O Trompetista
Místico
OUVI! um certo trompetista impetuoso - certo músico
singular
No ar pairando incógnito, faz vibrar na noite
imprevisíveis melodias.
Ouço-te, trompetista - concentrado e atento, capto
tuas notas,
Que ora fluem, voluteiam como uma tempestade ao meu
redor,
Ora são graves, suavizadas - ora ao longe se
perdem.
Aproxima-te, ser incorpóreo - por sorte em ti
ressoa
algum compositor já morto - por sorte tua
existência meditativa
Foi contemplada com elevadas inspirações - ideais
incompletos,
Ondas, músicas oceânicas, que se avolumam
caoticamente,
E agora, estática aparição que ao meu lado se
inclina, tua corneta ecoando,
repicando,
É para os meus ouvidos e os de mais ninguém –
gratuita para os meus,
Para que eu possa traduzir-te.
Soa trompetista, livremente e com clareza –
acompanho-te,
Enquanto em teu liquefeito prelúdio, feliz, sereno,
O mundo inquieto, as ruas, as horas ruidosas do dia
retrocedem.
Uma sagrada tranquilidade sobre mim descende como o
orvalho.
Percorro, numa noite calma e refrescante, a senda
do Paraíso,
Sinto o cheiro da grama, a umidade do ar e das
rosas;
Tua canção consome o meu espírito entorpecido e
desarticulado - tu me libertas, transportas-me,
Para o lago do Céu em que flutuo e me deleito.
Soa de novo, trompetista e aos meus olhos sensuais
Apresenta os antigos cortejos suntuosos – apresenta
o mundo feudal.
Quanto encantamento tua música produz! – fizeste
com que desfilassem a minha frente,
Damas e fidalgos há muito falecidos - barões nos
salões dos seus castelos – os trovadores estão cantando;
Cavaleiros armados partem para reparar malefícios -
alguns em busca do Santo Graal:
Assisto à contenda - vejo os contendores,
encasulados em pesadas armaduras, acomodados sobre cavalos imponentes, fogosos;
Ouço os gritos - os sons dos golpes e os embates
dos aços:
Vejo os tumultuosos exércitos dos Cruzados - Ouvi!
como os címbalos soam!
Atenta! os monges caminham à frente, erguendo a
cruz!
Soa de novo, trompetista! e como tema,
Toma agora o mais perfeito tema de encerramento - o
que elimina e ajusta;
O amor, que é o pulsar de tudo – o sustento e a dor
repentina;
O coração de todo homem e toda mulher, tudo pelo
amor;
Nenhum outro tema exceto o amor – entretecido,
envolvente, o todo-difusível amor.
Oh, como os imortais fantasmas aglomeram-se a minha
volta!
Vejo o vasto alambique sempre em atividade – vejo e
conheço as chamas que aquecem o mundo;
O brilho, o rubor, os corações palpitantes dos
amantes,
Tão bem-aventurados alguns – e alguns tão calados,
sombrios, avizinhados da morte;
O amor, para os amantes ele é tudo na terra – O
amor, ele é sol e lua e estrelas;
Não mais outras palavras, mas palavras de amor –
nenhum outro pensamento exceto Amor.
Soa de novo, trompetista – conjura das guerras os
clamores.
Ágil em seu fascínio, um estremecido estrondo de
trovão ressoa;
Atenta! onde homens armados se apressam – Atenta!
por entre nuvens de pó, as cintilações das baionetas;
Vejo os artilheiros de faces imundas – assinalo o
rosáceo lampejo em meio à fumaça – Ouço o estrépito das armas:
- Nem só da guerra – tua temerosa canção musical,
executante impetuoso, traz todas as visões do medo,
Os feitos de brutais salteadores – rapina, morte –
ouço os gritos de socorro!
Vejo navios indo a pique no mar – contemplo no
convés, e abaixo dele, as cenas terríveis.
Oh, trompetista! penso que sou, eu próprio, o
instrumento que tocas!
Tu derreteste o meu coração, o meu cérebro – tu a
eles comoveste, desentranhaste, transformaste à vontade:
Tu extinguiste toda a luz do encorajamento – toda a
esperança:
Vejo o escravizado, o derrotado, o ferido, o
oprimido de toda a terra;
Sinto a vergonha imensurável e a humilhação da
minha raça – ela fez-se minha;
Minhas também as vinganças da humanidade – os
malefícios das eras – perplexas inimizades inveteradas e ódios;
Sinto o peso da derrota total – tudo perdido!
triunfante o inimigo!
(Ainda assim, o Orgulho colossal entre ruínas
mantém-se impávido, inabalável até o fim,
Resistência, firmeza, até o fim!)
Agora, trompetista, como fechamento,
Concede um esforço mais alto que qualquer outro
ainda;
Canta para a minh' alma – renova a fé e a esperança
que enlanguescem;
Inflama minha crença derrotada – dá-me alguma visão
do futuro;
Dá-me, por uma única vez, sua profecia e alegria.
Oh, feliz, exultante, culminante canção!
Um vigor maior que o da terra soa em suas notas!
Marchas de vitória – homem desencantado –
finalmente conquistador!
Hinos ao Deus universal, entoados pelo Homem
universal – toda a alegria!
Arruaceiros, hilariantes bacanais, transbordantes
de alegria!
Findos a guerra, a dor, o sofrimento – a
malcheirosa terra purgada – exceto pela alegria, nada mais restou!
O oceano repleto de alegria, adoração, amor!
Alegria no êxtase da vida!
Suficiente para apenas ser! Suficiente para
respirar!
Alegria! Alegria! Alegria por toda a parte!
The Mystic
Trumpeter
HARK! some wild trumpeter—some strange musician,
Hovering unseen in air, vibrates capricious tunes
to-night.
I hear thee, trumpeter—listening, alert, I catch
thy notes,
Now pouring, whirling like a tempest round me,
Now low, subdued—now in the distance lost.
Come nearer, bodiless one—haply, in thee resounds
Some dead composer—haply thy pensive life
Was fill’d with aspirations high—unform’d ideals,
Waves, oceans musical, chaotically surging,
That now, ecstatic ghost, close to me bending, thy
cornet echoing, pealing,
Gives out to no one’s ears but mine—but freely
gives to mine,
That I may thee translate.
Blow, trumpeter, free and clear—I follow thee,
While at thy liquid prelude, glad, serene,
The fretting world, the streets, the noisy hours of
day, withdraw;
A holy calm descends, like dew, upon me,
I walk, in cool refreshing night, the walks of
Paradise,
I scent the grass, the moist air, and the roses;
Thy song expands my numb’d, imbonded spirit—thou
freest, launchest me,
Floating and basking upon Heaven’s lake.
Blow again, trumpeter! and for my sensuous eyes,
Bring the old pageants—show the feudal world.
What charm thy music works!—thou makest pass before
me,
Ladies and cavaliers long dead—barons are in their
castle halls—the troubadours are singing;
Arm’d knights go forth to redress wrongs—some in
quest of the Holy Grail:
I see the tournament—I see the contestants, encased
in heavy armor, seated on stately, champing horses;
I hear the shouts—the sounds of blows and smiting
steel:
I see the Crusaders’ tumultuous armies—Hark! how
the cymbals clang!
Lo! where the monks walk in advance, bearing the
cross on high!
Blow again, trumpeter! and for thy theme,
Take now the enclosing theme of all—the solvent and
the setting;
Love, that is pulse of all—the sustenace and the
pang;
The heart of man and woman all for love;
No other theme but love—knitting, enclosing,
all-diffusing love.
O, how the immortal phantoms crowd around me!
I see the vast alembic ever working—I see and know
the flames that heat the world;
The glow, the blush, the beating hearts of lovers,
So blissful happy some—and some so silent, dark,
and nigh to death:
Love, that is all the earth to lovers—Love, that
mocks time and space;
Love, that is day and night—Love, that is sun and
moon and stars;
Love, that is crimson, sumptuous, sick with
perfume;
No other words, but words of love—no other thought
but Love.
Blow again, trumpeter—conjure war’s Wild alarums.
Swift to thy spell, a shuddering hum like distant
thunder rolls;
Lo! where the arm’d men hasten—Lo! mid the clouds
of dust, the glint of bayonets;
I see the grime-faced cannoniers—I mark the rosy
flash amid the smoke—I hear the cracking of the guns:
—Nor war alone—thy fearful music-song, wild player,
brings every sight of fear,
The deeds of ruthless brigands—rapine, murder—I
hear the cries for help!
I see ships foundering at sea—I behold on deck, and
below deck, the terrible tableaux.
O trumpeter! methinks I am myself the instrument
thou playest!
Thou melt’st my heart, my brain—thou movest,
drawest, changest them, at will:
And now thy sullen notes send darkness through me;
Thou takest away all cheering light—all hope:
I see the enslaved, the overthrown, the hurt, the
opprest of the whole earth;
I feel the measureless shame and humiliation of my
race—it becomes all mine;
Mine too the revenges of humanity—the wrongs of
ages—baffled feuds and hatreds;
Utter defeat upon me weighs—all lost! the foe
victorious!
(Yet ’mid the ruins Pride colossal stands, unshaken
to the last;
Endurance, resolution, to the last.)
Now, trumpeter, for thy close,
Vouchsafe a higher strain than any yet;
Sing to my soul—renew its languishing faith and
hope;
Rouse up my slow belief—give me some vision of the
future;
Give me, for once, its prophecy and joy.
O glad, exulting, culminating song!
A vigor more than earth’s is in thy notes!
Marches of victory—man disenthrall’d—the conqueror
at last!
Hymns to the universal God, from universal Man—all
joy!
A reborn race appears—a perfect World, all joy!
Women and Men, in wisdom, innocence and health—all
joy!
Riotous, laughing bacchanals, fill’d with joy!
War, sorrow, suffering gone—The rank earth
purged—nothing but joy left!
The ocean fill’d with joy—the atmosphere all joy!
Joy! Joy! in freedom, worship, love! Joy in the
ecstacy of life!
Enough to merely be! Enough to breathe!
Joy! Joy! all over Joy!