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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


O Acobertador


Esse que sai de seu país porque tem medo,
não sabe do quê,
medo do queijo com rato,
da corda entre os loucos
da espuma na sopa.
Então quer trocar-se como uma figurinha,
o cabelo que antes domava
com gel e espelho solta-o em topete,
abre a camisa, muda de costumes,
de vinho, de idioma,
Percebe – infeliz – que vai se dando bem,
e dorme a sono solto.
Até de estilo muda,
e tem amigos que não sabem de sua história provinciana,
ridícula e caseira.
Aos poucos pergunta-se como pode esperar
todo esse tempo para sair do rio sem margens,
das golas rolê [1]
dos domingos, segundas, terças, quartas e quintas-feiras.
Na primeira página, sim, mas cuidado:
um mesmo espelho é todos os espelhos,
e o passaporte diz que nasceste e que existes
e a cútis de cor branca, o nariz de perfil reto,
Buenos Aires, setembro.
Antes de tudo que não se esqueça,
pois é arte de poucos,
do que quis,
essa sopa de letrinhas que infatigavelmente comerá
em numerosas mesas de variados hotéis,
a mesma sopa, pobre sujeito,
até que o peixinho entre as costelas
se anuncie e diga basta.
Antes, depois,
como os gracejos ao pranto
como a sombra à coluna
o perfume afigura o jasmim
o amante precede ao amor
como a carícia à mão
o amor sobrevive ao amante
mas inevitavelmente
ainda que não haja rastro nem presságio.

ainda que não haja rastro nem presságio
como a carícia à mão
o perfume afigura o jasmim
o amante precede ao amor
mas inevitavelmente
o amor sobrevive ao amante
como os gracejos ao pranto
como a sombra à coluna

como a carícia à mão
ainda que não haja rastro nem presságio
o amante precede ao amor
o perfume afigura o jasmim
como os gracejos ao pranto
como a sombra à coluna
o amor sobrevive ao amante
porém inevitavelmente


El Encubridor


Ese que sale de su país porque tiene miedo,
no sabe de que,
miedo del queso con ratón,
de la cuerda entre los locos,
de la espuma en la sopa.
Entonces quiere cambiarse como una figurita,
el pelo que antes se alambraba
con gomina y espejo lo suelta en jopo,
se abre la camisa, muda de costumbres,
de vino, de idioma.
Se da cuenta, infeliz, que va tirando mejor,
y duerme a pata ancha.
Hasta de estilo cambia,
y tiene amigos que no saben su historia provinciana,
ridícula y casera.
A ratos se pregunta como pudo esperar
todo ese tiempo
para salirse del río sin orillas,
de los cuellos garrote,
de los domingos, lunes, martes, miércoles y jueves.
A fojas uno, si, pero cuidado:
un mismo espejo es todos los espejos,
y el pasaporte dice que naciste y que eres
y cutis color blanco, nariz de dorso recto,
Buenos Aires, septiembre.
Aparte que no olvida,
porque es arte de pocos,
lo que quiso,
esa sopa de estrellas y letras que infatigable comerá
en numerosas mesas de variados hoteles,
la misma sopa, pobre tipo,
hasta que el pescadito intercostal
se plante y diga basta.
Antes, después
como los juegos al llanto
como la sombra a la columna
el perfume dibuja el jazmín
el amante precede al amor
como la caricia a la mano
el amor sobrevive al amante
pero inevitablemente
aunque no haya huella ni presagio

aunque no haya huella ni presagio
como la caricia a la mano
el perfume dibuja el jazmín
el amante precede el amor
pero inevitablemente
el amor sobrevive al amante
como los juegos al llanto
como la sombra a la columna

como la caricia a la mano
aunque no haya huella ni presagio
el amante precede al amor
el perfume dibuja el jazmín
como los juegos al llanto
como la sombra a la columna
el amor sobrevive al amante
pero inevitablemente



[1] Em 'cuellos garrote', a junção dos dois substantivos (o último, adjetivado) pressupõe 'pescoços tipo garrote', que optei por traduzir por 'golas rolê'. 


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

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