sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

T. S. Eliot (EUA: 1888 – 1965)

 


 

 

Os homens ocos

 

Sinhô Kurtz – ele morto

 

I

 

Somos os homens ocos

Somos os homens empalhados

Apoiando-nos mutuamente

Elmo repleto de palha. Ai de nós!

Nossas vozes secas, quando

Sussurramos juntos,

São calmas e sem sentido

Como o vento na relva seca

Ou patas de ratos em cacos de vidro

Em nossa cave seca

 

Molde sem feitio, sombra sem cor

Força sem ação, gesto sem deslocação;

 

Aqueles que atravessaram

Com olhar reto, rumo ao outro Reino da morte

lembram-se de nós – se tanto – não como almas

Perdidas, violentas, mas apenas

Como os homens ocos

Os homens empalhados.

 

II


Olhos que não ouso enxergar em sonhos

No reino onírico da morte

Eles não se mostram:

Lá, os olhos são

Luz do sol sobre a coluna partida

Lá, há uma árvore que oscila

E as vozes se encontram

No vento que canta

Mais distantes e solenes

Que uma estrela agonizante.

 

Que eu não esteja mais próximo

Do reino onírico da morte

Que eu possa também usar

Tais disfarces intencionais

Pelo de rato, pele de corvo, estacas cruzadas

Em um campo

Agindo como age o vento

Não mais próximo –

Não aquele último encontro

No reino do anoitecer

 

III

 

Esta é a terra morta

Esta é a terra do cactus

Aqui as imagens de pedra

São erigidas, aqui acolhem

A súplica da mão do homem morto

Sob o cintilar de uma estrela agonizante.


Assim é

No outro reino da morte

Despertando sozinhos

À hora em que nos sentimos

Trêmulos de ternura

Lábios que beijariam

Fazem preces à pedra partida.

 

IV

 

Os olhos não estão aqui

Não há olhos aqui

Neste vale de estrelas agonizantes

Neste vale oco

Esta mandíbula partida de nossos reinos perdidos

 

Neste último dos lugares de reunião

Tateamos juntos

E evitamos dizer algo

Reunidos nesta praia do rio intumescido

 

Cegos, a menos que

Os olhos ressurjam

Como a estrela perene

Multifoliada rosa

Do reino crespuscular da morte

A única esperança

Dos homens ocos.

 

V

 

Aqui circundamos a pera espinhosa

Pera espinhosa pera espinhosa

Aqui circundamos a pera espinhosa

Às cinco da manhã.

 

Entre a ideia

E a realidade

Entre o movimento

E o ato

Desce a Sombra

 

Pois Vosso é o Reino

 

Entre a concepção

E a criação

Entre a emoção

E a resposta

Desce a Sombra

 

A vida é por demais extensa

 

Entre o desejo

E o espasmo

Entre o poder

E a existência

Entre a essência

E a descendência

Desce a Sombra

 

Pois Vosso é o Reino

 

Pois Vossa é

A vida é

Pois Vosso é a

 

Assim o mundo chega ao fim

Assim o mundo chega ao fim

Assim o mundo chega ao fim

Não com um estrondo mas com um gemido.

 

 

 

The Hollow Men

 

Mistah Kurtz – he dead

 

I

 

We are the hollow men

We are the stuffed men

Leaning together

Headpiece filled with straw. Alas!

Our dried voices, when

We whisper together

Are quiet and meaningless

As wind in dry grass

Or rats' feet over broken glass

In our dry cellar

 

Shape without form, shade without colour,

Paralysed force, gesture without motion;

 

Those who have crossed

With direct eyes, to death's other Kingdom

Remember us – if at all – not as lost

Violent souls, but only

As the hollow men

The stuffed men.

 

II

 

Eyes I dare not meet in dreams

In death's dream kingdom

These do not appear:

There, the eyes are

Sunlight on a broken column

There, is a tree swinging

And voices are

In the wind's singing

More distant and more solemn

Than a fading star.

 

Let me be no nearer

In death's dream kingdom

Let me also wear

Such deliberate disguises

Rat's coat, crowskin, crossed staves

In a field

Behaving as the wind behaves

No nearer –

Not that final meeting

In the twilight kingdom

 

 

III

 

This is the dead land

This is cactus land

Here the stone images

Are raised, here they receive

The supplication of a dead man's hand

Under the twinkle of a fading star.

 

Is it like this

In death's other kingdom

Waking alone

At the hour when we are

Trembling with tenderness

Lips that would kiss

Form prayers to broken stone.

 

IV

 

The eyes are not here

There are no eyes here

In this valley of dying stars

In this hollow valley

This broken jaw of our lost kingdoms

 

In this last of meeting places

We grope together

And avoid speech

Gathered on this beach of the tumid river

 

Sightless, unless

The eyes reappear

As the perpetual star

Multifoliate rose

Of death's twilight kingdom

The hope only

Of empty men.

 

V

 

Here we go round the prickly pear

Prickly pear prickly pear

Here we go round the prickly pear

At five o'clock in the morning.

 

Between the idea

And the reality

Between the motion

And the act

Falls the Shadow

 

For Thine is the Kingdom

Between the conception

And the creation

Between the emotion

And the response

Falls the Shadow

 

Life is very long

 

Between the desire

And the spasm

Between the potency

And the existence

Between the essence

And the descent

Falls the Shadow

 

For Thine is the Kingdom

 

For Thine is

Life is

For Thine is the

 

This is the way the world ends

This is the way the world ends

This is the way the world ends

Not with a bang but a whimper.

domingo, 29 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 – )

 O triunfo de Aquiles*

 

Na história de Pátroclo

ninguém sobrevive, nem mesmo Aquiles

que era quase um deus.

Pátroclo se parecia com ele; usaram

a mesma armadura.

 

Sempre nessas amizades

um serve ao outro, um é menor que o outro:

a hierarquia

está sempre presente, embora as lendas

não possam ser comprovadas –

sua fonte é o sobrevivente,

aquele que foi abandonado.

 

O que eram os navios gregos incendiados

se comparados a essa perda?

 

Em sua tenda, Aquiles

sofreu com todo o seu ser

e os deuses viram que

ele já era um homem morto, uma vítima

de sua porção que amava,

a porção que era mortal.

 

 

The Triumph of Achilles

 

In the story of Patroclus

no one survives, not even Achilles

who was nearly a god.

Patroclus resembled him; they wore

the same armor.

 

Always in these friendships

one serves the other, one is less than the other:

the hierarchy

is always apparant, though the legends

cannot be trusted—

their source is the survivor,

the one who has been abandoned.

 

What were the Greek ships on fire

compared to this loss?

 

In his tent, Achilles

grieved with his whole being

and the gods saw

he was a man already dead, a victim

of the part that loved,

the part that was mortal.

 


(*) A história de Pátroclo e Aquiles é contada na Ilíada, de Homero, Cantos XVI – XVIII.

 

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Lorenzo Stecchetti (Itália: 1845 – 1916)

 

Foi numa noite como esta...

 

Foi numa noite como esta e o vento

Debalde a minha porta sacudia:

Longa como um lamento

Longe, longe a meia-noite batia,

Caía a chuva em torrente

das calhas sonoras e tu partiste.

 

Partiste para sempre, e sobre o leito,

Mordendo a colcha, a face eu pressionava:

Estrugia no peito

O soluço do pranto e eu não chorava.

Assim me abandonaste

E em nosso último adeus não me beijaste.

 

Não mais te vi depois da despedida

E nada sei de quem tu agora sejas.

Quem sabe descaída

No vitupério esperando estejas,

Parada sob a porta,

Por quem compre um beijo teu; ou estás morta.

 

Ainda que este pensar me atormente,

Não te recordas mais do que é passado,

E fruindo contente

A casta paz de um himeneu sagrado,

Beijas com devoção

Os filhos que do nosso amor não são.

 

 

Era una notte come questa...

 

 

Era una notte come questa e il vento    

Scuoteva urlando la mia porta invano:  

Lunga come un lamento                      

Mezzanotte battea lontan lontano,

Cadea la pioggia a rivi                

Dalle gronde sonore e tu partivi.

 

Tu partivi per sempre ed io sul letto,     

Col viso in giù, la coltrice mordea:        

Mi strideva nel petto                   

Il singuiozzo del pianto e non piangea.  

Così tu m’hai lasciato                                 

E il bacio dell’ addio non me l’hai dato.

Da quella notte non t’ho più veduta       

E più nulla di te non seppi mai.              
Forse tu sei caduta                             

Nel vitupero ed aspettando stai,           

Seduta sulla porta,                                                    

Chi compri il bacio tuo; forse sei morta. 

 

Forse, e questo pensier più mi tormenta,

Non ti ricordi più del tuo passato,         

E godendo contenta                   

La casta pace d'un imen beato,            

Baci col labbro pio                              

I figli d'un amor che non fu il mio.          

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Martha Rivera-Garrido (República Dominicana: 1961 – )

 

Ao que nomeiam as palavras

 

                “Muito cedo em minha vida, para mim foi muito tarde.

                Marguerite Duras

 

Minha mulher está morrendo aqui

neste dedo escuro que dá nome às coisas,

na árvore, já deixando de ser esquecimento e melancolia.

 

Só estou comendo os pedaços

que vão sobrando de mim,

enquanto procuro lembranças no cofre,

pequenos cachos de papel.

 

Eu, mulher, estou fumando minha tristeza,

corrigindo meus olhos, mentiras que sonhei,

infidelidades no jogo do amor.

 

Meus seios foram as pedras da ruína,

tições que queimaram as mãos do poema.

Solitária, vou deixando os espelhos aos meus outros:

incendiada, minha mulher morreu de morrer.

 

Da mesma forma em que me prolonguei,

com vertigem, com o terror ao ódio no sorriso,

amei.

 

(Os homens esquecem a água que os limpa do inferno.

O rosto que me alerta nos vidros é o meu).

 

Sou

Esta mulher de ar, esta pupila imbecil

que desperta as sereias e os pássaros,

este número de chumbo

que se enterra no crânio.

 

Sou também

uma careta que vai molhando sílabas,

garrancho pequeno que escorre

e entra no sonho do poema.

 

O poema sempre está só.

A saudade é palavra

no instante da morte.

 

 

Lo que Nombran las Palabras

 

                Muy pronto en mi vida, para mí fue muy tarde.
                Marguerite Duras

 

Mi mujer se está muriendo aquí
en este dedo oscuro que pone nombres a las cosas,
en el árbol, dejado ya de ser olvido y pesadumbre.

 

Sola estoy comiendo los pedazos
que van quedando de mí,
mientras intento recuerdos en el cofre,
pequeños gajos de papel.

 

Yo mujer, estoy fumando mi tristeza,
expío mis ojos, mentiras que soñé,
infieles en el juego del amor.

 

Mis senos fueron las piedras de la ruina,
tizones que quemaron las manos del poema.
Y sola voy dejando los espejos a mis otros:
incendiada, mi mujer se murió de morir.

 

De la misma forma en que me prolongué,
con vértigo, con el terror al odio en la sonrisa,
he amado.

 

(Los hombres olvidan el agua que los limpia del infierno.
El rostro que me alerta en los cristales es el mío).

 

Soy
Esta mujer de aire, esta pupila imbécil
que despierta las sirenas y los pájaros,
este número de plomo
que se entierra en el cráneo.

 

Soy también
una mueca que va mojando sílabas,
garabato pequeño que se escurre
y entra al sueño del poema.

 

El poema siempre está solo.
La soledad es palabra
en el instante de la muerte.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Martha Rivera-Garrido (República Dominicana: 1961 – )

 

Não te apaixones

 

Não te apaixones por uma mulher que lê, por uma mulher que sente intensamente, por uma mulher que escreve...

Não te apaixones por uma mulher culta, mágica, delirante, louca. Não te apaixones por uma mulher que pensa, que sabe o que sabe e mais que isso sabe voar; uma mulher segura de si mesma.

Não te apaixones por uma mulher que ri e chora ao fazer amor, que sabe transformar sua carne em espírito; e muito menos se apaixone por uma mulher que ame a poesia (essas são mais perigosas) ou que permaneça por meia hora contemplando uma pintura e que não saiba viver sem a música.

Não te apaixones por uma mulher que se interessa por política, que seja rebelde e sofra diante do imenso horror das injustiças. Que gosta de futebol e de bola e não aprecia em nada ver televisão. Nem se apaixone por uma mulher que é bela sem se importar com os traços de seu rosto e de seu corpo.

Não te apaixones por uma mulher intensa, lúdica e lúcida e irreverente. Não queiras te apaixonar por uma mulher assim. Pois quando te apaixonas por uma mulher como essa, fique ela contigo ou não, te ame ou não, de uma mulher assim, jamais escapas.

 

No te enamores

 

No te enamores de una mujer que lee, de una mujer que siente demasiado, de una mujer que escribe…

No te enamores de una mujer culta, maga, delirante, loca.

No te enamores de una mujer que piensa, que sabe lo que sabe y además sabe volar; una mujer segura de sí misma.

No te enamores de una mujer que se ríe o llora haciendo el amor, que sabe convertir en espíritu su carne; y mucho menos de una que ame la poesía (esas son las más peligrosas), o que se quede media hora contemplando una pintura y no sepa vivir sin la música.

No te enamores de una mujer a la que le interese la política y que sea rebelde y vertigue un inmenso horror por las injusticias.Una a la que le gusten los juegos de fútbol y de pelota y no le guste para nada ver televisión. Ni de una mujer que es bella sin importar las características de su cara y de su cuerpo.

No te enamores de una mujer intensa, lúdica y lúcida e irreverente.

No quieras enamorarte de una mujer así. Porque cuando te enamoras de una mujer como esa, se quede ella contigo o no, te ame ella o no, de ella, de una mujer así, jamás se regresa.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...