sábado, 18 de julho de 2020

Alfonsina Storni (Argentina: 1892 – 1938)



Tu, que nunca serás


Sábado era, e capricho o beijo dado,
capricho de varão, audaz e fino,
mas foi doce o capricho masculino
a este meu coração, lobinho alado.
Não que creia, não creio, se inclinado
sobre minhas mãos te senti divino,
e embriaguei. Sei que este vinho fino
não é para mim, mas joga e roda o dado.
eu sou essa mulher que vive alerta,
tu o formidável varão que desperta
em uma torrente que se alarga em rio,
e mais se encrespa enquanto corre e poda.
Ah, bem resisto, mas tu me tens toda,
tu, a quem ter por inteiro eu não confio.


Tú, que nunca serás.


Sábado fue, y capricho el beso dado,
capricho de varón, audaz y fino,
mas fue dulce el capricho masculino
a este mi corazón, lobezno alado.
No es que crea, no creo, si inclinado
sobre mis manos te sentí divino,
y me embriagué. Comprendo que este vino
no es para mí, mas juega y rueda el dado.
Yo soy esa mujer que vive alerta,
tú el tremendo varón que se despierta
en un torrente que se ensancha en río,
y más se encrespa mientras corre y poda.
Ah, me resisto, más me tiene toda,
tú, que nunca serás del todo mío.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Juan Gelman (Argentina: 1930 – 2014)




Fábricas do amor


E construí teu rosto.
Com adivinhações do amor, construía teu rosto
nos longínquos pátios da infância.
Pedreiro envergonhado,
ocultei-me do mundo para entalhar tua imagem,
para dar-lhe a voz,
para colocar doçura em tua saliva.

Por quantas vezes tremi
apenas coberto pela luz do verão
enquanto te descrevia por meu sangue.
Pura minha,
és feita de todas as estações
e tua graça declina como todos os crepúsculos.
Quantas de minhas jornadas inventaram tuas mãos.
Que infinitude de beijos contra a solidão
afunda teus passos no pó.

Celebrei-te, declamei-te pelos caminhos,
escrevi todos os teus nomes no fundo de minha sombra,
fiz para ti um lugar em meu leito,
amei-te, estrela indivisível, noite após noite.
Assim foi que cantaram os silêncios.
Anos e anos trabalhei para criar-te
antes de ouvir um só soar de tua alma.


Fábricas del amor


Y construí tu rostro.
Con adivinaciones del amor, construía tu rostro
en los lejanos patios de la infancia.
Albañil con vergüenza,
yo me oculté del mundo para tallar tu imagen,
para darte la voz,
para poner dulzura en tu saliva.

Cuántas veces temblé
apenas si cubierto por la luz del verano
mientras te describía por mi sangre.
Pura mía,
estás hecha de cuántas estaciones
y tu gracia desciende como cuántos crepúsculos.
Cuántas de mis jornadas inventaron tus manos.
Qué infinito de besos contra la soledad
hunde tus pasos en el polvo.

Yo te oficié, te recité por los caminos,
escribí todos tus nombres al fondo de mi sombra,
te hice un sitio en mi lecho,
te amé, estela invisible, noche a noche.
Así fue que cantaron los silencios.
Años y años trabajé para hacerte
antes de oír un solo sonido de tu alma.



quinta-feira, 16 de julho de 2020

Chinua Achebe (Nigéria: 1930 – 2013)




 Incursão Aérea


Veio tão rapidamente
 o pássaro da morte
 surgido de florestas do mal de tecnologia soviética
 Um homem atravessando a estrada
 para saudar um amigo
 é demasiadamente lento.
 Seu amigo cortado em metades
 tem agora outras preocupações
 que um amável aperto de mãos
 ao meio-dia.

   
 Air Raid


 It comes so quickly
 the bird of death
 from evil forests of Soviet technology
 A man crossing the road
 to greet a friend
 is much too slow.
 His friend cut in halves
 has other worries now
 than a friendly handshake
 at noon.


terça-feira, 14 de julho de 2020

Chinua Achebe (Nigéria: 1930 – 2013)




 1966


 distraídos
 nossos dias descuidados
 puseram-se à frente de calamitosos controles
 e brincaram indolentemente
 devagar para baixo em remoto
 poço subterrâneo
 uma broca com ponta de diamante
 perfurou mais próximo
 ao caos residual
 ao ódio raro e artesiano
 que por uma vez esguichou sangue
 quente na face de Deus
 confirmando Seu primeiro
 desapontamento no Éden


1966


 absentminded
 our thoughtless days
 sat at dire controls
 and played indolently
 slowly downward in remote
 subterranean shaft
 a diamond-tipped
 drill point crept closer
 to residual chaos to
 rare artesian hatred
 that once squirted warm
 blood in God's face
 confirming His first
 disappointment in Eden

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Mario Benedetti (Uruguai: 1920 – 2009)




Windows 98

Antes do fax do modem e do e-mail
a vergonha era apenas artesanal
ao pavio se acendia com um fósforo
e se escreviam cartas como bulas

antes os beijos iam à tua boca
hoje obedecem a um clique no send
meu coração se aninha em seu software
e o mouse sai em busca do disparate

quando me enamorava de uma vênus
meus sentimentos não eram informáticos
mas agora devo pedir licença
até para escrever com o news gothic

insisto amor que troques a fonte
prefiro receber-te em times new roman
mas nada é comparável àquela nudez
que era teu signo nos tempos da remington [1] 


Windows 98


Antes del fax del model y el e-mail
la vergüenza era sólo artesanal
la mecha se encendía con un fósforo
y uno escribía cartas como bulas

antes los besos iban a tu boca
hoy obedecen a una tecla send
mi corazón se acurruca en su software
y el mouse sale a buscar el disparate

cuando me enamoraba de una venus
mis sentimientos no eran informáticos
pero ahora debo pedir permiso
hasta para escribir con el news gothic

te urjo amor que cambies de formato
prefiero recibirte en times new roman
mas nada es comparable a aquel desnudo
que era tu signo en tiempos de la remington


Nota:

[1] Aos mais jovens: Remington era marca de máquina de escrever.



domingo, 12 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Esquecimento


Cerra os olhos e às escuras perde-te
sob a folhagem rubra de tuas pálpebras.

Afunda-te nessas espirais
da sonoridade que zumbe e cai
e soa ali, remota,
rumo ao nicho do tímpano,
como uma catarata ensurdecida.

Afunda teu ser às escuras,
encharca tua pele,
e mais, em tuas entranhas;
que te deslumbre e cegue
o osso, lívida centelha,
e entre simas e golfos de treva
abra seu azul penacho o fogo fátuo.

Nessa sombra líquida do sonho
molha tua nudez;
abandona tua forma, espuma
que não sabe a quem deixou na margem;
perde-te em ti, infinita,
em teu infinito ser,
ser que se perde em outro mar;
esquece a ti e esquece-me.

Nesse esquecimento sem idade nem fundo,
lábios, beijos, amor, tudo renasce:
as estrelas são filhas da noite.


Olvido


Cierra los ojos y a oscuras piérdete
bajo el follaje rojo de tus párpados.

Húndete en esas espirales
del sonido que zumba y cae
y suena allí, remoto,
hacia el sitio del tímpano,
como una catarata ensordecida.

Hunde tu ser a oscuras,
anégate la piel,
y más, en tus entrañas;
que te deslumbre y ciegue
el hueso, lívida centella,
y entre simas y golfos de tiniebla
abra su azul penacho al fuego fatuo.

En esa sombra líquida del sueño
moja tu desnudez;
abandona tu forma, espuma
que no sabe quien dejó en la orilla;
piérdete en ti, infinita,
en tu infinito ser,
ser que se pierde en otro mar:
olvídate y olvídame.

En ese olvido sin edad ni fondo,
labios, besos, amor, todo renace:
las estrellas son hijas de la noche.





sábado, 11 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)



Estirada e destroçada



Estirada e destroçada,
à direita de minhas veias, muda;
em mortais margens infinita,
imóvel e serpente.

Toco tua delirante superfície,
os poros silenciosos, ofegantes,
a circular corrida de teu sangue,
seu reiterado golpe, verde e tíbio.

Primeiro és um hálito tresnoitado,
uma escura presença de batimentos
que percorrem tua pele, toda de lábios,
resplandecente tato de carícias.

O arco das sobrancelhas faz-se orelha.
Ah, sede, lancinante,
horror de feridos olhos
onde minha origem e minha morte vejo,
graves olhos de náufraga
mencionando-me à espuma,
à branca região dos desmaios
num voraz vazio
que nos imerge em nós mesmos.

Arrojados a brancas espirais
roçamos nossa origem,
o vegetal nos chama,
a pedra nos recorda
e a raiz sedenta
da árvore que cresceu de nosso pó.

Adivinho teu rosto entre estas sombras,
o terrível soluço de teu sexo,
todos os teus nascimentos
e a morte que levas escondida.
Em teus olhos navegam crianças, sombras,
relâmpagos, meus olhos, o vazio.


Tendida y desgarrada...


Tendida y desgarrada,
a la derecha de mis venas, muda;
en mortales orillas infinita,
inmóvil y serpiente.

Toco tu delirante superficie,
los poros silenciosos, jadeantes,
la circular carrera de tu sangre,
su reiterado golpe, verde y tibio.

Primero es un aliento amanecido,
una oscura presencia de latidos
que recorren tu piel, toda de labios,
resplandeciente tacto de caricias.

El arco de las cejas se hace ojera.
Ay, sed, desgarradora,
horror de heridos ojos
donde mi origen y mi muerte veo,
graves ojos de náufraga
citándome a la espuma,
a la blanca región de los desmayos
en un voraz vacío
que nos hunde en nosotros.

Arrojados a blancas espirales
rozamos nuestro origen,
el vegetal nos llama,
la piedra nos recuerda
y la raíz sedienta
del árbol que creció de nuestro polvo.

Adivino tu rostro entre estas sombras,
el terrible sollozo de tu sexo,
todos tus nacimientos
y la muerte que llevas escondida.
En tus ojos navegan niños, sombras,
relámpagos, mis ojos, el vacío.


sexta-feira, 10 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Teus olhos

Teus olhos são a pátria
do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento,
mar sem ondas, pássaros presos,
douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira do bosque
onde a luz canta no ombro
de uma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã
encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo,
portas do mais além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
absoluto que pestaneja, páramo.


Tus ojos


Tus ojos son la patria
del relámpago y de la lágrima,
silencio que habla,
tempestades sin viento,
mar sin olas, pájaros presos,
doradas fieras adormecidas,
topacios impíos como la verdad,
otoño en un claro del bosque
en donde la luz canta en el hombro
de un árbol y son pájaros todas las hojas,
playa que la mañana
encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego,
mentira que alimenta,
espejos de este mundo,
puertas del más allá,
pulsación tranquila del mar a mediodía,
absoluto que parpadea, páramo.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Sylvia Plath (Estados Unidos: 1932 – 1963)




Palavras



Machados
Após cujos golpes a madeira ressoa,
E os ecos!
Ecos propagando-se
a partir do cerne como cavalos.


A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água se esforçando
para recompor o seu espelho
Sobre a rocha


Que cai e gira,
Um crânio branco,
Corroído por herbosos verdes.
Anos depois
Encontro-as pelo caminho –


Palavras secas e indomáveis,
Os infatigáveis tropéis de cascos.
Enquanto
Do fundo do poço, estrelas fixas
Governam uma vida.


Words


Axes
After whose stroke the wood rings,
And the echos!
Echos traveling
Off from the center like horses.


The sap
Wells like tears, like the
Water striving
To re-establish its mirror
Over the rock


That drops and turns,
A white skull,
Eaten by weedy greens.
Years later I
Encounter them on the road —


Words dry and riderless,
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.






quarta-feira, 8 de julho de 2020

William Carlos Williams (Estados Unidos: 1833 – 1963)





Uma espécie de canção


Que a cobra espere sob
o ervaçal
e a escrita
seja feita de palavras, lenta e célere, cortante
no ataque, quieta na espera,
insone.
– por intermédio da metáfora reconciliar
as pessoas e as pedras.
Componha. (Não com ideias
mas nas coisas) Invente!
Saxifraga é a flor com que desintegro
as rochas.


A Sort Of A Song


Let the snake wait under
his weed
and the writing
be of words, slow and quick, sharp
to strike, quiet to wait,
sleepless.
— through metaphor to reconcile
the people and the stones.
Compose. (No ideas
but in things) Invent!
Saxifrage is my flower that splits
the rocks.

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...