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sexta-feira, 31 de julho de 2020

Lisel Mueller (EUA: 1924 – 2020)


 

Luz do sol e sombra

 

Mas a Itália produziu algo maravilhoso nela.

Deu-lhe luz, e – o que realizou de mais precioso – deu-lhe sombra...

  E. M. Foster, no livro “Um quarto com vista”.

 

1.

Observe qualquer garota tranquila do norte

renunciando à sua limpa transparência

nesta luz estrênua;

límpida até agora – sua vantagem de ser

definida por sua saia –, está de pé na luminosa piazza

buscando escapar do sol, algo temerosa

das naves de pedra e dos transeptos,

das arqueadas fontes algo temerosa

de sondar seu próprio e rico poço, sentir sua mente

cair, cair no inimaginável fundo

de sangue e ritmo,

onde começa a vida.

 

2.

Que pena, disse Miss Bartlett, ter Botticelli

arruinado uma cena adorável com um nu lamentável;

enquanto sua jovem prima, desmaiando com estranha alegria,

caía em uma moita de violetas

e foi beijada por um homem.

Pena Miss Bartlett. Mas Lucy,

apalpando sua parte baixa, ainda que meramente a sentindo,

como uma mulher enjoada com o cheiro de peixe

e ainda desinformada da causa,

culpou em demasia a Beethoven e ao ataque

das agitadas violetas.

 

3.

Os anjos e santos de Leonardo

mais se assemelham a mulheres; lembram

serafins com cabelos de garotas, e a suave curva

do braço do Batista, sua mão delicadamente carnal

apontando seus lábios onde misteriosos dançarinos

aglomeram-se nos cantos. Falamos do sorriso,

mas há mais: é a luz e a sombra

equilibrada para o amor, e a mulher afagando sua doninha

sabe tudo sobre o toque do sol

em cada único ponto de seu alongado casaco.

 

4.

O que começa no escuro virá com a luz do sol,

da infância sob o umbral do conhecimento,

da massificada inconsciência, até a ardente órbita

de afuroante sol, aclame

a existência do eu. Tome qualquer ato de criação,

na mente acrobata do sensual Leonardo,

no leito matrimonial – você pode dizer

onde ela começa? As abelhas

ausentam-se no verão, ainda assim dançam

com maior precisão que a dos barômetros

mostrando o movimento da luz do sol

rumo ao reluzente mel.

  

Sunlight and Shadow

 

But Italy worked some marvel on her. It gave her light, and—

which he held more precious – it gave her shadow…

– E. M. Forster, A ROOM WITH A VIEW

 

1.

Watch any cool Northern girl

renounce her clean transparency

in this strenuous light;

shadowless until now, her edge of being

defined by her skirt, she stands in the noon piazza

seeking asylum from sun, half-afraid

of the stone naves and transepts,

the vaulted fountains

where darkness broods; half-afraid

to fathom her own rich well, feel her mind

fall, fall to the unguessed bottom

of blood and rhythm,

where life begins.

 

2.

What a pity. said Miss Bartlett, that Botticelli

spoiled a lovely scene by that unfortunate nude;

while her young cousin, swooning with a strange joy,

fell into a thicket of violets

and was kissed by a man.

Pity Miss Bartlett. But Lucy,

groping her depth, as yet merely sensing it,

like a woman sick at the smell of fish

and ignorant still of the cause,

blamed too much Beethoven and the onslaught

of heaving violets.

 

3.

Leonardo’s

angels and saints look like women; remember

the seraph with hair like a girl’s, and the Baptist’s

softly curved arm, his delicately fleshed hand

pointing toward his lips where mysterious dancers

cluster in corners. We speak of the smile,

but it is more: it is light and shadow

balanced to love, and the woman fondling her weasel

knows all about the feel of the sun

on each single point of his stretching fur.

 

4.

What begins in the dark shall come into sunlight,

from infancy under the threshold of knowledge,

from massed unawareness, into the passionate orbit

of ferreting sun, acclaim

the existence of self. Take any act of creation,

in the tumbling mind of sensuous Leonardo,

in the marriage-bed—can you say

where it starts? The bees

are absent all winter, yet dance

more accurately than the barometer shows

the movement of summer’s light

toward glistening honey.


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...