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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


 

Os Amantes


Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam pelas mãos, algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e no alto está a noite plena de olhos. 

São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo às mortes da relva, rumo aos portos
que se abrem entre lençóis.
Tudo se desordena por seu intermédio,
tudo encontra seu código escamoteado;
no entanto eles sequer cogitam
que enquanto circulam em sua amarga arena
há uma pausa na construção do nada,
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes lassos se olham e se tocam
por uma vez mais antes de cheirar o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E é só então
quando estão mortos, quando estão vestidos,
que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os deveres cotidianos.


Los Amantes


¿Quién los ve andar por la ciudad
si todos están ciegos?
Ellos se toman de la mano: algo habla
entre sus dedos, lenguas dulces
lamen la húmeda palma, corren por las falanges,
y arriba está la noche llena de ojos.

Son los amantes, su isla flota a la deriva
hacia muertes de césped, hacia puertos
que se abren entre sábanas.
Todo se desordena a través de ellos,
todo encuentra su cifra escamoteada;
pero ellos ni siquiera saben
que mientras ruedan en su amarga arena
hay una pausa en la obra de la nada,
el tigre es un jardín que juega.

Amanece en los carros de basura,
empiezan a salir los ciegos,
el ministerio abre sus puertas.
Los amantes rendidos se miran y se tocan
una vez más antes de oler el día.

Ya están vestidos, ya se van por la calle.
Y es sólo entonces
cuando están muertos, cuando están vestidos,
que la ciudad los recupera hipócrita
y les impone los deberes cotidianos.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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