sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Cristina Campo (Itália: 1923 – 1977)

  

Além do tempo, além da esquina

 

What sorrow beside your sadness

and what beauty *

W. C. Williams

 

Demasiadas coisas acolheram as tuas pálpebras

a atenção consumiu tuas pestanas.

Demasiados caminhos te reiteraram,

oprimiram, perseguiram.

 

A cidade do século te devora

mas para ti prenuncia, sonho e ruína,

luzes e chuvas, lágrimas senis

sobre a jovem que passa

febril, indomável, além do tempo, além da esquina.

 

Retorna! Gritam os velhos de Santa Maria do Pranto,

a ronda da piscina de Siloè

com os cães, os híbridos, os espectros

que não se sabem e tu sabes

enraizados contigo

no glúten azul do asfalto

e acreditam em tua flor ardente, branca –

 

porque todos vivemos de estrelas extintas.

 

 

Oltre il tempo, oltre un angolo

 

 

What sorrow beside your sadness

and what beauty

W.C. Williams

 

Troppe cose hanno accolto le tue palpebre

l’attenzione t’ha consumato le ciglia.

Troppe vie t’hanno ripetuta,

stretta, inseguita.

 

La città da secoli ti divora

ma per te travede, sogno e sfacelo,

di luci e piogge, lacrime senili

sulla ragazza che passa

febbrile, indomabile, oltre il tempo, oltre un angolo.

 

Ritorna! Gridano i vecchi di Santa Maria del Pianto,

la ronda della piscina di Siloè

con i cani, gl’ibridi, gli spettri

che non si sanno e tu sai

radicati con te

nel glutine blu dell’asfalto

e credono al tuo fiore che avvampa, bianco –

 

poiché tutti viviamo di stelle spente.

 

*) “Quanta dor junto à sua tristeza, e quanta beleza.”

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Bertalicia Peralta (Panamá: 1939 – )

 

Elegia

  

Não significa nada, Pátria, nossa dor de antes.

É agora quando nos dói o corpo e a alma e a vida.

É agora quando respiramos sangue por tanto tempo contido.

 

É agora, Pátria,

quando atamos o cordão umbilical ao coração

e podemos marchar contigo

e podemos doer, por dentro,

com dor de Pátria

por tantos mortos e tantos caídos.

 

Tuas flores, Pátria, foram agredidas.

Tuas flores e tuas crianças e teus pássaros.

Trouxeram armas, os invasores,

Para desenraizar-nos a todos, Pátria.

Queriam arrasar-nos e pisotear-nos

e rir-se de nossa dor e

nosso amor ferido de Pátria Nobre.

 

Eles, os invasores,

iam desplantar nossa Bandeira

com mãos sujas, criminosas,

de apátridas habitantes da zona*

 

Eles, os invasores,

queriam comprar nossas irmãs fêmeas,

para criar uma casta infra-humana

de perversos “zonias” **

 

Eles, os invasores, Pátria, eram Yankees.

Tinham sobre o uniforme escrito: “U.S Army”, Pátria.

E no rosto, não tinham Deus. Não!

Nem em seus passos deixavam pegadas de homem,

nem sequer de estrangeiros, Pátria.

 

Eram incapazes de pagar-nos

com outra coisa que não fossem balas

e metralhadoras

e tanques

e soldados furibundos,

e bombas lacrimogêneas

e golpes de cassetete

e empurrões

e discriminação

e contrabando

e massacre de crianças

e morte.

 

Pátria, enviaram-te a morte.

Todos os Heróis do 9 de janeiro.

Todas as crianças e os Mestres Mártires.

Todos os pedaços próprios de tua entranha.

 

Por isso, Pátria, te digo, eu aqui,

defronte a teus mortos de agora:

Não significa nada nossa dor de antes.

Não significam nada os Próceres.

 

Não significam os Compromissos com a Pátria.

Não significam os Tratados solapados.

Não significam as Demonstrações de Amizade.

Muito além de uma cerca eletrificada

que haviam levantado para roubar

nossos direitos

nossa água,

nosso céu,

nossas mulheres,

nosso canal,

nossa faixa da Zona do Canal.

 

Ali, na cinta de água que te parte

as entranhas, Pátria,

descobriram-se diante de ti, todos os filhos mortos.

Nem as Alianças do Progresso nem nenhuma espécie.

Nada tem agora validade, Pátria querida,

Pátria amada,

Pátria mártir,

Pátria imolada pela cobiça Yankee.

 

Pátria que sangra pelos quatro costados

Pátria em que doem as balas 30-30.

Porque tuas Leis têm rastros de metralha

e em ti nasceu hoje uma Avenida de Mártires,

e o coração foi bifurcado por um largo comboio

de soldados armados, para deter tua fúria e tua vingança.

 

Não significa nada, Pátria, nossa dor de antes.

Agora que te violentaram o peito

para lembrar-te vinte mortos novos.

Agora que te vejo dobrada,

levantando teus mortos até o rosto

para beijá-los, Pátria,

sacudida a espalda pela fobia assassina

de uns estrangeiros vermelhos que nos burlam, Pátria.

Esses mortos que abriram os olhos espantados

e caíram com os lábios abertos

porque ainda não terminaram de gritar teu nome.

Esses mortos, Pátria, plena de balas nas entranhas

quando se ajoelharam vasculhando tuas pedras

para oferecerem-se a ti como Mártires.

 

Tu, Pátria, podes agora galopar em busca de teus Heróis.

Em ti nasceram mil filhos novos para cada cacho que caiu.

Voltaremos a semear bandeiras em cada lugar

em que foste ultrajada.

 

Pátria, Pátria, que em ti doam hoje

todas as dores de teus filhos!

Pátria, Pátria que te sentes débil e pequena

para guardar, tu apenas, tanta dor que levas na alma.

 

Não significa nada nossa dor de antes, Pátria.

Significa agora, apenas teus Heróis e teus Mártires

e teu Sangue e teus Mortos

e teu coração aquecido e rubro

escaldante fogo de tua própria entranha.

  

Elegía

  

No significa nada, Patria, nuestro dolor de antes.

Es ahora cuando nos duele el cuerpo y el alma y la vida.

Es ahora cuando respiramos sangre por tanto tiempo contenida.

 

Es ahora, Patria,

cuando nos abrochamos el cordón umbilical al corazón

y podemos marchar contigo

y podemos dolernos, hacia adentro,

con dolor de Patria

por tantos muertos y tantos caídos.

 

Tus flores, Patria, han sido agredidas.

Tus flores y tus niños y tus pájaros.

Trajeron armas, los invasores,

Para desraizarnos a todos, Patria.

Querían hundirnos y pisotearnos

y reírse en nuestro dolor y

nuestro amor herido de Patria Noble.

 

Ellos, los invasores,

iban a des-sembrar nuestra Bandera

con manos sucias, criminales,

de apátridas habitantes de la zona.*

 

Ellos, los invasores,

querían comprar nuestras hermanas hembras,

para crearnos una casta infra-humana

de perversos “zonians”. **

 

Ellos, los invasores, Patria, eran Yankees.

Tenían sobre el uniforme sus letreros: “U.S Army”, Patria.

Y en la frente, no tenían a Dios. ¡No!

Ni en sus pisadas dejaban huellas de hombres,

ni siquiera de extranjeros, Patria.

 

Ellos, los invasores,

habíanse comido nuestra fruta y nuestra leche

y se habían bebido nuestro viento

y se habían acostado en nuestra tierra.

 

Eran incapaces de pagarnos

con otra cosa que no fueran balas

y ametralladoras

y tanques

y soldados furibundos,

y bombas lacrimógenas

y toletazos

y empujones

y discriminación

y contrabando

y masacre de niños

y muerte.

 

Patria, la muerte te la enviaron.

Todos los Héroes del 9 de enero.

Todos los Niños y los Institutores Mártires.

Todos los pedazos propios de tu entraña.

 

Por eso, Patria, te digo, yo aquí,

frente a tus muertos de ahora:

No significa nada nuestro dolor de antes.

No significan los Próceres.

No significan las Citas con la Patria.

No significan los Tratados solapados.

No significan las Operaciones Amistad.

desde más allá de una electrificada cerca

que habían levantado para robarnos

nuestro derecho,

nuestra agua,

nuestro cielo,

nuestras mujeres,

nuestro canal,

nuestra faja de Zona Canalera.

 

Allí, en la cinta de agua que te parte

las entrañas, Patria,

se descubrieron ante ti, todos tus hijos muertos.

Ni las Alianzas de Progreso, ni de ninguna especie.

Nadie tiene ahora validez, Patria querida,

Patria amada,

Patria mártir,

Patria inmolada por codicia Yankee

 

Patria que te desangras por tus cuatro costados

Patria que te duelen las balas 30-30.

Porque tus Leyes tienen huellas de metralla

y te ha nacido hoy una Avenida de Mártires,

y el corazón te fue bifurcado por un largo convoy

de soldados armados, para detener tu furia y tu venganza.

 

No significa nada, Patria, nuestro dolor de antes.

Ahora que te han desarrajado el pecho

para sembrarte veinte muertos nuevos.

Ahora que te veo doblada,

llevándote tus muertos a la cara,

para besarlos, Patria,

sacudida la espalda por la fobia asesina

de unos extranjeros rubios que nos burlan, Patria.

Esos muertos que abrieron los ojos espantados

y cayeron con los labios abiertos

porque aún no acababan de gritar tu nombre.

Esos muertos, Patria, llenas de balas las entrañas

cuando se arrodillaron a buscar tus piedras

para ofrendársete en Mártires.

 

Tu, Patria, puedes ahora galopar en busca de tus Héroes.

Te nacieron mil hijos nuevos por cada racimo que cayó.

Te volveremos a sembrar banderas en cada sitio

donde fue ultrajada.

 

¡Patria, Patria, que te duelen hoy

todos los dolores de tus hijos!

¡Patria, Patria que te sientes débil y pequeña

para guardar tu sola tanto dolor que llevas en el alma.

 

No significa nada nuestro dolor de antes, Patria.

Significa ahora, sólo tus Héroes y tus Mártires

y tu Sangre y tus Muertos

y tu corazón caliente y rojo

hirviente fuego de tu propia entraña.

 

 

*) Zona do canal: enclave norte-americano no Panamá, ao longo do canal que liga o Atlântico ao Pacífico.

**) Filhos de militares norte-americanos.

 

 

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Gloria Young (Panamá: 1952 – )

 Sou

  

Sou receptáculo

de todas as palavras suspensas no vento

da luz que atravessa minha curvada cordilheira

da canção do sonho

do mar com suas espumas

da alma vertida no limiar de uma estrela

 

Sou voz

que não se esconde

que explora suas texturas

que uiva no mistério de todos os silêncios

que murmura a vida

que espreita na vigília

que faz voar o riso vencendo a nostalgia.

 

Sou água

da chuva

do mar

da tormenta

e busco os tesouros

e lavo

as memórias

 

Sou mulher

deste século

escalando esperanças

cavalgando corcéis

de amor e ternura

abrindo meus poros

ao perfume das frutas

soltando os cabelos

singrando a doçura

aqui

na penumbra

do

pôr do sol

 

Soy

  

Soy recinto

de todas las palabras colgadas en el viento

de la luz que atraviesa mi curva cordillera

de la canción del sueño

del mar con sus espumas

del alma desbocada al filo de una estrella

 

Soy voz

que no se esconde

que explora sus tejidos

que aúlla en el misterio de todos los silencios

que murmura a la vida

que acecha en la vigilia

que da vuelo a la risa venciendo la nostalgia.

 

Soy agua

de la lluvia

del mar

de la tormenta

y busco los tesoros

y lavo

las memorias

 

soy mujer

de este siglo

escalando esperanzas

cabalgando corceles

de amor y de ternura

abriéndome los poros

al olor de las frutas

soltándome el cabello

surcando la dulzura

aquí

en la penumbra

de la

puesta del sol



domingo, 30 de agosto de 2020

Rubén Darío (Nicarágua: 1867 – 1966)

 


Melancolia

 

A Domingos Bolívar

 

Irmão, tu que tens a luz, dá-me a minha.

Como um cego, vou sem rumo, às palpadelas.

Vou debaixo de tormentas e procelas

cego de sonho e louco de harmonia.

 

Esse é meu mar. Sonhar. A poesia

é a camisa férrea de mil aguilhões cruentos

que levo sobre a alma. Os espinhos sangrentos

deixam cair gotas de minha melancolia.

 

E assim vou, cego e louco, por este mundo amargo;

às vezes penso que meu caminho é muito longo,

e às vezes que é bem curto.

 

E neste titubeio de alento e agonia,

trago pleno de penas o que apenas suporto.

Não ouves cair gotas de minha melancolia?

 

 

Melancolía

 

A Domingo Bolívar

 

Hermano, tú que tienes la luz, dime la mía.

Soy como un ciego. Voy sin rumbo y ando a tientas.

Voy bajo tempestades y tormentas

ciego de sueño y loco de armonía.

 

Ése es mi mal. Soñar. La poesía

es la camisa férrea de mil puntas cruentas

que llevo sobre el alma. Las espinas sangrientas

dejan caer las gotas de mi melancolía.

 

Y así voy, ciego y loco, por este mundo amargo;

a veces me parece que el camino es muy largo,

y a veces que es muy corto…

 

Y en este titubeo de aliento y agonía,

cargo lleno de penas lo que apenas soporto.

¿No oyes caer las gotas de mi melancolía?



 

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...