Averno
– 12/18
Rotunda azul
Estou cansada de ter mãos
ela disse
eu quero asas –
Mas o que você fará sem suas mãos
para ser humana?
Estou cansada de ser humana
disse
quero viver no sol –
·
Apontando a si mesma:
Não aqui.
Não há bastante
calor neste lugar.
Céu azul, gelo azul
a rotunda azul
erguida sobre
a rua plana –
e depois, após breve silêncio:
·
Quero
meu coração de volta
quero sentir tudo de novo –
Isto é o que
o sol quis dizer: quis dizer
esturricado –
·
Afinal não é
interessante lembrar.
O dano
não é interessante.
Ninguém que então me conheceu
ainda está vivo.
Minha mãe
foi uma bela mulher –
assim disseram todos.
·
Tenho de imaginar
tudo o que
ela disse
tenho de agir
como se na verdade houvesse
um mapa para aquele lugar:
quando você
era criança –
·
E depois:
aqui estou
porque não era verdade; eu
eu a falseei –
·
eu quero ela disse
uma teoria que explique
tudo
no olho de minha mãe
a invisível
farpa de lâmina
o gelo azul
preso na íris –
·
Depois:
quero que isso
seja minha culpa
ela disse
para que eu possa consertar –
·
Céu azul,
gelo azul,
a rua como um
rio congelado
você está falando
de minha vida
ela disse
·
exceto
ela disse
que você tem de consertá-la
na ordem correta
sem tocar no pai
até desvendar a mãe
·
um espaço escuro
mostrando
onde a palavra termina
como uma palavra-cruzada que significa
você deveria tomar fôlego agora
o espaço escuro que significa
quando você
era criança –
·
E depois:
o gelo
estava lá para sua própria proteção
para ensiná-la
a não sentir –
a verdade
ela disse
pensei que ela seria como
um alvo, você veria
o centro –
·
Luz fria preenchendo o quarto.
Sei onde estamos
ela disse
aquela é a janela
de quando eu era criança
Aquele é meu primeiro lar, ela disse
a caixa quadrada –
vá em frente e ria.
Como o interior de minha cabeça:
você pode mostrar a saída
mas não pode sair –
·
Apenas pense que
o sol estava lá, naquele lugar vazio
o sol de inverno
não muito próximo para alcançar
os corações das crianças
a luz dizendo
você pode mostrar
a saída
mas você não
pode sair
Este, diz,
este é o lugar a que todas as
coisas pertencem.
Blue Rotunda
I am tired of
having hands
she said
I want wings –
But what will you
do without your hands
to be human?
I am tired of
human
she said
I want to live on the sun –
Pointing to
herself:
Not here.
There is not enough
warmth in this place.
Blue sky, blue ice
the blue rotunda
lifted over
the flat street –
and then, after a
silence:
I want
my heart back
I want to feel everything again –
That’s what
the sun meant: it meant
scorched –
It is not finally
interesting to remember.
The damage
is not
interesting.
No one who knew me then
is still alive.
My mother
was a beautiful woman –
they all said so.
I have to imagine
everything
she said
I have to act
as though there is actually
a map to that place:
when you were a
child –
And then:
I’m here
because it wasn’t true; I
distorted it –
I want she said
a theory that explains
everything
in the mother’s
eye
the invisible
splinter of foil
the blue ice
locked in the iris –
Then:
I want it
to be my fault
she said
so I can fix it –
Blue sky, blue
ice,
street like a frozen river
you’re talking
about my life
she said
except
she said
you have to fix it
in the right order
not touching the father
until you solve the mother
a black space
showing
where the word ends
like a crossword saying
you should take a breath now
the black space
meaning
when you were a child –
And then:
the ice
was there for your own protection
to teach you
not to feel –
the truth
she said
I thought it would
be like
a target, you would see
the center –
Cold light filling
the room.
I know where we
are
she said
that’s the window
when I was a child
That’s my first
home, she said
that square box –
go ahead and laugh.
Like the inside of
my head:
you can see out
but you can’t go out –
Just think
the sun was there, in that bare place
the winter sun
not close enough to reach
the children’s hearts
the light saying
you can see out
but you can’t go out
Here, it says,
here is where everything belongs.