sábado, 5 de dezembro de 2020

Rosario Ferré (Porto Rico: 1938 – 2016)

 


 

A página em branco

 

À sua frente um turbilhão de palavras

embate-se em corpo a corpo.

É necessário escolher uma,

apanhá-la em uma rede de fios,

analisá-la, defini-la,

contorná-la e espetá-la

com a ponta do lápis

ou da caneta

ver se sangra

ou se tem água nas veias,

se chora ou ri pelas noites,

se a ajudará a ser poeta

ou se será necessário um escalpelo

para chegar-se ao fundo do coração humano.

A página em branco é uma vereda que se afasta

uma promessa não cumprida quando está longe,

efêmero campo que um dia a agasalhará com lápide esguia.

Agora mesmo, alçada à lombada em repouso

aguarda a chegada da onda precisa,

que lhe permitirá deslizar

por seu declive vertiginoso.

Avista-a se aproximando

e o coração sobe à garganta:

será absolutamente feliz

se conseguir ultrapassar a crista da onda

ainda que nunca chegue a pôr os pés na orla.

 

 

La Página en Blanco

 

Frente a ella una muchedumbre de palabras

se debate cuerpo a cuerpo.

Es necesario escoger una,

atraparla en una red de hilos,

analizarla, precisarla,

darle vuelta y pincharla

con la punta del lápiz

o de la pluma

para ver si sangra

o tiene agua en las venas,

si llora o ríe en las noches,

si la ayudará a ser poeta

o si necesitará el escalpelo

para llegar al fondo del corazón humano.

La página en blanco es una senda que se aleja

una promesa no cumplida en la distancia,

breve campo que la arropará algún día con leve lápida.

Ahora mismo, subida a su lomo en reposo

aguarda la llegada de la onda precisa,

que le permitirá deslizarse

por su vertiginosa pendiente.

La ve venir

y el corazón se le sube a la garganta:

será absolutamente feliz

si logra rebasar la cresta de esta ola

aunque nunca llegue a pisar la costa.

 

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