domingo, 23 de fevereiro de 2020

T. S. Eliot (Estados Unidos: 1888 – Inglaterra: 1965)




Dar nomes aos Gatos


Dar nomes aos gatos é difícil questão,
Não é um passatempo para os teus feriados;
Que sou louco chapeleiro não penses, não,
Pois os gatos SÃO COM TRÊS NOMES BATIZADOS.

Primeiro, há o nome que é usado no dia a dia
Tais como Bichano, Juvenal ou Festeiro
Tais como Victor, Jônatas ou Zé Maria,
Todos sensatos nomes corriqueiros.

Há os mais chiques se mais doces os queres ter,
Uns para damas, outros para cavalheiros:
Quais sejam, Zeus, Admeto, Electra, Deméter –
Porém, todos sensatos nomes corriqueiros.

Digo: um gato exige um nome particular,
Um nome peculiar, de alta distinção,
Se não, como põe a cauda perpendicular,
Eriça os bigodes, ou afaga a presunção?

Dos nomes dessa espécie, ofereço-te um quorum,
Tais como, Berzelius, Arrhenius, Kroto
Quais sejam, Bombalurina, ou então Jellylorum –
Nomes que por regra pertencem a um só gato.

Mas acima de tudo um nome existe ainda,
E esse é um nome que ninguém adivinhará;
Um nome que a pesquisa humana não deslinda –
Só O PRÓPRIO GATO O SABE, e não confessará.

Se vires a um gato em funda contemplação,
O motivo esclareço, pois sempre o consome:
Sua mente detém-se em total reflexão
Ao pensar, ao pensar, ao pensar em seu nome:

Seu inefável, afável
Inefanefável
Profundo, inescrutável e singular Nome.


The Naming Of Cats


The Naming of Cats is a difficult matter,
It isn't just one of your holiday games;
You may think at first I'm as mad as a hatter
When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.

First of all, there's the name that the family use daily,
Such as Peter, Augustus, Alonzo or James,
Such as Victor or Jonathan, George or Bill Bailey -
All of them sensible everyday names.

There are fancier names if you think they sound sweeter,
Some for the gentlemen, some for the dames:
Such as Plato, Admetus, Electra, Demeter -
But all of them sensible everyday names.

But I tell you, a cat needs a name that's particular,
A name that's peculiar, and more dignified,
Else how can he keep up his tail perpendicular,
Or spread out his whiskers, or cherish his pride?

Of names of this kind, I can give you a quorum,
Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,
Such as Bombalurina, or else Jellylorum -
Names that never belong to more than one cat.

But above and beyond there's still one name left over,
And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover -
But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.

When you notice a cat in profound meditation,
The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
Of the thought, of the thought, of the thought of his name:

His ineffable effable
Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name.




sábado, 22 de fevereiro de 2020

Blanca Varela (Peru: 1926 – 2009)




Ninguém sabe de minhas coisas

(dedicatória)

1
a ti capaz de desaparecer
de ser atormentado pelo fogo
luminoso opaco mau divino

a ti
fantasma de cada hora
mil vezes morto recém-nascido sempre
a ti capaz de fazer girar a chave
de inventar o sol em um quarto vazio

A ti afogado em um oceano de similaridade
náufrago de cada manhã
escravo proprietário de sapatos jornais
alguns livros
talvez pai ou filho
guardião de ressecados jardins de aves passageiras

a ti
observador do crepúsculo
infatigável leitor do relógio do sonho
da fatiga do tédio e da esposa
a ninguém senão a ti

2
(a qualquer hora do dia)

Em uma fogueira extinta
essa mulher sacrificada
cerrava os olhos e nos negava a alegria de sua agonia

3
E um cachorro uma gota de chuva uma família a passeio
Como em um quadro entravam para sempre na memória
uma volta de porca e outra e outra um degrau que estala
sempre à mesma altura da obscuridade
a alegria pode ser esta beberagem obscura o néon das cinco
da tarde a mais esplendorosa verdade
assim quase cegos encontrando como ninguém a miséria generosa
cruzando o muro invisíveis
mãos tão pálidas não existiram jamais em outras mãos
olhos contemplaram a tarde
e defronte ao mar negra ruína e portentosos círculos de
bruma
rodeando-nos
e os rubros rio cachorro mosca língua e a tarde rainha dos
desnudos
maldosos braços em sua varanda de cinza

4
(noite e desgosto)

tragada cruel canção de cego
a noite começa a respirar
tudo se afasta
tudo se perde

Cárcere cinema amarelinha lua de farmácia
às oito horas, às nove a às dez
convertido em um fantasma cruel beijas a mil mulheres
acaricias seus seios para os outros
dás-me asco
e é esta náusea o melhor de minha vida

5
(conversas insidiosas)

alguém diz teu nome
– és um livro interessante e falas de um herói –
anônimo certamente
há uma estrela azul no fundo de meu vaso
inesgotável estrela
deve brilhar em teus olhos toda vez que a olho
como deves rir para os outros
tu cordeiro disfarçado de cordeiro
tu lobo solitário
tu terrivelmente menino
– os belos pensamentos senhores
não ocultam o perfume da carne
havemos de transpirar nos museus como bestas
submissas bestas em seu recanto de veludo
– Picasso por exemplo...

6
(dizem-me a verdade)

Dize-me
durará este assombro?
esta letra carnal
louco círculo de dor atado ao lábio
esta diuturna catástrofe
esta malcheirosa dourada ruela sem começo nem fim
este mercado onde a morte enfeita as esquinas
com prataria corrompida e estéreis estrelas?

7
de novo tece sua impossível claridade o envenenado
sorriso solar
sentes a divina cusparada sobre a besta sentes o
fedor da rosa sentes meu coração sobre o teu?
mas tarde será tarde quando a solidão substituir o melhor
novamente teus lábios teus olhos as ruínas de tuas carícias
o mar de meu peito
a solidão “estrela de minhas noites”
ninguém sabe de minhas coisas

8
(pobres matemáticas)

Quando nada sobrar de ti e de mim
haverá água e sol
e um dia que abra as portas mais secretas
mais obscuras mais tristes
e janelas vivas como grandes olhos
despertos sobre a alegria
e não terá sido em vão que tu e eu
apenas tenhamos pensado o que outros fazem
porque alguém tem que pensar a vida


Nadie sabe de mis cosas

(dedicatoria)

1
a ti capaz de desaparecer
de ser atormentado por el fuego
luminoso opaco ruin divino

a ti
fantasma de cada hora
mil veces muerto recién nacido siempre
a ti capaz de hacer girar la llave
de inventar el sol en un cuarto vacío

a ti ahogado en un océano de semejanza
náufrago de cada mañana
esclavo propietario de zapatos periódicos
algunos libros
tal vez padre o hijo
guardián de resecos jardines de aves de paso

a ti
observador de la tarde
infatigable lector del reloj del sueño
de la fatiga del tedio de la esposa
a nadie sino a ti

2
(cualquier hora del día)

en una hoguera extinguida
esa mujer sacrificada
cerraba los ojos y nos negaba la dicha de su agonía

3
y un perro una gota de lluvia una familia de paseo
como en un cuadro entraban para siempre en la memoria
una vuelta de tuerca y otra y otra un peldaño que cruje
siempre a la misma altura de la oscuridad
la dicha puede ser este brebaje oscuro el neón de las cinco
de la tarde la más esplendorosa verdad
así casi ciegos encontrando generosa como nadie la miseria
cruzando el muro invisibles
manos tan pálidas no han existido jamás en otras manos
ni tanto calor en tanto frío ni ojos tan llenos de otros
ojos contemplaron la tarde
y frente al mar negra ruina y portentosos círculos de
bruma
rodeándonos
y el rojo lengua río perro mosca y la tarde la reina de
desnudos
malvados brazos en su balcón de ceniza

4
(noche y descontento)

pitada cruel canción de ciego
la noche comienza a respirar
todo se aleja
todo se pierde

cárcel cine amarilla luna de farmacia
a las ocho a las nueve a las diez
convertido en un fantasma cruel besas a mil mujeres
acaricias sus senos para los otros
me das asco
y es esta náusea lo mejor de mi vida

5
(conversaciones insidiosas)

alguien dice tu nombre
—es un libro interesante y habla de un héroe
anónimo por cierto
hay una estrella azul al fondo de mi vaso
inagotable estrella
debe brillar en tus ojos cada vez que la miro
cómo debes reír para los otros
tú cordero disfrazado de cordero
tú lobo a solas
tú atrozmente niño
—los bellos pensamientos señores
no ocultan el perfume de la carne
hemos de transpirar en los museos como bestias
sumisas bestias en su rincón de terciopelo
—Picasso por ejemplo...

6
(tell me the truth)

dime
¿durará este asombro?
¿esta letra carnal
loco círculo de dolor atado al labio
esta diaria catástrofe
esta maloliente dorada callejuela sin comienzo ni fin
este mercado donde la muerte enjoya las esquinas
con plata corrompida y estériles estrellas?

7
hila su imposible claridad nuevamente la envenenada
sonrisa solar
¿sientes el divino salivazo sobre la bestia sientes el
hedor de la rosa sientes mi corazón sobre el tuyo?
más tarde será tarde cuando la soledad invente lo mejor
nuevamente tus labios tus ojos las ruinas de tus caricias
el mar de mi pecho
la soledad «estrella de mis noches»
nadie sabe de mis cosas

8
(pobres matemáticas)

cuando nada quede de ti y de mí
habrá agua y sol
y un día que abra las puertas más secretas
más oscuras más tristes
y ventanas vivas como grandes ojos
despiertos sobre la dicha
y no habrá sido en vano que tú y yo
sólo hayamos pensado lo que otros hacen
porque alguien tiene que pensar la vida



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


 

O Breve Amor


Com que pura doçura
levanta-me do leito em que sonhava
profundas plantações perfumadas,

desliza os dedos por minha pele e delineia-me
no espaço, no ar, até que o beijo
descanse subjugado e recorrente,

para que o fogo lento comece
a dança cadenciada da fogueira
entretecendo-se em rajadas, em hélices,
o vaivém de um furacão de fumaça...

Por que, depois,
o que resta de mim
é tão somente um afogar-se entre as cinzas
sem um adeus, sem nada mais que um gesto
de libertar as mãos?


El breve amor


Con qué tersa dulzura
me levanta del lecho en que soñaba
profundas plantaciones perfumadas,

me pasea los dedos por la piel y me dibuja
en el espacio, en vilo, hasta que el beso
se posa curvo y recurrente,

para que a fuego lento empiece
la danza cadenciosa de la hoguera
tejiéndose en ráfagas, en hélices,
ir y venir de un huracán de humo...

¿Por qué, después,
lo que queda de mí
es sólo un anegarse entre las cenizas
sin un adiós, sin nada más que el gesto
de liberar las manos?



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


 

Os Amantes


Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam pelas mãos, algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e no alto está a noite plena de olhos. 

São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo às mortes da relva, rumo aos portos
que se abrem entre lençóis.
Tudo se desordena por seu intermédio,
tudo encontra seu código escamoteado;
no entanto eles sequer cogitam
que enquanto circulam em sua amarga arena
há uma pausa na construção do nada,
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes lassos se olham e se tocam
por uma vez mais antes de cheirar o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E é só então
quando estão mortos, quando estão vestidos,
que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os deveres cotidianos.


Los Amantes


¿Quién los ve andar por la ciudad
si todos están ciegos?
Ellos se toman de la mano: algo habla
entre sus dedos, lenguas dulces
lamen la húmeda palma, corren por las falanges,
y arriba está la noche llena de ojos.

Son los amantes, su isla flota a la deriva
hacia muertes de césped, hacia puertos
que se abren entre sábanas.
Todo se desordena a través de ellos,
todo encuentra su cifra escamoteada;
pero ellos ni siquiera saben
que mientras ruedan en su amarga arena
hay una pausa en la obra de la nada,
el tigre es un jardín que juega.

Amanece en los carros de basura,
empiezan a salir los ciegos,
el ministerio abre sus puertas.
Los amantes rendidos se miran y se tocan
una vez más antes de oler el día.

Ya están vestidos, ya se van por la calle.
Y es sólo entonces
cuando están muertos, cuando están vestidos,
que la ciudad los recupera hipócrita
y les impone los deberes cotidianos.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...