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sexta-feira, 20 de março de 2020

Luis Cernuda (Espanha: 1902 – 1963)



Como Preencher-te, Solidão


Como preencher-te, solidão,
senão contigo mesma...
Desde criança, entre os pobres abrigos da terra,
quieto num canto escuro,
buscava por ti, flamejante grinalda,
minhas auroras futuras e furtivos noturnos,
e em ti os vislumbrava,
naturais e precisos, também livres e fiéis,
à minha semelhança,
à tua semelhança, eterna solidão.
Perdi-me logo pela terra injusta
como quem busca amigos ou ignorados amantes;
dessemelhante no mundo,
fui luz serena e anelo desenfreado,
e na chuva sombria ou no sol luminoso
queria uma verdade que a ti atraiçoasse,
esquecendo em meu afã
que as asas fugitivas sua própria nuvem criam.
E ao velarem-se meus olhos
com nuvens sobre nuvens de outono extravasado
a luz daqueles dias em ti mesma entrevistos,
neguei-te por bem pouco;
por pequenos amores nem certos nem fingidos,
por quietas amizades de poltrona e gesto,
por um nome de reduzida calda num mundo fantasma,
pelos velhos prazeres proibidos
como pelos permitidos e nauseantes,
úteis apenas para o elegante salão discreto,
em bocas de mentira e palavras de gelo.
Por ti encontro agora o eco da antiga pessoa
que fui,
que eu mesmo manchei com aquelas traições juvenis;
por ti me encontro agora, constelados achados,
limpos de outro desejo,
o sol, meu deus, a noite rumorosa,
a chuva, intimidade de sempre,
o bosque e sua exalação pagã,
o mar, o mar como seu nome formoso;
e sobre todos eles,
corpo escuro e esbelto,
encontro a ti, tu, solidão tão minha,
e tu me dás forças e debilidade
como à ave cansada os braços da pedra.
Debruçado ao balcão fito insaciável o fluxo das ondas,
ouço suas escuras imprecações,
contemplo suas brancas carícias;
e suspenso em berço vigilante
sou na noite um diamante que gira advertindo os homens,
pelos quais vivo, ainda quando não os vejo;
e assim, deles distante,
já esquecidos seus nomes, amo-os em grande quantidade,
roucos e violentos como o mar sabe sê-lo
quando chegada a hora do repouso que sua força conquista.
Tu, verdade solitária,
transparente paixão, minha solidão de sempre,
és um imenso abraço;
o sol, o mar
a escuridão, a estepe,
o homem e seu desejo,
a irada multidão,
que são eles, senão tu mesma?
Por ti, minha solidão, busquei-os um dia;
em ti, minha solidão, amo-os agora.


Como Llenarte, Soledad


Cómo llenarte, soledad,
sino contigo misma...
De niño, entre las pobres guaridas de la tierra,
quieto en ángulo oscuro,
buscaba en ti, encendida guirnalda,
mis auroras futuras y furtivos nocturnos,
y en ti los vislumbraba,
naturales y exactos, también libres y fieles,
a semejanza mía,
a semejanza tuya, eterna soledad.
Me perdí luego por la tierra injusta
como quien busca amigos o ignorados amantes;
diverso con el mundo,
fui luz serena y anhelo desbocado,
y en la lluvia sombría o en el sol evidente
quería una verdad que a ti te traicionase,
olvidando en mi afán
cómo las alas fugitivas su propia nube crean.
Y al velarse a mis ojos
con nubes sobre nubes de otoño desbordado
la luz de aquellos días en ti misma entrevistos,
te negué por bien poco;
por menudos amores ni ciertos ni fingidos,
por quietas amistades de sillón y de gesto,
por un nombre de reducida cola en un mundo fantasma,
por los viejos placeres prohibidos
como los permitidos nauseabundos,
útiles solamente para el elegante salón susurrado,
en bocas de mentira y palabras de hielo.
Por ti me encuentro ahora el eco de la antigua persona
que yo fui,
que yo mismo manché con aquellas juveniles traiciones;
por ti me encuentro ahora, constelados hallazgos,
limpios de otro deseo,
el sol, mi dios, la noche rumorosa,
la lluvia, intimidad de siempre,
el bosque y su alentar pagano,
el mar, el mar como su nombre hermoso;
y sobre todo ellos,
cuerpo oscuro y esbelto,
te encuentro a ti, tú, soledad tan mía,
y tú me das fuerza y debilidad
como el ave cansada los brazos de la piedra.
Acodado al balcón miro insaciable el oleaje,
oigo sus oscuras imprecaciones,
contemplo sus blancas caricias;
y erguido desde cuna vigilante
soy en la noche un diamante que gira advirtiendo a los hombres,
por quienes vivo, aún cuando no los vea;
y así, lejos de ellos,
ya olvidados sus nombres, los amo en muchedumbres,
roncas y violentas como el mar, mi morada,
puras ante la espera de una revolución ardiente
o rendidas y dóciles, como el mar sabe serlo
cuando toca la hora de reposo que su fuerza conquista.
Tú, verdad solitaria,
transparente pasión, mi soledad de siempre,
eres inmenso abrazo;
el sol, el mar,
la oscuridad, la estepa,
el hombre y su deseo,
la airada muchedumbre,
¿qué son sino tú misma?
Por ti, mi soledad, los busqué un día;
en ti, mi soledad, los amo ahora.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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