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sábado, 4 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

  

Do livro Elogio da sombra – 01 / 31

 

João,1:14

 

Não será um enigma menor esta folha

que as de Meus livros sagrados

nem muitas outras repetidas

por bocas ignorantes,

que as creem de um homem, não espelhos

obscuros do Espírito.

Eu que sou o É, o Foi e o Será,

volto a contemporizar com a linguagem,

que é tempo sucessivo e emblema.

Quem brinca com um menino brinca com algo

próximo e misterioso;

quis brincar com Meus filhos.

Estive entre eles com assombro e ternura.

Por obra de uma magia

curiosamente eu nasci de um ventre.

Vivi fechado, encarcerado em um corpo

e na humildade de uma alma.

Conheci a memória,

essa moeda que nunca é a mesma.

Conheci a esperança e o temor,

esses dois rostos do incerto futuro.

Conheci a vigília, o sonho, os sonhos,

a ignorância, a carne,

os torpes labirintos da razão,

a amizade dos homens,

a misteriosa devoção dos cães.

Fui amado, compreendido, louvado e pendi de uma cruz.

Bebi do cálice até as borras.

Vi com Meus olhos o que nunca havia visto:

a noite e suas estrelas.

Conheci o polido, o arenoso, o desigual, o áspero,

o sabor do mel e da maçã,

a água na garganta da sede,

o peso de um metal na palma,

a voz humana, o rumor de uns passos sobre a relva,

o cheiro da chuva na Galileia,

o alto grito dos pássaros.

Conheci também a amargura.

Encomendei esta escritura a um homem qualquer;

não será nunca o que quero dizer,

não deixará de ser seu reflexo.

De Minha eternidade caem estes signos.

Que outro, não o que é agora seu amanuense, escreva o poema.

Amanhã serei um tigre entre os tigres

e pregarei Minha lei à sua selva,

ou uma grande árvore na Ásia.

Por vezes penso com nostalgia

no cheiro dessa carpintaria.

 

 

 Juan, I, 14

 

No será menos un enigma esta hoja

que las de Mis libros sagrados

ni aquellas otras que repiten

las bocas ignorantes,

creyéndolas de un hombre, no espejos

oscuros del Espíritu.

Yo que soy el Es, el Fue y el Será,

vuelvo a condescender al lenguaje,

que es tiempo sucesivo y emblema.

Quien juega con un niño juega con algo

cercano y misterioso;

yo quise jugar con Mis hijos.

Estuve entre ellos con asombro y ternura.

Por obra de una magia

nací curiosamente de un vientre.

Viví hechizado, encarcelado en un cuerpo

y en la humildad de un alma.

Conocí la memoria,

esa moneda que no es nunca la misma.

Conocí la esperanza y el temor,

esos dos rostros del incierto futuro.

Conocí la vigilia, el sueño, los sueños,

la ignorancia, la carne,

los torpes laberintos de la razón,

la amistad de los hombres,

la misteriosa devoción de los perros.

Fui amado, comprendido, alabado y pendí de una cruz.

Bebí la copa hasta las heces.

Vi por Mis ojos lo que nunca había visto:

la noche y sus estrellas.

Conocí lo pulido, lo arenoso, lo desparejo, lo áspero,

el sabor de la miel y de la manzana,

el agua en la garganta de la sed,

el peso de un metal en la palma,

la voz humana, el rumor de unos pasos sobre la hierba,

el olor de la lluvia en Galilea,

el alto grito de los pájaros.

Conocí también la amargura.

He encomendado esta escritura a un hombre cualquiera;

no será nunca lo que quiero decir,

no dejará de ser su reflejo.

Desde Mi eternidad caen estos signos.

Que otro, no el que es ahora su amanuense, escriba el poema.

Mañana seré un tigre entre los tigres

y predicaré Mi ley a su selva,

o un gran árbol en Asia.

A veces pienso con nostalgia

en el olor de esa carpintería.

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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