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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Leonel Alvarado (Honduras 1967 – )

 


 

Falando de Rembrandt à minha mãe

 

Minha mãe e Rembrandt têm algo em comum:

a dignidade da pobreza. Bruxa de seus pães

alimentava aos filhos com moedas de mentira

e ainda lhe sobrava para o unguento do ferido.

 

Rembrandt regurgitava suas Aves do Paraíso

na boca de seus credores, enfiava moedas de luz

em seus bolsos para pagar aluguel, mesa, amores.

Desesperada, colérica a mão iluminava

com dignidade outras misérias.

 

Minha mãe tinha doze anos quando um autorretrato

de Rembrandt foi destinado à coleção que Hitler

mantinha em Linz. A família Raman o vendeu

a Goering por vinte e cinco vistos para salvar

vinte e cinco vidas dos fornos.

 

Como iria saber Rembrandt que esse retrato,

que talvez o tenha salvado de seus credores,

seria trocado por vidas?

 

Em algum museu esse retrato está e no retrato

a luz que quando menino via no rosto de minha mãe

quando entrava no quarto, pesada de dores mas digna.

No escuro, que torna mais frágeis as coisas,

minha mãe estava em seu melhor Rembrandt,

iluminando o filho com ternura que brotava dos olhos.

 

Agora em seus oitenta, digo-lhe que essa luz

que me acompanhou por todas as noites está

em luxuosas salas de museus que nada têm

a ver com o quarto onde ela e Rembrandt

distraíam-se com seus contos de miséria.

 

Hablándole de Rembrandt a mi madre

 

Mi madre y Rembrandt tienen algo en común:

la dignidad de la pobreza. Bruja de sus panes

alimentaba a los hijos con monedas de mentiras

y todavía le sobraba para el ungüento del herido.

 

Rembrandt regurgitaba sus Aves del Paraíso

en boca de sus acreedores, metía monedas de luz

en sus bolsillos para pagar alquiler, mesa, amores.

Desesperada, rabiosa la mano iluminaba

con dignidad otras miserias.

 

Mi madre tenía doce años cuando un autorretrato

de Rembrandt fue a dar a la colección que Hitler

mantenía en Linz. La familia Raman se lo canjeó

a Goering por veinticinco visas para salvar

veinticinco vidas de los hornos.

 

¿Cómo iba a saber Rembrandt que ese retrato,

que quizá lo salvó de sus acreedores,

se cotizaría en vidas?

 

En algún museo está ese retrato y en el retrato

la luz que de niño veía en la cara de mi madre

cuando entraba al cuarto, pesada de dolores pero digna.

En la oscuridad, que vuelve más frágiles las cosas,

mi madre estaba en su mejor Rembrandt,

iluminando al hijo con la ternura que le brotaba de los ojos.

 

Ahora, en sus ochenta, le digo que esa luz

que me acompañó todas las noches está

en suntuosas salas de museos que nada tienen

que ver con el cuarto donde ella y Rembrandt

distraían con sus cuentos a la miseria.



 

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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