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sábado, 6 de junho de 2020

Auguste Barbier (França: 1805 –1888)




A Cura (excerto) *


É a virgem fogosa, da Bastilha filha,
Que outrora, quando chegou
Com seu ar atrevido, seus atributos de menina,
Por cinco anos ao povo excitou;
Que, mais tarde, entoando marcha guerreira,
Entendiada com seus primeiros amantes,
Deitou fora seu barrete, e fez-se vivandeira
De um capitão recém entrado nos vinte.
É essa mulher, enfim, que, sempre nua e linda,
Com sua echarpe tricolor,
Dentro de nossos muros metralhados súbito ressurgida,
Vem a secar de nossos olhos lágrimas de dor,
Devolver em três dias a alta coroa do reino
Às mãos dos franceses sublevados,
Esmagar um exército e triturar um trono
Com alguns pedregulhos amontoados.

Acontece que a Liberdade não é uma condessa 
Do bairro de Saint-Germain, nobre subúrbio, 
Uma mulher que a um grito desfaleça,
Que se veste de branco e vermelho.
Ela é uma mulher forte de poderosas mamas,
De voz rouca, de encantos brutos,
Que, do moreno da pele, do fogo nas pupilas,
Ágil e marchando a passos largos,
Compraz-se com o clamor do povo, com os cruentos embates, 
Com o rufar longínquo dos tambores, 
Com o cheiro da pólvora, com os sons distantes 
Dos sinos e surdos canhões;
Que não escolhe seus amantes senão entre a plebe, 
Que não entrega seus largos flancos 
Senão a gente forte como ela, a quem a abrace
Com o vermelho do sangue nos braços.


La Curée


C'est la vierge fougueuse, enfant de la Bastille, 
Qui jadis, lorsqu'elle apparut
Avec son air hardi, ses allures de fille,
Cinq ans mit tout le peuple en rut ;
Qui, plus tard, entonnant une marche guerrière,
Lasse de ses premiers amants,
Jeta là son bonnet, et devint vivandière
D'un capitaine de vingt ans
C'est cette femme, enfin, qui, toujours belle et nue,
Avec l'écharpe aux trois couleurs,
Dans nos murs mitraillés tout à coup reparue,
Vient de sécher nos yeux en pleurs,
De remettre en trois jours une haute couronne
Aux mains des Français soulevés,
D'écraser une armée et de broyer un trône
Avec quelques tas de pavés.

C'est que la Liberté n'est pas une comtesse 
Du noble faubourg Saint-Germain,
Une femme qu'un cri fait tomber en faiblesse,
Qui met du blanc et du carmine
C'est une forte femme aux puissantes mamelles,
À la voix rauque, aux durs appas,
Qui, du brun sur la peau, du feu dans les prunelles,
Agile et marchant à grands pas,
Se plaît aux cris du peuple, aux sanglantes mêlées,
Aux longs roulements des tambours,
À l'odeur de la poudre, aux lointaines volées
Des cloches et des canons sourds ;
Qui ne prend ses amours que dans la populace,
Qui ne prête son large flanc
Qu'à des gens forts comme elle, et qui veut qu'on l'embrasse
Avec des bras rouges de sang.


Nota:
(*) A mulher que inspirou este trecho do longo poema de Barbier e o quadro de Delacroix - Liberté guidant le peuple - chamava-se Marie Dechamps. Ela é citada no livro Pessoas Extraordinárias (Paz e Terra, 1999, pp. 145-147, de Eric Hobsbawn. Também é a efígie impressa em notas de real.

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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