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quinta-feira, 19 de março de 2020

Federico Garcia Lorca (Espanha: 1898 – 1936)




A Esposa Infiel


E eu que até o rio a levei
pensando que era donzela,
mas possuía um marido.

Foi na noite de São Tiago
e quase por compromisso.
Os lampeões se apagaram
e se acenderam os grilos.
Nas derradeiras esquinas
toquei seus seios dormidos,
e eles se abriram de súbito
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
soava em meus ouvidos,
como uma peça de seda
rasgada por dez punhais.
Sem luz de prata nas copas
as árvores mais cresceram,
e um horizonte de cães
ladra bem longe do rio.

Passadas as amoreiras,
os juncos e os espinheiros,
sob seus longos cabelos
fiz sobre a terra uma cova.
Retirei minha gravata.
Ela tirou seu vestido.
Eu, o cinturão com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem nardo nem caracol
tem a cútis tão suave,
nem os cristais sob a lua
reluzem com esse brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes surpreendidos,
metade plenas de lume,
metade plenas de frio.
Naquela noite corri
o melhor de meus caminhos,
montado em potra de nácar
sem bridões e sem estribos.
Não posso dizer, sendo homem,
das coisas que ela me disse.
A luz da compreensão
faz-me ser bem comedido.
Suja de beijos e areia
distanciei-a do rio.
De encontro ao vento as espadas
dos lírios se debatiam.

Portei-me como quem sou.
Como um cigano legítimo.
Dei-lhe estojo de costura
grande, liso e cor de palha,
e não quis enamorar-me
pois mesmo tendo um marido
ela disse ser donzela
quando a levava até o rio.


La Casada Infiel


Y que yo me la llevé al río
creyendo que era mozuela,
pero tenía marido.

Fue la noche de Santiago
y casi por compromiso.
Se apagaron los faroles
y se encendieron los grillos.
En las últimas esquinas
toqué sus pechos dormidos,
y se me abrieron de pronto
como ramos de jacintos.
El almidón de su enagua
me sonaba en el oído,
como una pieza de seda
rasgada por diez cuchillos.
Sin luz de plata en sus copas
los árboles han crecido,
y un horizonte de perros
ladra muy lejos del río.

Pasadas las zarzamoras,
los juncos y los espinos,
bajo su mata de pelo
hice un hoyo sobre el limo.
Yo me quité la corbata.
Ella se quitó el vestido.
Yo el cinturón con revólver.
Ella sus cuatro corpiños.
Ni nardos ni caracolas
tienen el cutis tan fino,
ni los cristales con luna
relumbran con ese brillo.
Sus muslos se me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad llenos de lumbre,
la mitad llenos de frío.
Aquella noche corrí
el mejor de los caminos,
montado en potra de nácar
sin bridas y sin estribos.
No quiero decir, por hombre,
las cosas que ella me dijo.
La luz del entendimiento
me hace ser muy comedido.
Sucia de besos y arena
yo me la llevé del río.
Con el aire se batían
las espadas de los lirios.

Me porté como quien soy.
Como un gitano legítimo.
Le regalé un costurero
grande de raso pajizo,
y no quise enamorarme
porque teniendo marido
me dijo que era mozuela
cuando la llevaba al río.




Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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