de tu sombra.

Qué importa nuestra cobardía si hay en la tierra
un solo hombre valiente,
qué importa la tristeza si hubo en el tiempo
alguien que se dijo feliz,
qué importa mi perdida generación,
ese vago espejo,
si tus libros la justifican.
Yo soy los otros. Yo soy todos aquellos
que ha rescatado tu obstinado rigor.
Soy los que no conoces y los que salvas.


 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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