Pedra de Sol, tradução de Wagner Mourão Brasil e Isaias Edson Sidney (*)
Um chorão de cristal, um choupo d’água, 1
uma alta fonte que o
vento recurva,
uma árvore firme mas
dançante,
um caminhar de rio
que se curva,
avança, retrocede, se
desvia
e chega sempre:
um caminhar
tranquilo
de estrela ou
primavera sem urgência,
água que com as
pálpebras cerradas
verte por toda a
noite profecias,
unânime presença em
marulhada,
onda atrás de onda,
até encobrir tudo,
verde soberania sem
ocaso
como o deslumbramento
do ruflar
das asas que no meio
do céu se abrem,
um caminhar por entre
as espessuras 15
dos dias do futuro e
do agourento
fulgor da desventura
como uma ave
petrificando o bosque
com seu canto
e os iminentes tempos
venturosos
por entre os ramos
que se desvanecem,
horas de luz que os
pássaros já bicam,
presságios que de
nossas mãos escapam,
uma presença como um
canto súbito, 23
como o vento cantando
sobre o incêndio,
um olhar que sustém
de modo instável
o mundo com seus
mares e seus montes,
corpo de luz filtrado
por uma ágata,
pernas de luz, ventre
de luz, baías,
rocha solar, corpo da
cor de nuvens,
cor de dia veloz que
se arremete,
a hora resplende
trêmula e tem corpo,
o mundo é já visível
por teu corpo,
transparente por tua
transparência,
ando por galerias de
sons fluidos, 34
fluindo entre
presenças que ressoam,
ando entre
transparências como um cego,
um reflexo me apaga,
nasço em outro,
oh bosque de pilares
encantados,
sob arcadas da luz
vou penetrando
os corredores de um
outono diáfano,
vou por teu corpo
como pelo mundo, 41
teu ventre é uma
praça ensolarada,
os teus seios igrejas
onde o sangue
celebra seus
mistérios paralelos,
meus olhares
recobrem-te como hera,
és cidade sitiada
pelo mar,
uma muralha dividida
à luz
em metades da mesma
cor do pêssego,
lugar de sal, de
rochas e de pássaros
sob a lei de
extasiado meio-dia,
vestida com a cor de
meus desejos 51
como meu pensamento
vais desnuda,
vou por teus olhos
como pela água,
os tigres bebem sonho
desses olhos,
o colibri se queima
nessas chamas,
vou por teu rosto
como pela lua,
tal como a nuvem por
teu pensamento,
vou por teu ventre
como por teus sonhos,
tua saia de milho
ondula e canta, 59
a saia de cristal, a
saia d’água,
teus lábios, teus
cabelos, teus olhares,
por toda a noite
choves, todo dia
abres meu peito com
teus dedos d’água,
fechas meus olhos com
teus lábios d’água,
sobre meus ossos
choves, em meu peito
finca raízes de água
árvore líquida,
vou por teu talhe
como por um rio, 67
vou por teu corpo
como por um bosque,
como por um caminho
na montanha
que em um abismo
súbito termina
vou por teus
pensamentos afiados
mas ao sair de tua
branca fronte
minha sombra caída se
destroça,
recolho meus
fragmentos um a um
e prossigo sem corpo,
busco às cegas,
corredores infindos
da memória, 76
portas abertas de um
salão vazio
onde apodrecem todos
os verões,
joias da sede queimam
lá no fundo,
rosto desvanecido ao
recordá-lo,
mão que se despedaça
quando a toco,
cabeleiras de aranhas
em tumulto
sobre sorrisos de
tempos passados,
à saída de minha
fronte busco, 84
busco sem encontrar,
busco um instante,
um rosto de relâmpago
e tormenta
correndo por entre
árvores noturnas,
rosto de chuva num
jardim sombrio,
água tenaz que flui
pelo meu flanco,
busco sem encontrar,
escrevo a sós, 90
sem ninguém, caem
dias, caem anos,
caio no instante e ao
fundo vou caindo,
invisível caminho
sobre espelhos
que repetem minha
imagem partida,
piso dias, instantes
caminhados,
eu piso no que pensa
minha sombra,
busco um instante e
piso minha sombra,
busco uma data viva
como um pássaro, 98
procuro pelo sol das
cinco à tarde
suavizado por muros
de tezontle:
a hora amadurecia as
florações
e ao se abrirem saíam
as donzelas
de sua rósea
entranha, se espalhando
pelos pátios de pedra
do colégio,
esguia como o outono
caminhava
envolta pela luz sob
as arcadas
e o espaço ao
circundá-la a recobria
de uma pele diáfana e
dourada,
tigre da cor da luz,
veado pardo 109
vagando pela tarde
quase noite,
vislumbrada donzela
reclinada
nas sacadas da cor
verde da chuva,
adolescente rosto
inumerável,
esqueceu-me o teu
nome, Melusina,
Laura, Isabel,
Perséfone, Maria,
tens todos os
semblantes e nenhum,
tu és todas as horas
e nenhuma,
pareces árvore,
pareces nuvem,
és os pássaros todos
e és estrela,
tu pareces o gume de
uma espada
e o cálice de sangue
do verdugo,
hera que avança,
envolve e desagrega
a alma ao dissociá-la
de si mesma,
escritura de fogo
sobre o jade, 124
rainha das serpentes,
fenda em rocha,
coluna de vapor,
fonte na pedra,
cratera da lua,
penhasco de águias,
grão de anis, um
espinho pequenino
e mortal que produz
dor imortal,
pastora dos abismos
submarinos
e a sentinela do vale
dos mortos,
cipó suspenso à beira
da vertigem,
trepadeira, uma
planta venenosa,
flor de ressurreição,
uva de vida,
senhora do flautim e
do relâmpago,
terraço do jasmim,
sal na ferida,
ramo de rosas para o fuzilado,
neve em agosto, lua
do patíbulo,
escritura do mar
sobre o basalto,
escritura do vento no
deserto,
testamento do sol,
granada, espiga,
rosto de chamas,
rosto devorado, 142
adolescente rosto
perseguido,
anos fantasmas, dias
circulares
que dão ao mesmo
pátio, ao mesmo muro,
abrasa o instante e
são o mesmo rosto
os sucessivos rostos
do desejo,
todos os nomes são o
mesmo nome
todos os rostos são o
mesmo rosto,
todos os séculos, um
só instante,
e por todos os
séculos dos séculos
fecha o passo ao futuro
um par de olhos,
nada há diante de
mim, só um instante 153
resgatado esta noite,
contra um sonho
de um punhado de
imagens sonhado,
duramente esculpido
contra o sonho,
arrebatado ao nada
desta noite,
à força levantado
letra a letra,
enquanto o tempo lá
fora dispara
e golpeia as defesas
de minha alma
o mundo e seu horário
carniceiro,
só naquele momento em
que as cidades, 162
os homens, os
sabores, o vivido,
desmoronam em minha
fronte cega,
enquanto o peso e a
negridão da noite
meu pensamento humilham
e meu corpo,
e meu sangue circula
lentamente
e se afrouxam meus
dentes e os meus olhos
se toldam e os meus
dias e os meus anos
seus horrores vazios
acumulam,
à medida que o tempo
fecha o leque 171
e não há nada atrás
de seus reflexos,
o instante vai ao
fundo e volta à tona
rodeado de morte,
ameaçado
pela noite e seu
lúgubre bocejo,
ameaçado pela
gritaria
da morte duradoura e
mascarada
o instante se
perturba e se penetra,
o instante
aprofunda-se e penetra-se,
como um punho se
fecha, como um fruto
que madura até dentro
dele mesmo
e a si mesmo bebe-se
e derrama-se
o translúcido
instante se enclausura
e madura por dentro,
se enraíza,
cresce dentro de mim,
toma-me todo,
sua folhagem que
delira expulsa-me,
meus pensamentos são
só os seus pássaros,
seu mercúrio circula
em minhas veias,
planta mental, frutos
sabor de tempo,
oh vida por viver e
já vivida, 189
tempo que volta em
uma onda do mar,
e se retira sem
voltar o rosto,
o que passou não foi
mas está sendo
e silenciosamente
desemboca
em outro instante que
desaparece:
diante da tarde de
salitre e pedra 195
armada de navalhas
invisíveis
uma vermelha escrita
indecifrável
em minha pele
escreves e as feridas
como um traje de
chamas me recobrem,
ardo sem consumir-me,
busco a água,
não há água em teus
olhos, são de pedra,
e teus seios, teu
ventre, teus quadris
são de pedra, e sabe
a pó tua boca,
boca que sabe a tempo
envenenado,
teu corpo sabe a poço
sem saída,
um corredor de
espelhos que repetem
os olhos do sedento,
corredor
que volta sempre ao
ponto de partida,
e tu me levas cego
pela mão
por essas galerias
obstinadas
para o centro do
círculo e te elevas
como um fulgor que se
congela em tocha
como luz que me
queima, fascinante
como ao sentenciado o
cadafalso,
flexível como o látego
e elegante
como uma arma que é
gêmea da lua,
tuas palavras afiadas
cavam
meu peito e
despovoam-me e esvaziam-me,
uma a uma me despojas
das lembranças,
esqueceu-me o meu
nome, meus amigos
grunhem entre os
suínos ou apodrecem
comidos pelo sol em
um barranco,
há em mim só essa
ferida imensa, 223
um vazio que já
ninguém percorre,
presente sem janelas,
pensamento
que volta, se repete,
se reflete
e esvai-se em sua
própria transparência,
consciência
traspassada por um olho
que se olha a
olhar-se até ser inundado
de resplendor:
vi tua atroz escama,
Melusina, teu brilho
verde na alba,
dormias enroscada
entre lençóis
e ao despertar
gritaste como um pássaro
e caíste sem fim,
quebrada e branca,
nada restou de ti
senão teu grito,
e descubro-me ao
término dos séculos
com tosse e vista
fraca, embaralhando
velhas fotos:
não há nem és
ninguém,
uma porção de cinza e
uma vassoura,
uma faca afiada e o
espanador,
um couro pendurado em
alguns ossos,
um racemo já seco, um
poço negro,
e no fundo do poço
estão dois olhos
da menina afogada faz
mil anos,
olhares sepultados em
um poço, 245
olhares que nos veem
desde sempre,
na mãe já velha o
olhar de uma menina
que vê no filho
grande o jovem pai,
olhar materno da
menina só
que vê no pai adulto
uma criança,
olhares que nos olham
desde o fundo
da vida e são
cavilações da morte
– ou
é o contrário: cair nesses olhos
é retornar à vida
verdadeira?
cair, voltar,
sonhar-me e que me sonhem 255
outros olhos futuros,
outra vida,
outras nuvens, morrer
uma outra morte!
– esta noite me
basta, e este momento
não acaba de abrir-se
e revelar-me
onde estive, quem
fui, como te chamas,
como chamam a mim:
fazia planos
para o verão – e
todos os verões –
já faz dez anos, na
Christopher Street,
com Filis, as
covinhas nas bochechas
onde bebiam luz os
colibris?,
sobre a Reforma me
dizia Carmem
“o ar não pesa, aqui
é sempre outubro”
ou o disse a outra
pessoa que não lembro
ou invento isso e
ninguém nunca me disse?,
caminhei pela noite
de Oaxaca,
imensa e verde escura
como uma árvore,
falando apenas como o
vento louco
e ao chegar ao meu
quarto – sempre um quarto –
não me reconheceram
os espelhos?,
do hotel Vernet nós
vimos a alvorada
bailar nos
castanheiros – “já é tarde”
tu me dizias ao
pentear-se e eu via,
sem dizer nada,
manchas na parede?,
subimos juntos a alta
torre, vimos
cair a tarde ao irmos
ao arrecife?
comemos uvas em
Bidart? compramos
gardênias em Perote?
nomes, sítios,
ruas e ruas, rostos,
praças, ruas,
estações, parques,
quartos solitários,
as manchas na parede,
alguém penteia-se,
alguém canta ao meu
lado, alguém se veste,
quartos, lugares,
ruas, nomes, quartos,
Madri, 1937, 288
as mulheres cosiam e
cantavam
com os seus filhos na
Plaza del Ángel
depois ouviu-se o
alarme e houve alguns gritos,
casas ajoelhadas na
poeira,
torres partidas,
prédios esculpidos
e os motores e seu
barulho, observo:
os dois se desnudaram
e se amaram
para defender nossa
porção eterna,
nossa ração de tempo
e paraíso,
tocar nossa raiz e
recobrar-nos,
recobrar nossa
herança arrebatada
por larápios de vida
faz mil séculos,
os dois se desnudaram
e beijaram-se
porque os
desnudamentos enlaçados
saltam no tempo e são
invulneráveis,
nada os toca,
retornam ao princípio,
não há tu ou eu,
amanhã, ontem, nem nomes,
a verdade de dois num
só corpo e alma,
oh ser completo...
quartos à deriva
entre cidades que
desaparecem,
quartos e ruas, nomes
como chagas,
o quarto com janelas
a outros quartos
com o mesmo papel
descolorido,
um homem sem camisa
lê o jornal
a mulher passa roupa:
no quarto claro
no qual o pessegueiro
lança os ramos;
e outro quarto: lá
fora sempre chove,
oxidando em um pátio
três meninos;
quartos que são
navios que balançam
em um golfo de luz;
ou submarinos:
o silêncio se espalha
em ondas verdes,
tudo quanto tocamos
fosforesce;
mausoléus luxuosos,
corroídos
os retratos, puídos
os tapetes;
ardis, celas,
cavernas encantadas,
as gaiolas e os
quartos numerados,
todos se
transfiguram, todos voam,
cada moldura é nuvem,
cada porta
dá para o mar, o
campo, o ar, cada mesa
é um festim; fechados
como conchas
o tempo inutilmente
os assedia,
não há mais tempo,
muro: espaço, espaço,
abre tua mão, toma
esta riqueza,
reparte os frutos,
goza a tua vida,
deita-te sob a
árvore, bebe água!,
tudo se transfigura e
é sagrado, 334
é o centro do mundo
cada quarto,
é primeiro dia e é
primeira noite,
o mundo nasce quando
dois se beijam,
gota de luz de
entranhas transparentes
o quarto como um
fruto se entreabre
e estala como um
astro taciturno
e as leis comidas
pelas ratazanas,
as grades das cadeias
e dos bancos,
as grades de papel,
os alambrados,
os sinetes e as puas
e os ferrões,
o sermão monocórdico
das armas,
o escorpião meloso e
de barrete,
o tigre com cartola,
presidente
da Cruz Vermelha e do
Clube Vegano,
o burro pedagogo, o
crocodilo
metido a redentor,
padre de aldeia,
O Chefe, o tubarão, o
construtor
de futuros, o porco
de uniforme,
o filho
prediletíssimo da Igreja
que lava a dentadura
enegrecida
com água benta e toma
aulas de inglês
e de democracia, as
putrefatas
máscaras, as paredes
invisíveis
que separam um homem
de outros homens,
o homem de si mesmo,
desmoronam-se
por um instante
imenso e vislumbramos
a unidade perdida, o
desamparo
de ser homens, a
glória de ser homens
e dividir o pão, o
sol, a morte,
o já esquecido
assombro de estar vivos;
amar é combater, se
dois se beijam 365
o mundo muda,
encarnam os desejos,
o pensamento encarna,
brotam asas
nas costas dos
escravos, este mundo
é tangível, real, o
vinho é vinho,
o pão volta a ter
gosto, a água é água,
amar é combater, é
abrir portas,
deixar de ser
fantasma com um número
condenado à prisão
por toda a vida
por um amo sem rosto;
o mundo muda
se dois se reconhecem
ao se olhar,
amar é despojar-se de
seus nomes:
“deixa que eu seja
tua puta”, diz
Heloísa, mas ele
seguiu a lei,
tomou-a por esposa e
como prêmio
castraram-no depois;
melhor o crime,
os amantes suicidas,
esse incesto
dos dois irmãos,
iguais a dois espelhos
de sua semelhança
apaixonados,
melhor comer o pão
envenenado,
o adultério num leito
de ruínas,
os amores ferozes, o
delírio,
sua hera envenenada,
o sodomita
que leva como cravo
na lapela
um escarro, melhor
apedrejado
nas praças que girar
a roda d’água
que traduz em
essência a própria vida,
transforma a
eternidade em horas ocas,
os minutos em
cárceres, o tempo
em moedas de cobre e
merda abstrata;
melhor a castidade,
flor oculta 394
que balança nos talos
do silêncio,
o diamante insólito
dos santos,
que depura os
desejos, farta o tempo,
núpcias da quietude e
o movimento,
canta a solidão na
sua corola,
pétala de cristal é
cada hora,
o mundo se despoja
dos disfarces
e em seu centro,
vibrante transparência,
o que chamamos Deus,
o ser sem nome,
contempla-se no nada,
o ser sem rosto
emerge de si mesmo,
sol dos sóis,
plenitude de nomes e
presenças;
sigo meu desvario,
quartos, ruas, 407
caminho às cegas
pelos corredores
do tempo e subo e
desço seus degraus
e as paredes tateio e
não avanço,
volto onde comecei,
busco teu rosto,
caminho pelas ruas de
mim mesmo
sob um sol sem idade,
e tu a meu lado
caminhas como uma
árvore ou um rio,
caminhas e me falas
como um rio,
cresces como uma
espiga em minhas mãos,
pulsas como um
esquilo em minhas mãos,
voas como mil
pássaros, teu riso
de espumas me cobriu,
tua cabeça
é um astro pequeno em
minhas mãos,
o mundo reverdece se
sorris
comendo uma laranja,
o mundo muda
se dois, numa
vertigem e abraçados,
lançam-se sobre a
relva: o céu desaba,
as árvores ascendem,
é só luz
e quietude o espaço,
só espaço
escancarado para a
águia do olho,
as nuvens, como
branca tribo, passam,
o corpo rompe
amarras, a alma voa,
perdemos nossos
nomes, flutuamos
à deriva por entre o
azul e o verde,
tempo total onde não
passa nada
senão seu próprio
transcorrer feliz,
não passa nada,
calas, pestanejas 434
(silêncio: passou
neste instante um anjo
enorme como a vida de
cem sóis),
não passa nada, só um
pestanejo?
– e o festim, o primeiro crime, o exílio,
a queixada do burro, o som opaco
e aquele olhar
incrédulo do morto
ao cair na cinzenta
pradaria,
Agamenon e seu mugido
imenso
e o repetido grito de
Cassandra
mais poderoso que o
clamor das ondas,
Sócrates na prisão
(quando o sol nasce,
morrer é despertar:
“Críton, um galo
a Esculápio, que
estou farto da vida”)
o chacal que discursa
entre as ruínas
de Nínive, o fantasma
que viu Bruto
logo antes da
batalha, Montezuma
da sua insônia no
leito de espinhos,
na carreta a viagem
para a morte
– a viagem sem fim
mas relatada
por Robespierre
minuto por minuto,
a mandíbula rota em
suas mãos –,
Churruca em seu
barril como num trono
escarlate, as
passadas já contadas
de Lincoln ao sair
para o teatro,
a agonia de Trótski e
seus gemidos
de javali, Madero e
aquele olhar
que ninguém refutou:
por que me matam?,
os caralhos, as
dores, os silêncios
do criminoso, o
santo, o joão ninguém,
cemitério de frases e
anedotas
que os cachorros
retóricos escavam,
o delírio, o
relincho, o som obscuro
que ao morrermos
soltamos e o ofegar
da vida que desponta
e a percussão
dos ossos
fragmentados no confronto
e a boca espumejada
do profeta,
e o grito dele e o
grito do verdugo,
e o queixume da
vítima...
são chamas
os olhos e são chamas
o que veem,
é chama a orelha e o
som também é chama,
brasas os lábios e um
tição a língua,
o tato e o que se
toca, o pensamento
e o que se pensa,
chama o pensador,
tudo se queima, é o
universo chama,
o mesmo nada que arde
não é nada
senão pensar em
chama, e ao fim fumaça:
não há algoz nem
vítima...
e esse grito
na sexta-feira à
tarde? e esse silêncio
que se cobre de
signos, o silêncio
que fala sem dizer,
não fala nada?,
nada valem os gritos
dos humanos?
nada acontece quando
passa o tempo?
– nada acontece, só
um pestanejo 487
do sol, um movimento
apenas, nada,
não há perdão, não
volta atrás o tempo,
estão os mortos para
sempre mortos
e não podem morrer
uma outra morte,
intocáveis, pregados
em seu gesto,
desde quando
morreram, solitários,
sem remédio nos olham
sem olhar-nos,
de sua vida a morte é
já estátua,
um sempre já ser nada
para sempre,
cada minuto é nada
para sempre,
um rei fantasma rege
a pulsação
e teu gesto final, a
dura máscara
cinzela esse teu
rosto cambiante:
somos o monumento de
uma vida
alheia e não vivida,
apenas nossa,
– a vida, quando foi realmente
nossa? 503
quando realmente
somos o que somos?
pensando bem não
somos, nunca estamos
sozinhos mas vertigem
e vazio,
esgares num espelho,
horror e vômito,
jamais a vida é
nossa, ela é dos outros,
não pertence a
ninguém a vida, somos
a vida – pão de sol
só para os outros,
todos os outros que
nós mesmos somos –,
sou outro quando sou,
meus atos todos
são mais meus quando
são também de todos,
para que possa ser
hei de ser outro,
sair de mim,
buscar-me junto aos outros,
os outros que não são
se eu não existo,
os outros que me dão
plena existência,
não sou, não há eu,
sempre somos nós,
é outra a vida,
sempre lá, mais longe,
fora de ti, de mim,
sempre horizonte,
vida que nos desvive
e nos afasta,
que nos inventa um
rosto e logo o gasta,
fome de ser, oh morte,
pão de todos,
Heloísa, Perséfone,
Maria, 524
mostra teu rosto
enfim para que eu veja
meu rosto verdadeiro,
a cara do outro,
meu rosto para sempre
de nós todos,
rosto de confeiteiro
e de uma árvore,
um rosto de árvore e
de confeiteiro,
de motorista, nuvem,
marinheiro,
rosto de sol e arroio
e Pedro e Paulo,
rosto de solitário
coletivo,
desperta-me, já
nasço:
vida e morte
pactuam em ti,
senhora da noite,
torre de luz, rainha
da alvorada,
virgem lunar, e mãe
da água mãe,
corpo do mundo, morada
da morte,
caio sem parar desde
que nasci,
caio em mim mesmo sem
tocar meu fundo,
recolhe-me em teus
olhos, junta o pó
disperso e concilia
minhas cinzas,
ata meus ossos
divididos, sopra
sobre meu ser, em tua
terra enterra-me,
teu silêncio dê paz
ao pensamento
contra si mesmo
irado;
abre essa mão,
senhora de sementes
que são dias,
imortal é o dia,
ascende, cresce,
acaba de nascer e
nunca acaba,
cada dia é nascer, um
nascimento
é cada amanhecer
quando amanheço,
amanhecemos todos,
amanhece
o sol cara de sol,
João amanhece
com a cara de João
cara de todos,
porta do ser,
desperta-me, amanhece, 553
deixa-me ver o rosto
deste dia,
deixa-me ver o rosto
desta noite,
tudo se comunica e se
transforma,
arco de sangue, ponte
de latejos,
leva-me ao outro lado
desta noite,
aonde eu sou tu e nós
somos nós,
ao reino de pronomes
enlaçados,
porta do ser: abre
teu ser, desperta, 561
aprende a ser também,
lavra teu rosto,
trabalha tuas faces,
tens um rosto
para fitar meu rosto
e que te encare,
para fitar a vida até
a morte,
rosto de mar, de pão,
de rocha e fonte,
nascente que dissolve
nossos rostos
em um rosto sem nome,
o ser sem rosto,
indizível presença de
presenças...
quero seguir, ir mais
longe, e não posso: 570
precipitou-se o
instante em outro e outro,
dormi sonos de pedra
que não sonha
e ao término dos anos
como pedras
ouvi cantar meu
sangue encarcerado,
com um rumor de luz o
mar cantava,
uma a uma desabavam
as muralhas,
todas as portas se
desmoronavam
e o sol entrava à
força em minha fronte,
abria minhas
pálpebras cerradas,
desprendia meu ser de
seu invólucro,
me arrancava de mim,
me separava
de um bruto e secular
sono de pedra,
da magia de espelhos
renascia
e a magia de espelhos
revivia
um chorão de cristal,
um choupo d’água, 585
uma alta fonte que o
vento recurva,
uma árvore firme mas
dançante,
um caminhar de rio
que se curva,
avança, retrocede, se
desvia
e chega sempre.
Piedra de Sol
Un sauce de cristal, un chopo de agua, 1
un alto surtidor que el viento
arquea,
un árbol bien plantado mas danzante,
un caminar de río que se curva,
avanza, retrocede, da un rodeo
y llega siempre:
un caminar tranquilo
de estrella o primavera sin
premura,
agua que con los párpados cerrados
mana toda la noche profecías,
unánime presencia en oleaje,
ola tras ola hasta cubrirlo todo,
verde soberanía sin ocaso
como el deslumbramiento de las alas
cuando se abren en mitad del cielo,
un caminar entre las espesuras 15
de los días futuros y el aciago
fulgor de la desdicha como un ave
petrificando el bosque con su canto
y las felicidades inminentes
entre las ramas que se desvanecen,
horas de luz que pican ya los
pájaros,
presagios que se escapan de la
mano,
una presencia como un canto súbito, 23
como el viento cantando en el
incendio,
una mirada que sostiene en vilo
al mundo con sus mares y sus
montes,
cuerpo de luz filtrado por un
ágata,
piernas de luz, vientre de luz,
bahías,
roca solar, cuerpo color de nube,
color de día rápido que salta,
la hora centellea y tiene cuerpo,
el mundo ya es visible por tu
cuerpo,
es transparente por tu
transparencia,
voy entre galerías de sonidos, 34
fluyo entre las presencias
resonantes,
voy por las transparencias como un
ciego,
un reflejo me borra, nazco en otro,
oh bosque de pilares encantados,
bajo los arcos de la luz penetro
los corredores de un otoño diáfano,
voy por tu cuerpo como por el
mundo, 41
tu vientre es una plaza soleada,
tus pechos dos iglesias donde
oficia
la sangre sus misterios paralelos,
mis miradas te cubren como yedra,
eres una ciudad que el mar asedia,
una muralla que la luz divide
en dos mitades de color durazno,
un paraje de sal, rocas y pájaros
bajo la ley del mediodía absorto,
vestida del color de mis deseos 51
como mi pensamiento vas desnuda,
voy por tus ojos como por el agua,
los tigres beben sueño de esos
ojos,
el colibrí se quema en esas llamas,
voy por tu frente como por la luna,
como la nube por tu pensamiento,
voy por tu vientre como por tus
sueños,
tu falda de maíz ondula y canta, 59
tu falda de cristal, tu falda de
agua,
tus labios, tus cabellos, tus
miradas,
toda la noche llueves, todo el día
abres mi pecho con tus dedos de
agua,
cierras mis ojos con tu boca de
agua,
sobre mis huesos llueves, en mi
pecho
hunde raíces de agua un árbol
líquido,
voy por tu talle como por un río, 67
voy por tu cuerpo como por un
bosque,
como por un sendero en la montaña
que en un abismo brusco se termina
voy por tus pensamientos afilados
y a la salida de tu blanca frente
mi sombra despeñada se destroza,
recojo mis fragmentos uno a uno
y prosigo sin cuerpo, busco a
tientas,
corredores sin fin de la memoria, 76
puertas abiertas a un salón vacío
donde se pudren todos lo veranos,
las joyas de la sed arden al fondo,
rostro desvanecido al recordarlo,
mano que se deshace si la toco,
cabelleras de arañas en tumulto
sobre sonrisas de hace muchos años,
a la salida de mi frente busco, 84
busco sin encontrar, busco un
instante,
un rostro de relámpago y tormenta
corriendo entre los árboles
nocturnos,
rostro de lluvia en un jardín a
obscuras,
agua tenaz que fluye a mi costado,
busco sin encontrar, escribo a
solas, 90
no hay nadie, cae el día, cae el
año,
caigo en el instante, caigo al
fondo,
invisible camino sobre espejos
que repiten mi imagen destrozada,
piso días, instantes caminados,
piso los pensamientos de mi sombra,
piso mi sombra en busca de un
instante,
busco una fecha viva como un
pájaro, 98
busco el sol de las cinco de la
tarde
templado por los muros de tezontle:
la hora maduraba sus racimos
y al abrirse salían las muchachas
de su entraña rosada y se esparcían
por los patios de piedra del
colegio,
alta como el otoño caminaba
envuelta por la luz bajo la arcada
y el espacio al ceñirla la vestía
de un piel más dorada y
transparente,
tigre color de luz, pardo venado 109
por los alrededores de la noche,
entrevista muchacha reclinada
en los balcones verdes de la
lluvia,
adolescente rostro innumerable,
he olvidado tu nombre, Melusina,
Laura, Isabel, Perséfona, María,
tienes todos los rostros y ninguno,
eres todas las horas y ninguna,
te pareces al árbol y a la nube,
eres todos los pájaros y un astro,
te pareces al filo de la espada
y a la copa de sangre del verdugo,
yedra que avanza, envuelve y
desarraiga
al alma y la divide de sí misma,
escritura de fuego sobre el jade, 124
grieta en la roca, reina de
serpientes,
columna de vapor, fuente en la
peña,
circo lunar, peñasco de las
águilas,
grano de anís, espina diminuta
y mortal que da penas inmortales,
pastora de los valles submarinos
y guardiana del valle de los
muertos,
liana que cuelga del cantil del
vértigo,
enredadera, planta venenosa,
flor de resurrección, uva de vida,
señora de la flauta y del
relámpago,
terraza del jazmín, sal en la
herida,
ramo de rosas para el fusilado,
nieve en agosto, luna del patíbulo,
escritura del mar sobre el basalto,
escritura del viento en el
desierto,
testamento del sol, granada,
espiga,
rostro de llamas, rostro devorado, 142
adolescente rostro perseguido
años fantasmas, días circulares
que dan al mismo patio, al mismo
muro,
arde el instante y son un solo
rostro
los sucesivos rostros de la llama,
todos los nombres son un solo
nombre
todos los rostros son un solo
rostro,
todos los siglos son un solo
instante
y por todos los siglos de los
siglos
cierra el paso al futuro un par de
ojos,
no hay nada frente a mí, sólo un
instante 153
rescatado esta noche, contra un
sueño
de ayuntadas imágenes soñado,
duramente esculpido contra el
sueño,
arrancado a la nada de esta noche,
a pulso levantado letra a letra,
mientras afuera el tiempo se
desboca
y golpea las puertas de mi alma
el mundo con su horario carnicero,
sólo un instante mientras las
ciudades, 162
los nombres, lo sabores, lo vivido,
se desmoronan en mi frente ciega,
mientras la pesadumbre de la noche
mi pensamiento humilla y mi
esqueleto,
y mi sangre camina más despacio
y mis dientes se aflojan y mis ojos
se nublan y los días y los años
sus horrores vacíos acumulan,
mientras el tiempo cierra su
abanico 171
y no hay nada detrás de sus
imágenes
el instante se abisma y sobrenada
rodeado de muerte, amenazado
por la noche y su lúgubre bostezo,
amenazado por la algarabía
de la muerte vivaz y enmascarada
el instante se abisma y se penetra,
como un puño se cierra, como un
fruto
que madura hacia dentro de sí mismo
y a sí mismo se bebe y se derrama
el instante translúcido se cierra
y madura hacia dentro, echa raíces,
crece dentro de mí, me ocupa todo,
me expulsa su follaje delirante,
mis pensamientos sólo son su
pájaros,
su mercurio circula por mis venas,
árbol mental, frutos sabor de
tiempo,
oh vida por vivir y ya vivida, 189
tiempo que vuelve en una marejada
y se retira sin volver el rostro,
lo que pasó no fue pero está siendo
y silenciosamente desemboca
en otro instante que se desvanece:
frente a la tarde de salitre y
piedra 196
armada de navajas invisibles
una roja escritura indescifrable
escribes en mi piel y esas heridas
como un traje de llamas me
recubren,
ardo sin consumirme, busco el agua
y en tus ojos no hay agua, son de
piedra,
y tus pechos, tu vientre, tus
caderas
son de piedra, tu boca sabe a
polvo,
tu boca sabe a tiempo emponzoñado,
tu cuerpo sabe a pozo sin salida,
pasadizo de espejos que repiten
los ojos del sediento, pasadizo
que vuelve siempre al punto de
partida,
y tú me llevas ciego de la mano
por esas galerías obstinadas
hacia el centro del círculo y te
yergues
como un fulgor que se congela en
hacha,
como luz que desuella, fascinante
como el cadalso para el condenado,
flexible como el látigo y esbelta
como un arma gemela de la luna,
y tus palabras afiladas cavan
mi pecho y me despueblan y vacían,
uno a uno me arrancas los
recuerdos,
he olvidado mi nombre, mis amigos
gruñen entre los cerdos o se pudren
comidos por el sol en un barranco,
no hay nada en mí sino una larga
herida, 223
una oquedad que ya nadie recorre,
presente sin ventanas, pensamiento
que vuelve, se repite, se refleja
y se pierde en su misma
transparencia,
conciencia traspasada por un ojo
que se mira mirarse hasta anegarse
de claridad:
yo vi tu atroz escama,
Melusina, brillar verdosa al alba,
dormías enroscada entre las sábanas
y al despertar gritaste como un
pájaro
y caíste sin fin, quebrada y
blanca,
nada quedó de ti sino tu grito,
y al cabo de los siglos me descubro
con tos y mala vista, barajando
viejas fotos:
no hay nadie, no eres nadie,
un montón de ceniza y una escoba,
un cuchillo mellado y un plumero,
un pellejo colgado de unos huesos,
un racimo ya seco, un hoyo negro
y en el fondo del hoyo los dos ojos
de una niña ahogada hace mil años,
miradas enterradas en un pozo, 245
miradas que nos ven desde el
principio,
mirada niña de la madre vieja
que ve en el hijo grande un padre
joven,
mirada madre de la niña sola
que ve en el padre grande un hijo
niño,
miradas que nos miran desde el
fondo
de la vida y son trampas de la
muerte
– ¿o es al revés: caer en esos ojos
es volver a la vida verdadera?,
¡caer, volver, soñarme y que me
sueñen 255
otros ojos futuros, otra vida,
otras nubes, morirme de otra
muerte!
– esta noche me basta, y este
instante
que no acaba de abrirse y revelarme
dónde estuve, quién fui, cómo te
llamas,
cómo me llamo yo:
¿hacía planes
para el verano – y todos los
veranos –
en Christopher Street, hace diez
años,
con Filis que tenía dos hoyuelos
donde bebían luz los gorriones?,
¿por la Reforma Carmen me decía
"no pesa el aire, aquí siempre
es octubre",
o se lo dijo a otro que he perdido
o yo lo invento y nadie me lo ha
dicho?,
¿caminé por la noche de Oaxaca,
inmensa y verdinegra como un árbol,
hablando solo como el viento loco
y al llegar a mi cuarto – siempre
un cuarto –
no me reconocieron los espejos?,
¿desde el hotel Vernet vimos al
alba
bailar con los castaños – "ya
es muy tarde"
decías al peinarte y yo veía
manchas en la pared, sin decir
nada?,
¿subimos juntos a la torre, vimos
caer la tarde desde el arrecife?
¿comimos uvas en Bidart?,
¿compramos
gardenias en Perote?,
nombres, sitios,
calles y calles, rostros, plazas,
calles,
estaciones, un parque, cuartos
solos,
manchas en la pared, alguien se peina,
alguien canta a mi lado, alguien se
viste,
cuartos, lugares, calles, nombres,
cuartos,
Madrid, 1937, 288
en la Plaza del Ángel las mujeres
cosían y cantaban con sus hijos,
después sonó la alarma y hubo
gritos,
casas arrodilladas en el polvo,
torres hendidas, frentes esculpidas
y el huracán de los motores, fijo:
los dos se desnudaron y se amaron
por defender nuestra porción
eterna,
nuestra ración de tiempo y paraíso,
tocar nuestra raíz y recobrarnos,
recobrar nuestra herencia
arrebatada
por ladrones de vida hace mil
siglos,
los dos se desnudaron y besaron
porque las desnudeces enlazadas
saltan el tiempo y son
invulnerables,
nada las toca, vuelven al
principio,
no hay tú ni yo, mañana, ayer ni
nombres,
verdad de dos en sólo un cuerpo y
alma,
oh ser total...
cuartos a la deriva
entre ciudades que se van a pique,
cuartos y calles, nombres como
heridas,
el cuarto con ventanas a otros
cuartos
con el mismo papel descolorido
donde un hombre en camisa lee el
periódico
o plancha una mujer; el cuarto
claro
que visitan las ramas de un
durazno;
el otro cuarto: afuera siempre
llueve
y hay un patio y tres niños
oxidados;
cuartos que son navíos que se mecen
en un golfo de luz; o submarinos:
el silencio se esparce en olas
verdes,
todo lo que tocamos fosforece;
mausoleos de lujo, ya roídos
los retratos, raídos los tapetes;
trampas, celdas, cavernas
encantadas,
pajareras y cuartos numerados,
todos se transfiguran, todos
vuelan,
cada moldura es nube, cada puerta
da al mar, al campo, al aire, cada mesa
es un festín; cerrados como conchas
el tiempo inútilmente los asedia,
no hay tiempo ya, ni muro:
¡espacio, espacio,
abre la mano, coge esta riqueza,
corta los frutos, come de la vida,
tiéndete al pie del árbol, bebe el
agua!,
todo se transfigura y es sagrado, 334
es el centro del mundo cada cuarto,
es la primera noche, el primer día,
el mundo nace cuando dos se besan,
gota de luz de entrañas
transparentes
el cuarto como un fruto se
entreabre
o estalla como un astro taciturno
y las leyes comidas de ratones,
las rejas de los bancos y las
cárceles,
las rejas de papel, las alambradas,
los timbres y las púas y los
pinchos,
el sermón monocorde de las armas,
el escorpión meloso y con bonete,
el tigre con chistera, presidente
del Club Vegetariano y la Cruz Roja,
el burro pedagogo, el cocodrilo
metido a redentor, padre de
pueblos,
el Jefe, el tiburón, el arquitecto
del porvenir, el cerdo uniformado,
el hijo pedilecto de la Iglesia
que se lava la negra dentadura
con el agua bendita y toma clases
de inglés y democracia, las paredes
invisibles, las máscaras podridas
que dividen al hombe de los
hombres,
al hombre de sí mismo,
se derrumban
por un instante inmenso y
vislumbramos
nuestra unidad perdida, el
desamparo
que es ser hombres, la gloria que
es ser hombres
y compartir el pan, el sol, la
muerte,
el olvidado asombro de estar vivos;
amar es combatir, si dos se besan 365
el mundo cambia, encarnan los
deseos,
el pensamiento encarna, brotan las
alas
en las espaldas del esclavo, el
mundo
es real y tangible, el vino es
vino,
el pan vuelve a saber, el agua es
agua,
amar es combatir, es abrir puertas,
dejar de ser fantasma con un número
a perpetua cadena condenado
por un amo sin rostro;
el mundo cambia
si dos se miran y se reconocen,
amar es desnudarse de los nombres:
"déjame ser tu puta", son
palabras
de Eloísa, mas él cedió a las
leyes,
la tomó por esposa y como premio
lo castraron después;
mejor el crimen,
los amantes suicidas, el incesto
de los hermanos como dos espejos
enamorados de su semejanza,
mejor comer el pan envenenado,
el adulterio en lechos de ceniza,
los amores feroces, el delirio,
su yedra ponzoñosa, el sodomita
que lleva por clavel en la solapa
un gargajo, mejor ser lapidado
en las plazas que dar vuelta a la
noria
que exprime la substancia de la
vida,
cambia la eternidad en horas
huecas,
los minutos en cárceles, el tiempo
en monedas de cobre y mierda
abstracta;
mejor la castidad, flor invisible 394
que se mece en los tallos del
silencio,
el difícil diamante de los santos
que filtra los deseos, sacia al
tiempo,
nupcias de la quietud y el
movimiento,
canta la soledad en su corola,
pétalo de cristal en cada hora,
el mundo se despoja de sus máscaras
y en su centro, vibrante
transparencia,
lo que llamamos Dios, el ser sin
nombre,
se contempla en la nada, el ser sin
rostro
emerge de sí mismo, sol de soles,
plenitud de presencias y de
nombres;
sigo mi desvarío, cuartos, calles, 407
camino a tientas por los corredores
del tiempo y subo y bajo sus
peldaños
y sus paredes palpo y no me muevo,
vuelvo donde empecé, busco tu
rostro,
camino por las calles de mí mismo
bajo un sol sin edad, y tú a mi
lado
caminas como un árbol, como un río
caminas y me hablas como un río,
creces como una espiga entre mis
manos,
lates como una ardilla entre mis
manos,
vuelas como mil pájaros, tu risa
me ha cubierto de espumas, tu
cabeza
es un astro pequeño entre mis
manos,
el mundo reverdece si sonríes
comiendo una naranja,
el mundo cambia
si dos, vertiginosos y enlazados,
caen sobre las yerba: el cielo
baja,
los árboles ascienden, el espacio
sólo es luz y silencio, sólo
espacio
abierto para el águila del ojo,
pasa la blanca tribu de las nubes,
rompe amarras el cuerpo, zarpa el
alma,
perdemos nuestros nombres y
flotamos
a la deriva entre el azul y el
verde,
tiempo total donde no pasa nada
sino su propio transcurrir dichoso,
no pasa nada, callas, parpadeas
(silencio: cruzó un ángel este
instante
grande como la vida de cien soles),
¿no pasa nada, sólo un parpadeo? 434
– y el festín, el destierro, el
primer crimen,
la quijada del asno, el ruido opaco
y la mirada incrédula del muerto
al caer en el llano ceniciento,
Agamenón y su mugido inmenso
y el repetido grito de Casandra
más fuerte que los gritos de las
olas,
Sócrates en cadenas "(el sol
nace,
morir es despertar: "Critón,
un gallo
a Esculapio, ya sano de la
vida"),
el chacal que diserta entre las
ruinas
de Nínive, la sombra que vio Bruto
antes de la batalla, Moctezuma
en el lecho de espinas de su
insomnio,
el viaje en la carretera hacia la
muerte
– el viaje interminable mas contado
por Robespierre minuto tras minuto,
la mandíbula rota entre las manos
–,
Churruca en su barrica como un
trono
escarlata, los pasos ya contados
de Lincoln al salir hacia el
teatro,
el estertor de Trotsky y sus
quejidos
de jabalí, Madero y su mirada
que nadie contestó: ¿por qué me
matan?,
los carajos, los ayes, los
silencios
del criminal, el santo, el pobre
diablo,
cementerio de frases y de anécdotas
que los perros retóricos escarban,
el delirio, el relincho, el ruido
obscuro
que hacemos al morir y ese jadeo
que la vida que nace y el sonido
de huesos machacadosen la riña
y la boca de espuma del profeta
y su grito y el grito del verdugo
y el grito de la víctima...
son llamas
los ojos y son llamas lo que miran,
llama la oreja y el sonido llama,
brasa los labios y tizón la lengua,
el tacto y lo que toca, el
pensamiento
y lo pensado, llama el que lo
piensa,
todo se quema, el universo es
llama,
arde la misma nada que no es nada
sino un pensar en llamas, al fin
humo:
no hay verdugo ni víctima...
¿y el grito
en la tarde del viernes?, y el
silencio
que se cubre de signos, el silencio
que dice sin decir, ¿no dice nada?,
¿no son nada los gritos de los
hombres?,
¿no pasa nada cuando pasa el
tiempo?
– no pasa nada, sólo un parpadeo 487
del sol, un movimiento apenas,
nada,
no hay redención, no vuelve atrás
el tiempo,
los muerto están fijos en su muerte
y no pueden morirse de otra muerte,
intocables, clavados en su gesto,
desde su soledad, desde su muerte
sin remedio nos miran sin mirarnos,
su muerte ya es la estatua de su
vida,
un siempre estar ya nada para
siempre,
cada minuto es nada para siempre,
un rey fantasma rige sus latidos
y tu gesto final, tu dura máscara
labra sobre tu rostro cambiante:
el monumento somos de una vida
ajena y no vivida, apenas nuestra,
– ¿la vida, cuándo fue de veras
nuestra?, 503
¿cuándo somos de veras lo que
somos?,
bien mirado no somos, nunca somos
a solas sino vértigo y vacío,
muecas en el espejo, horror y
vómito,
nunca la vida es nuestra, es de los
otros,
la vida no es de nadie, todos somos
la vida – pan de sol para los
otros,
los otros todos que nosotros somos
–,
soy otro cuando soy, los actos míos
son más míos si son también de
todos,
para que pueda ser he de ser otro,
salir de mí, buscarme entre los
otros,
los otros que no son si yo no
existo,
los otros que me dan plena
existencia,
no soy, no hay yo, siempre somos
nosotros,
la vida es otra, siempre allá, más
lejos,
fuera de ti, de mí, siempre
horizonte,
vida que nos desvive y enajena,
que nos inventa un rostro y lo
desgasta,
hambre de ser, oh muerte, pan de
todos,
Eloísa, Perséfona, María, 524
muestra tu rostro al fin para que
vea
mi cara verdadera, la del otro,
mi cara de nosotros siempre todos,
cara de árbol y de panadero,
de chófer y de nube y de marino,
cara de sol y arroyo y Pedro y
Pablo,
cara de solitario colectivo,
despiértame, ya nazco:
vida y muerte
pactan en ti, señora de la noche,
torre de claridad, reina del alba,
virgen lunar, madre del agua madre,
cuerpo del mundo, casa de la
muerte,
caigo sin fin desde mi nacimiento,
caigo en mí mismo sin tocar mi
fondo,
recógeme en tus ojos, junta el
polvo
disperso y reconcilia mis cenizas,
ata mis huesos divididos, sopla
sobre mi ser, entiérrame en tu
tierra,
tu silencio dé paz al pensamiento
contra sí mismo airado;
abre la mano,
señora de semillas que son días,
el día es inmortal, asciende,
crece,
acaba de nacer y nunca acaba,
cada día es nacer, un nacimiento
es cada amanecer y yo amanezco,
amanecemos todos, amanece
el sol cara de sol, Juan amanece
con su cara de Juan cara de todos,
puerta del ser, despiértame,
amanece, 553
déjame ver el rostro de este día,
déjame ver el rostro de esta noche,
todo se comunica y transfigura,
arco de sangre, puente de latidos,
llévame al otro lado de esta noche,
adonde yo soy tú somos nosotros,
al reino de pronombres enlazados,
puerta del ser: abre tu ser,
despierta, 561
aprende a ser también, labra tu
cara,
trabaja tus facciones, ten un
rostro
para mirar mi rostro y que te mire,
para mirar la vida hasta la muerte,
rostro de mar, de pan, de roca y
fuente,
manantial que disuelve nuestros
rostros
en el rostro sin nombre, el ser sin
rostro,
indecible presencia de
presencias...
quiero seguir, ir más allá, y no
puedo: 570
se despeñó el instante en otro y
otro,
dormí sueños de piedra que no sueña
y al cabo de los años como piedras
oí cantar mi sangre encarcelada,
con un rumor de luz el mar cantaba,
una a una cedían las murallas,
todas las puertas se desmoronaban
y el sol entraba a saco por mi
frente,
despegaba mis párpados cerrados,
desprendía mi ser de su envoltura,
me arrancaba de mí, me separaba
de mi bruto dormir siglos de piedra
y su magia de espejos revivía
un sauce de cristal, un chopo de
agua, 585
un alto surtidor que el viento
arquea,
un árbol bien plantado mas
danzante,
un caminar de río que se curva,
avanza, retrocede, da un rodeo
y llega siempre.
México, 1957