quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Derek Walcott (Santa Lúcia: 1930 – 2017)

 O amor após o amor

 

Chegará o tempo

em que, jubiloso,

você saudará a chegada de si mesmo

à sua própria porta, em seu próprio espelho,

e cada um sorrirá ao dar boas-vindas ao outro,

e dirá, sente aqui. Coma.

Você amará de novo o estranho que foi você mesmo.

Dê vinho, dê pão. Dê de volta o coração

a si mesmo, ao estranho que o amou

por toda a vida, que o conhece de cor.

Retire as cartas de amor da estante,

 

As fotografias, as notas desesperadas,

descole sua própria imagem do espelho.

Sente. Festeje sua vida.

 

Love After Love

 

The time will come

when, with elation,

you will greet yourself arriving

at your own door, in your own mirror,

and each will smile at the other’s welcome,

and say, sit here. Eat.

You will love again the stranger who was your self.

Give wine. Give bread. Give back your heart

to itself, to the stranger who has loved you

all your life, whom you ignored

for another, who knows you by heart.

Take down the love letters from the bookshelf,

the photographs, the desperate notes,

peel your own image from the mirror.

Sit. Feast on your life.

 

 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Pablo Neruda (Chile: 1904 – 1973)

Explico algumas coisas

  

Perguntarão: e onde estão os lilases?

E a metafísica coberta de amapolas?

E a chuva que amiúde batia

em suas palavras cobrindo-as

de buracos e pássaros?

Vou lhes contar tudo o que se passa.

 

Eu vivia num bairro

de Madri, com sinos,

com relógios, com árvores.

 

Dali se divisava

o rosto seco de Castilha

como um oceano de couro.

                                  Minha casa era chamada

a casa das flores, porque por toda parte

estalavam gerânios: era

uma bela casa

com cachorros e meninos.

                                  Raul, tu lembras?

Tu lembras, Rafael?

                                  Federico, tu lembras?

sob a terra,

tu lembras de minha casa com varandas onde

a luz de junho afogava flores em tua boca?

                                  Irmão, irmão!

 

Tudo

eram grandes vozes, sal de mercadorias,

aglomerações de pão palpitante,

mercados de meu bairro de Arquelles com sua estátua

como um tinteiro pálido entre as merluzas:

o azeite chegava às colheres,

um profundo soar

de pés e mãos tomava as ruas,

metros, litros, essência

aguda da vida,

                                  peixes amontoados,

contextura de telhados com sol frio no qual

a flecha se fatiga,

delirante marfim fino das batatas,

tomates se alastrando até o mar.

 

E numa manhã tudo estava em chamas

e numa manhã as fogueiras

brotavam da terra

devorando seres,

e desde então fogo,

pólvora desde então,

e desde então sangue.

Bandidos com aviões e com mouros,

bandidos com anéis e duquesas,

bandidos com frades negros abençoando

vinham pelo céu matando crianças

e pelas ruas o sangue de crianças

corria simplesmente como sangue de crianças.

Chacais que o chacal repudia,

pedras que o cardo seco morderia cuspindo,

víboras que as víboras odiariam!

 

Diante de vocês vi o sangue

da Espanha levantar-se

para afogá-los numa só onda

de orgulho e de punhais!

 

Generais

traidores:

vejam minha casa morta,

vejam a Espanha fraturada:

mas de cada casa morta sai metal candente

em vez de flores,

mas de cada vão da Espanha

sai Espanha,

mas de cada criança morta sai um fuzil com olhos,

mas de cada crime nascem balas

que em vocês encontrarão um dia o lugar

do coração.

 

Perguntarão: por que sua poesia

não fala do sonho, das folhas

dos grandes vulcões de seu país natal?

 

Venham ver o sangue pelas ruas,

venham ver

o sangue pelas ruas

venham ver o sangue

pelas ruas!

 

Explico Algunas Cosas

 

PREGUNTARÉIS: Y dónde están las lilas?

Y la metafísica cubierta de amapolas?

Y la lluvia que a menudo golpeaba

sus palabras llenándolas

de agujeros y pájaros?

Os voy a contar todo lo que me pasa.

 

Yo vivía en un barrio

de Madrid, con campanas,

con relojes, con árboles.

 

Desde allí se veía

el rostro seco de Castilla

como un océano de cuero.

                                      Mi casa era llamada

la casa de las flores, porque por todas partes

estallaban geranios: era

una bella casa

con perros y chiquillos.

Raúl, te acuerdas?

Te acuerdas, Rafael?

                               Federico, te acuerdas

debajo de la tierra,

te acuerdas de mi casa con balcones en donde

la luz de junio ahogaba flores en tu boca?

                                                   Hermano, hermano!

 

Todo

eran grandes voces, sal de mercaderías,

aglomeraciones de pan palpitante,

mercados de mi barrio de Argüelles con su estatua

como un tintero pálido entre las merluzas:

el aceite llegaba a las cucharas,

un profundo latido

de pies y manos llenaba las calles,

metros, litros, esencia

aguda de la vida,

                        pescados hacinados,

contextura de techos con sol frío en el cual

la flecha se fatiga,

delirante marfil fino de las patatas,

tomates repetidos hasta el mar.

 

Y una mañana todo estaba ardiendo

y una mañana las hogueras

salían de la tierra

devorando seres,

y desde entonces fuego,

pólvora desde entonces,

y desde entonces sangre.

Bandidos con aviones y con moros,

bandidos con sortijas y duquesas,

bandidos con frailes negros bendiciendo

venían por el cielo a matar niños,

y por las calles la sangre de los niños

corría simplemente, como sangre de niños.

Chacales que el chacal rechazaría,

piedras que el cardo seco mordería escupiendo,

víboras que las víboras odiaran!

 

Frente a vosotros he visto la sangre

de España levantarse

para ahogaros en una sola ola

de orgullo y de cuchillos!

 

Generales

traidores:

mirad mi casa muerta,

mirad España rota:

pero de cada casa muerta sale metal ardiendo

en vez de flores,

pero de cada hueco de España

sale España,

pero de cada niño muerto sale un fusil con ojos,

pero de cada crimen nacen balas

que os hallarán un día el sitio

del corazón.

 

Preguntaréis por qué su poesía

no nos habla del sueño, de las hojas,

de los grandes volcanes de su país natal?

 

Venid a ver la sangre por las calles,

venid a ver

la sangre por las calles,

venid a ver la sangre

por las calles!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Adela Zamudio (Bolívia: 1854 – 1928)

 

No campo

 

Que noite! O teto que ampara

meu solitário aposento

estala ao sopro que o abate;

de onde me assento, sem fala,

ouço da água e do vento

o prolongado combate.

 

Mas, já cessa; lentamente

calam os lúgubres ecos

de uma distante procela.

Apenas se ouve a torrente

que em pedrosos buracos

queixa-se ao pé da janela.

 

Diante dos vidros, lá fora,

presa na rocha musgosa

que forma rústico banco,

uma débil trepadeira

treme encharcada e chorosa

sobre o sombrio barranco.

 

Na fragorosa quebrada

murmúrios fundos, sombrios,

à opressão vão cedendo,

e a chuva já sossegada

escorre pelos baixios

com monótona cadência.

 

Só, em pé eu permaneço;

eu somente em toda a casa,

que a obscuridade bordeja;

a intervalos estremeço

ao ver vacilar a escassa

luz que junto a mim flameja.

 

Nervoso desassossego

turba com terrores múltiplos,

vagamente meus sentidos,

e em um lúgubre sossego

penso que escuto, longínquos,

pavorosos alaridos.

 

Que diz o vento em seu voo

trazendo-me do passado

este eco desvanecido?...

– Morrer! oh, acre lenitivo!

morrer sem haver amado,

morrer sem haver vivido!

 

Sombrio espectro do nada

que te elevas nos rincões

e chegas moroso e ledo,

sombra dolente e calada

destas murchas ilusões

não venhas, que tenho medo...

 

Amanhã, assim que a aurora

com luz reluzente e pura

banhar a várzea louçã,

prenhe de horror, como agora

me oprimirá a amargura

desta noite sem manhã.

 

En el Campo

 

¡Qué noche! El techo que escuda

mi solitario aposento

cruje al soplo que lo abate;

y desde mi asiento, muda,

oigo del agua y el viento

el prolongado combate.

 

Mas, ya cesa ; lentamente

callan los lúgubres ecos

de la tempestad lejana.

Ya sólo se oye el torrente

que entre los pedrosos huecos

gime al pié de mi ventana.

 

Contra los vidrios, afuera,

presa en la peña musgosa

que forma rústico banco,

la débil enredadera

tiembla empapada y llorosa

sobre el oscuro barranco.

 

En la fragosa quebrada

murmullos hondos, sombríos,

van ya cediendo en violencia,

y la lluvia sosegada

se escurre por los bajíos

con monótona cadencia.

 

Yo sola en pie permanezco;

yo sola en toda la casa,

que la oscuridad rodea;

a intervalos me estremezco

al ver vacilar la escasa

luz que junto a mí flamea.

 

Nervioso desasosiego

turba con terrores varios,

vagamente mis sentidos,

y en el lúgubre sosiego

pienso que escucho lejanos

pavorosos alaridos.

 

¿Qué dice el viento en su vuelo

trayéndome del pasado

el eco desvanecido?...

– ¡Morir ! ¡oh, triste consuelo!

¡morir sin haber amado,

morir sin haber vivido!

 

Negro espectro de la nada

que te alzas en los rincones

y llegas pausado y ledo,

sombra doliente y callada

de mis mustias ilusiones

no vengas, que tengo miedo...

 

Mañana, cuando la aurora

con su luz brillante y pura

bañe la vega lozana,

llena de horror, como ahora

me oprimirá la negrura

de mi noche sin mañana.



 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...