terça-feira, 21 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)



  
Rima XVII


Hoje a terra e o céu me sorriem,
hoje chega ao fundo de minh'alma o sol,
hoje a avistei... Avistei-a e olhou-me...
Hoje creio em Deus!


Rima XVII


Hoy la tierra y los cielos me sonríen,
hoy llega al fondo de mi alma el sol,
hoy la he visto... La he visto y me ha mirado...
¡Hoy creo en Dios!


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)





Rima XXI


Que é a poesia?, dizes, enquanto fixas
em minha pupila tua pupila azul.
Que é a poesia! E és tu quem mo pergunta?
A poesia... és tu.


Rima XXI


¿Qué es poesía?, dices, mientras clavas
en mi pupila tu pupila azul,
¡Qué es poesía! ¿Y tú me lo preguntas?
Poesía... eres tú.


domingo, 19 de julho de 2020

Juan Gelman (Argentina: 1930 – 2014)




A economia é uma ciência


No decênio que se seguiu à crise
notou-se o declínio do coeficiente de ternura
em todos os países considerados
ou seja
teu país
meu país
os países que cresciam entre tua alma e minha alma
de repente duravam um instante e antes de ir-se
ou desaparecer deixavam cair lenços
plenos de nossos sexos
que saíam voando ao redor como perdizes.
Quer dizer que toda vez que fazemos amor
deixamos nossos sexos ali,
e eles seguiam vivinhos e coleando como perdizes suavíssimas?
Que coisa, olha que lavávamos os lenços
com disciplina e valor
para que os jogos da noite passada
não inaugurassem o passado
e nenhum passado pusesse um escritório entre nós
para ordenar o hoje
porque a alma amorosa é desordenada e perfeita
possui muita limpeza e lindeza
necessita de todo um Deus para encarcerá-la
como aconteceu com Don Francisco
que assim pôde cruzar a água fria da morte.
É muito raro isso de nossos sexos voando
mas recordo-me agora de que a cada vez que eu entrava em teu sexo
e banhavam-me tuas espumas puríssimas com impaciência
e doçura e valor
parecia-me ouvir um passaredo em vosso bosque
como amor excitando outro amor,
ou mais, é certo que a cada vez nossos sexos ressuscitavam
e punham-se a dar voltas entre eles
como mariposinhas deslumbradas pelo fogo
e queriam morrer de novo
buscando incessantemente a liberdade
e havia um país entre a vida e a morte
onde tudo era consolo e formosura
e não possuíamos nosso coração
e nossos sexos se perdiam como almas na noite
e nunca mais tornávamos a vê-los para entender
estudo os índices da taxa de inversão bruta
os índices de crescimento do produto amoroso
outros índices dos quais é tedioso falar aqui
e não entendo nada.
A economia é bem curiosa
ao pequeno poupador da alma enganam em Wall Street
os salários da ternura são baixos
subsiste a injustiça no mercado mundial do amor,
o aprendiz está rodeado de nuvens que parecem elefantes,
isso não lhe traz felicidade nem infelicidade
em meio às razões
às redenções
às ressurreições.
Leva-se a alma ao nariz para sentir os perfumes teus
estou vendo voar os passarinhos que saem de teu sexo
melhor dizendo
de muito além ainda
de tudo que valias
ou irradiavas
ou eras
e davas como sucos da noite.


La economía es una ciencia


En el decenio que siguió a la crisis
se notó la declinación del coeficiente de ternura
en todos los países considerados
o sea
tu país
mí país
los países que crecían entre tu alma y mi alma
de repente duraban un instante y antes de irse
o desaparecer dejaban caer sábanas
llenas de nuestros sexos
que salían volando alrededor como perdices.
¿Quiere decir que cada vez que hicimos el amor
dejábamos nuestros sexos allí,
y ellos seguían vivitos y coleando como perdices suavísimas?
Qué raro, mira que lavábamos las sábanas
con subordinación y valor
para que los jugos de la noche pasada
no inauguraran el pasado
y ningún pasado pusiera una oficina entre nosotros
para ordenarnos el hoy
porque el alma amorosa es desordenada y perfecta
tiene mucha limpieza y lindura
se necesita todo un Dios para encerrarla
como le pasó a Don Francisco
que así pudo cruzar el agua fría de la muerte.
Es bien raro eso de nuestros sexos volando
pero recuerdo ahora que cada vez que yo entraba en tu sexo
y me bañaban tus espumas purísimas con impaciencia
y dulzura y valor
me parecía oír un pajarerío en el bosque de vos
como amor encendiendo otro amor,
o más, es cierto que cada vez nuestros sexos resucitaban
y se ponían a dar vueltas entre ellos
como maripositas encandiladas por el fuego
y se querían morir de nuevo
buscando incesantemente la libertad
y había un país entre la vida y la muerte
donde todo era consolación y hermosura
y no poseíamos nuestro corazón
y nuestros sexos se perdían como almas en la noche
y nunca más los volvíamos a ver para entender
estudio los índices de la tasa de inversión bruta
los índices de la productividad marginal de las inversiones
los índices de crecimiento del producto amoroso
otros índices que es aburrido hablar aquí
y no entiendo nada.
La economía es bien curiosa
al pequeño ahorrista del alma lo engañan en Wall Street
los sueldos de la ternura son bajos
subsiste la injusticia en el mercado mundial del amor,
el aprendiz está rodeado de nubes que parecen elefantes,
eso no le da dicha ni desdicha
en medio de las razones
las redenciones
las resurrecciones.
Se lleva el alma a la nariz para sentir tus perjúmenes
estoy viendo volar los pajaritos que te salían del sexo
mejor dicho
de más allá todavía
de todo lo que valías
o brillabas
o eras
y dabas como jugos de la noche.





sábado, 18 de julho de 2020

Alfonsina Storni (Argentina: 1892 – 1938)



Tu, que nunca serás


Sábado era, e capricho o beijo dado,
capricho de varão, audaz e fino,
mas foi doce o capricho masculino
a este meu coração, lobinho alado.
Não que creia, não creio, se inclinado
sobre minhas mãos te senti divino,
e embriaguei. Sei que este vinho fino
não é para mim, mas joga e roda o dado.
eu sou essa mulher que vive alerta,
tu o formidável varão que desperta
em uma torrente que se alarga em rio,
e mais se encrespa enquanto corre e poda.
Ah, bem resisto, mas tu me tens toda,
tu, a quem ter por inteiro eu não confio.


Tú, que nunca serás.


Sábado fue, y capricho el beso dado,
capricho de varón, audaz y fino,
mas fue dulce el capricho masculino
a este mi corazón, lobezno alado.
No es que crea, no creo, si inclinado
sobre mis manos te sentí divino,
y me embriagué. Comprendo que este vino
no es para mí, mas juega y rueda el dado.
Yo soy esa mujer que vive alerta,
tú el tremendo varón que se despierta
en un torrente que se ensancha en río,
y más se encrespa mientras corre y poda.
Ah, me resisto, más me tiene toda,
tú, que nunca serás del todo mío.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Juan Gelman (Argentina: 1930 – 2014)




Fábricas do amor


E construí teu rosto.
Com adivinhações do amor, construía teu rosto
nos longínquos pátios da infância.
Pedreiro envergonhado,
ocultei-me do mundo para entalhar tua imagem,
para dar-lhe a voz,
para colocar doçura em tua saliva.

Por quantas vezes tremi
apenas coberto pela luz do verão
enquanto te descrevia por meu sangue.
Pura minha,
és feita de todas as estações
e tua graça declina como todos os crepúsculos.
Quantas de minhas jornadas inventaram tuas mãos.
Que infinitude de beijos contra a solidão
afunda teus passos no pó.

Celebrei-te, declamei-te pelos caminhos,
escrevi todos os teus nomes no fundo de minha sombra,
fiz para ti um lugar em meu leito,
amei-te, estrela indivisível, noite após noite.
Assim foi que cantaram os silêncios.
Anos e anos trabalhei para criar-te
antes de ouvir um só soar de tua alma.


Fábricas del amor


Y construí tu rostro.
Con adivinaciones del amor, construía tu rostro
en los lejanos patios de la infancia.
Albañil con vergüenza,
yo me oculté del mundo para tallar tu imagen,
para darte la voz,
para poner dulzura en tu saliva.

Cuántas veces temblé
apenas si cubierto por la luz del verano
mientras te describía por mi sangre.
Pura mía,
estás hecha de cuántas estaciones
y tu gracia desciende como cuántos crepúsculos.
Cuántas de mis jornadas inventaron tus manos.
Qué infinito de besos contra la soledad
hunde tus pasos en el polvo.

Yo te oficié, te recité por los caminos,
escribí todos tus nombres al fondo de mi sombra,
te hice un sitio en mi lecho,
te amé, estela invisible, noche a noche.
Así fue que cantaron los silencios.
Años y años trabajé para hacerte
antes de oír un solo sonido de tu alma.



quinta-feira, 16 de julho de 2020

Chinua Achebe (Nigéria: 1930 – 2013)




 Incursão Aérea


Veio tão rapidamente
 o pássaro da morte
 surgido de florestas do mal de tecnologia soviética
 Um homem atravessando a estrada
 para saudar um amigo
 é demasiadamente lento.
 Seu amigo cortado em metades
 tem agora outras preocupações
 que um amável aperto de mãos
 ao meio-dia.

   
 Air Raid


 It comes so quickly
 the bird of death
 from evil forests of Soviet technology
 A man crossing the road
 to greet a friend
 is much too slow.
 His friend cut in halves
 has other worries now
 than a friendly handshake
 at noon.


terça-feira, 14 de julho de 2020

Chinua Achebe (Nigéria: 1930 – 2013)




 1966


 distraídos
 nossos dias descuidados
 puseram-se à frente de calamitosos controles
 e brincaram indolentemente
 devagar para baixo em remoto
 poço subterrâneo
 uma broca com ponta de diamante
 perfurou mais próximo
 ao caos residual
 ao ódio raro e artesiano
 que por uma vez esguichou sangue
 quente na face de Deus
 confirmando Seu primeiro
 desapontamento no Éden


1966


 absentminded
 our thoughtless days
 sat at dire controls
 and played indolently
 slowly downward in remote
 subterranean shaft
 a diamond-tipped
 drill point crept closer
 to residual chaos to
 rare artesian hatred
 that once squirted warm
 blood in God's face
 confirming His first
 disappointment in Eden

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Mario Benedetti (Uruguai: 1920 – 2009)




Windows 98

Antes do fax do modem e do e-mail
a vergonha era apenas artesanal
ao pavio se acendia com um fósforo
e se escreviam cartas como bulas

antes os beijos iam à tua boca
hoje obedecem a um clique no send
meu coração se aninha em seu software
e o mouse sai em busca do disparate

quando me enamorava de uma vênus
meus sentimentos não eram informáticos
mas agora devo pedir licença
até para escrever com o news gothic

insisto amor que troques a fonte
prefiro receber-te em times new roman
mas nada é comparável àquela nudez
que era teu signo nos tempos da remington [1] 


Windows 98


Antes del fax del model y el e-mail
la vergüenza era sólo artesanal
la mecha se encendía con un fósforo
y uno escribía cartas como bulas

antes los besos iban a tu boca
hoy obedecen a una tecla send
mi corazón se acurruca en su software
y el mouse sale a buscar el disparate

cuando me enamoraba de una venus
mis sentimientos no eran informáticos
pero ahora debo pedir permiso
hasta para escribir con el news gothic

te urjo amor que cambies de formato
prefiero recibirte en times new roman
mas nada es comparable a aquel desnudo
que era tu signo en tiempos de la remington


Nota:

[1] Aos mais jovens: Remington era marca de máquina de escrever.



domingo, 12 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Esquecimento


Cerra os olhos e às escuras perde-te
sob a folhagem rubra de tuas pálpebras.

Afunda-te nessas espirais
da sonoridade que zumbe e cai
e soa ali, remota,
rumo ao nicho do tímpano,
como uma catarata ensurdecida.

Afunda teu ser às escuras,
encharca tua pele,
e mais, em tuas entranhas;
que te deslumbre e cegue
o osso, lívida centelha,
e entre simas e golfos de treva
abra seu azul penacho o fogo fátuo.

Nessa sombra líquida do sonho
molha tua nudez;
abandona tua forma, espuma
que não sabe a quem deixou na margem;
perde-te em ti, infinita,
em teu infinito ser,
ser que se perde em outro mar;
esquece a ti e esquece-me.

Nesse esquecimento sem idade nem fundo,
lábios, beijos, amor, tudo renasce:
as estrelas são filhas da noite.


Olvido


Cierra los ojos y a oscuras piérdete
bajo el follaje rojo de tus párpados.

Húndete en esas espirales
del sonido que zumba y cae
y suena allí, remoto,
hacia el sitio del tímpano,
como una catarata ensordecida.

Hunde tu ser a oscuras,
anégate la piel,
y más, en tus entrañas;
que te deslumbre y ciegue
el hueso, lívida centella,
y entre simas y golfos de tiniebla
abra su azul penacho al fuego fatuo.

En esa sombra líquida del sueño
moja tu desnudez;
abandona tu forma, espuma
que no sabe quien dejó en la orilla;
piérdete en ti, infinita,
en tu infinito ser,
ser que se pierde en otro mar:
olvídate y olvídame.

En ese olvido sin edad ni fondo,
labios, besos, amor, todo renace:
las estrellas son hijas de la noche.





sábado, 11 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)



Estirada e destroçada



Estirada e destroçada,
à direita de minhas veias, muda;
em mortais margens infinita,
imóvel e serpente.

Toco tua delirante superfície,
os poros silenciosos, ofegantes,
a circular corrida de teu sangue,
seu reiterado golpe, verde e tíbio.

Primeiro és um hálito tresnoitado,
uma escura presença de batimentos
que percorrem tua pele, toda de lábios,
resplandecente tato de carícias.

O arco das sobrancelhas faz-se orelha.
Ah, sede, lancinante,
horror de feridos olhos
onde minha origem e minha morte vejo,
graves olhos de náufraga
mencionando-me à espuma,
à branca região dos desmaios
num voraz vazio
que nos imerge em nós mesmos.

Arrojados a brancas espirais
roçamos nossa origem,
o vegetal nos chama,
a pedra nos recorda
e a raiz sedenta
da árvore que cresceu de nosso pó.

Adivinho teu rosto entre estas sombras,
o terrível soluço de teu sexo,
todos os teus nascimentos
e a morte que levas escondida.
Em teus olhos navegam crianças, sombras,
relâmpagos, meus olhos, o vazio.


Tendida y desgarrada...


Tendida y desgarrada,
a la derecha de mis venas, muda;
en mortales orillas infinita,
inmóvil y serpiente.

Toco tu delirante superficie,
los poros silenciosos, jadeantes,
la circular carrera de tu sangre,
su reiterado golpe, verde y tibio.

Primero es un aliento amanecido,
una oscura presencia de latidos
que recorren tu piel, toda de labios,
resplandeciente tacto de caricias.

El arco de las cejas se hace ojera.
Ay, sed, desgarradora,
horror de heridos ojos
donde mi origen y mi muerte veo,
graves ojos de náufraga
citándome a la espuma,
a la blanca región de los desmayos
en un voraz vacío
que nos hunde en nosotros.

Arrojados a blancas espirales
rozamos nuestro origen,
el vegetal nos llama,
la piedra nos recuerda
y la raíz sedienta
del árbol que creció de nuestro polvo.

Adivino tu rostro entre estas sombras,
el terrible sollozo de tu sexo,
todos tus nacimientos
y la muerte que llevas escondida.
En tus ojos navegan niños, sombras,
relámpagos, mis ojos, el vacío.


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...