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segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Rosario Ferré (Porto Rico: 1938 – 2016)


Segundo Sonho

 

O discurso é uma espada

que se presta a dois propósitos,

dar morte por sua ponta

e proteção por seu cabo.

(Sóror Joana Inês de la Cruz)

 

“A fama de Joana Inês silva e atrita

até os alicerces do mundo”

disse com animosidade a Marquesa,

inclinando provocativa o duplo marfim dos

seios sobre o banquete irisado de faisões.

Incrédulo, o Marquês convocou à sua mesa

os quarenta sábios mais ilustres do reino

para que interroguem diante dele e publicamente

a prodigiosa cortesã de Nepantla.

Pisa a jovem com decisão o assoalho

de dourada cera, ontem lavrado pela clepsidra de seu pé,

hoje pelo estilete ágil de seu verso.

O Ouvidor lhe oferece satisfeito sua poltrona

adamascada em ouro e prata

e se acomoda a seus pés com falsa docilidade.

Joana Inês se esquiva, Ícaro invicto

entre os letrados sedentários do reino.

Ora lhes lança redondilhas e romances

brandindo a espada pela ponta,

ora alça o voo, engenho atrevido

por sobre os labirintos da física.

Seus versos giram, cata-ventos de fogo

pelas calçadas em festa do México

busca-pés de rima em lícita harmonia,

femininos arcabuzes floridos

no exato limite.

Os letrados a perseguem pelo céu

como quem navega em busca de uma miragem

nublada pelo sal dos enfermos.

Pluma mortal levantada e pérfido tinteiro ao lado

caminham atrás dela alfinetando-a com perguntas:

o mistério do Haiku o diâmetro de Antares

o mundo imóvel da esfera de Parmênides

a facilidade com que oculta o colibri

o suspenso diamante no espaço,

a perturbada pupila de Górgona

contemplando enfurecida o mundo

a partir do escudo ensanguentado de Perseu,

se brota ou não dos maciços do Olimpo

a misteriosa cadência do hexâmetro.

A tudo responde Joana Inês com galhardia.

Voam a despeito dela maledicências ao seu redor,

agudos corta-fios que logo gravam

suas respostas em turvos palimpsestos

de sílex. Dá-lhes altiva o pavilhão das costas

à Farsália tingida com o sangue dos sábios

e abandona para sempre o banquete e o palácio.

Da escura cela de um convento

resgata todos os enigmas e distâncias:

entrega-se ao sonho

como um nadador a um grande rio

e mescla, às espinhas do caracol,

a plumagem incendiada de sua alma.

 

 

Segundo Sueño

 

El discurso es un acero

que sirve por ambos cabos,

de dar muerte por la punta

por el pomo de resguardo.

(Sor Juana Inés de la Cruz)

 

“La fama de Juana Inés crepita y lame

hasta los cimientos del mundo”

ha dicho con inquina la Marquesa,

inclinando provocativa el doble marfil del

pecho sobre el banquete irisado de faisanes.

El Marqués ha convocado, incrédulo, a su mesa

a los cuarenta sabios más ilustres del reino

para que interroguen ante él públicamente

al prodigio cortesano de Nepantla.

Pisa la joven con decisión el tabloncillo

de dorada cera, labrado ayer por la clepsidra de su pie,

hoy por estilete raudo de su verso.

(El Oidor le ofrece ufano su butaca

damasquinada en oro y plata

y se acomoda a sus pies con mansedumbre falsa.

Juana Inés se pasea, Ícaro invicto

por entre los letrados sedentarios del reino.

Ora les dispara redondillas y romances

blandiendo el acero por la punta,

ora remonta el vuelo, ingenio osado

por sobre los laberintos de la física.

Sus versos giran, rehiletes de fuego

por las calzadas festivas de México

siquitraques de rima en lícita armonía,

femeninos arcabuces florecidos

en el exacto linde.

Los letrados la persiguen por el cielo

como quien navega en pos de un espejismo

nublado por la sal de los enfermos.

Pluma mortal en vilo y pérfido tintero al codo

caminan tras de ella zahiriéndola a preguntas:

el misterio del Haikú el diámetro de Antares

el orbe inmóvil de la esfera de Parménides

la facilidad con que oculta el colibrí

el suspendido diamante en el espacio,

la vesánica pupila de Gorgona

contemplando enfurecida el mundo

desde el escudo ensangrentado de Perseo,

si brota o no de los macizos del Olimpo

la misteriosa cadencia del hexámetro.

A todo responde Juana Inés con gallardía.

Vuelan a pesar de ella las maledicencias en su torno,

agudos cortafríos que luego inscriben

sus respuestas en torvos palimpsestos

de sílex. Vuelve altiva el pabellón de las espaldas

a la Farsalia tinta en sangre de los sabios

y abandona para siempre el banquete y el palacio.

Desde la oscura celda de un convento

salva todos los enigmas y distancias:

se entrega al sueño

como el nadador a un gran río

y entrevera, a las espinas del caracol,

 el plumaje incendiado de su alma.

 

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...