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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Saúl Ibargoyen (Uruguai: 1930 – 2019)




Praça de Maio, dezembro de 2001


Quem porá a roupa retirada dos mortos?
Quem colocará suas carnais caminhadas
no interior de tantos sapatos perdidos?
Quem fixará sua sombra cotidiana:
esse negro fulgor de fadiga e de insônia
nas inúteis lajotas acinzentadas da Praça de Maio?
Quem perguntará pelo dono do suor
daquela camisa rasgada?
Quem pelo nome ou sobrenome que não está
nas vozes mundiais
nos documentos totalizados
nas telas ecumênicas
nos jornais globalizados
nas cruzes decompostas?
Quem vestirá o jugo natural
dessas calcinhas desfeitas?
Quem tirará as balas
de seu nicho coagulado:
quem de cada pulmão
a peçonha do ar
e de cada pele
as águas profanadas?
Quem comerá da fome acumulando-se
em bocas paralíticas e ventres partidos?
Quais vestirão gementes vestidos de meninas
meias envelhecidas
sutiãs apertados
calças esfarrapadas
anáguas danificadas
lenços doloridamente brancos?
Quais usarão as frescas caveiras
despojadas do sangue e o ultraje:
separadas da sujeira e o engano:
alçadas como um azul de fogo
nestes dias desnudados
que também se levantam?
  

Plaza de Mayo, diciembre 2001


¿Quién se pondrá la ropa rajada de los muertos?
¿Quién meterá sus carnales andaduras
en lo adentro de tanto zapatal descaminado?
¿Quién fijará su sombra cotidiana:
ese negro fulgor de fatiga y de insomnio
en las baldosas encenizadas de Plaza de Mayo?
¿Quién preguntará por el dueño del sudor
de aquella camisa desfondada?
¿Quién por el nombre o sobrenombre que no está
en las voces mundiales
en los documentos totalizados
en las pantallas ecuménicas
en los periódicos globalizables
en las cruces descompuestas?

¿Quién vestirá el jugo natural
de esos calzones deshechos?
¿Quién quitará las balas
de su nicho coagulado:
quién de cada pulmón
la ponzoña del aire
y de cada pelo
las aguas profanadas?
¿Quién comerá del hambre acumulándose
en bocas paralíticas y panzas partidas?
¿Quiénes vestirán gimientes faldas de infantas
calcetines jubilados
pantalones en derrumbe
enaguas masticadas
pañuelos dolidamente blancos?
¿Quiénes usarán las frescas calaveras
despojadas de la sangre y el ultraje:
separadas de la mugre y el engaño:
alzadas como un azul de fuego
en estos días desnudos
que también se levantan?


(Colaboração na tradução de Isaias Edson Sidney)






Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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