quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Hebert Abimorad (Paraguai: 1946 – )



O grito, de Edward Munch


Uma passarela, três figuras e dois barcos
a primeira figura mais à frente

seus olhos e sua boca
são órbitas sem conteúdo
que podem ver e surpreender-se
mas o que vê
é um grito de horror?
é um grito de surpresa?
é o grito
é o grito primevo
ou é a transformação de surpresa em horror
não é lamento
vacila uma luz no redemoinho dos barcos
das sombras azuladas
perguntam por ti
para levar-te a algum lugar
ao lugar dos barcos
lá ao longe
é outra luz
um redemoinho reluzente
te espera.

descobriste suas intenções
e eles se aproximam e teu corpo bamboleia
e tuas mãos apertam teu rosto
que horror
ausência de exclamação

a humanidade ante teus olhos
uma mulher contempla ao longe
mas não intervém
consternação
não te ajudará
permanece tesa
fora do quadro

e eles se aproximam
pela passarela
só te separa o azul
que lentamente se obscurece
querendo conquistar o verde

e às tuas costas a luz reluzente
rubra de tua salvação
corre
liberta-te de tua rigidez
de teu corpo obscuro
moribundo
de teu rosto pálido alterado
tua solidão não infunde piedade
tu a provocaste
e eles se aproximam
mergulha no verde
salva o resto

o de chapéu parece mais decidido
um passo à frente de sua companheira

três varandas te separam

não me olhes
se é que me olhas
estou fora de ti
no te posso ajudar
estou fora
da tela

de onde vem a passarela
na que três figuras
são um destino

Aonde vai a passarela?
Afinal o que encontrarás?

a distância
a esperança é avermelhada
a distância os barcos
esperam
por eles ali
bloqueando o caminho
bloqueando o olhar

queres cavalgar sobre um cavalo
desbocado
e fugir
mas não podes
o terror paralisa
és um S que quer escapar
da tela
com dois braços
e duas mãos que suportam o peso
de um olhar que já não é
tua cabeça é uma só imagem
que queres triturar

são todos os gritos acumulados
é teu grito
gritas
teus olhos querem ver
descobrir algum indício de mentira
estão vazios
ondulações de cores
por toda parte
teu corpo ondula
teu grito é o pesadelo
de todos
tua palidez
é a palidez de nossas consciências
vaga o mar
o alaranjado ensolarado ao longe
não ouve o grito
não ouve nosso grito


El grito de Edvard Munch


una pasarela, tres figuras y dos barcos
la primera figura adelantada

sus ojos y su boca
son órbitas sin contenido
que pueden ver y sorprenderse
pero qué ve
¿es un grito de horror?
¿es un grito de sorpresa?
es el grito
es el yo primitivo
o eres la transformación de sorpresa en horror
no es lamento
titubea una luz en el remolino de los barcos
dos sombras azuladas
preguntan por ti
para llevarte a algún lugar
al lugar de los barcos
allá a lo lejos
es otra luz
un remolino reluciente
te espera

descubriste sus intenciones
y ellos se acercan y tu cuerpo bambolea
y tus manos aprietan tu cara
qué horror
ausencia de exclamación

la humanidad ante tus ojos
una mujer contempla a lo lejos
pero no interviene
consternación
no te ayudará
se queda tiesa
fuera del cuadro

y ellos se aproximan
por la pasarela
sólo te separa el azul
que lentamente se oscurece
queriendo conquistar el verde

y a tu espalda la luz reluciente
roja de tu salvación
corre
libérate de tu rigidez
de tu cuerpo oscuro
moribundo
de tu rostro pálido alterado
tu soledad no infunde piedad
tú lo provocaste
y ellos se acercan
zambúllete en le verde
salva el resto

el del sombrero parece más decidido
le lleva un paso a su compañera

tres barandas te separan

no me mires
si es que me miras
estoy fuera de ti
no te puedo ayudar
estoy fuera
del lienzo

de adónde viene la pasarela
en la que tres figuras
son un destino

¿adónde va la pasarela?
¿al final qué encontrarás?

a lo lejos
la esperanza es rojiza
a lo lejos los barcos
esperan
pero ellos allí
siempre allí
obstaculizando el camino
obstaculizando la mirada

quieres cabalgar sobre un caballo
desbocado
y huir
pero no puedes
el terror paraliza
eres un S que quiere escapar
del lienzo
con dos brazos
y dos manos que soportan el peso
de una mirada que ya no es
tu cabeza es una sola imagen
que quieres triturar

son todos los gritos acumulados
es tu grito
gritas
tus ojos quieren ver
descubrir algún indicio de mentira
están vacíos
ondulaciones de colores
por doquier
tu cuerpo ondula
tu grito es la pesadilla
de todos
tu palidez
es la palidez de nuestras conciencias
vaga el mar
el anaranjado soleado a lo lejos
no oye el grito
no oye nuestro grito.



terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Amanda Pedrozo (Paraguai: 1955 – )




Reflexão


Se não tivesse
este enxame de amor em meu peito
seria perfeito
viver a teu lado com tranquilidade
como se recomenda
desaparecer contando-te histórias
a respeito de netos e de inseticidas.

Se não tivesse
os pés incontroláveis
seria edificante
roerem-me as perguntas
esperar-te quieta
com uma sombra leve nas mãos
lixando as unhas.

Se não tivesse
traumas e pecados mortais
provavelmente
estaria cometendo padres-nossos
e em silêncio
buscaria entre as sacras palavras
alguma que permitisse a desobediência.

Se não tivesse
tantos argumentos indecentes
estaria perquirindo
como o tédio
cresce
e não seria esta que em ti pensa agora
sobre outro corpo
e outra rua
em outra noite.

  
Reflexión


Si no tuviera
este enjambre de amor en el pecho
sería perfecto
vivir a tu lado buenamente
como se recomienda
palidecer contándote cuentos
acerca de nietos y de insecticidas.

Si no tuviera
los pies incontrolables
sería edificante
comerme las preguntas
esperarte quieta
con una sombra leve en las manos
limándose las uñas.

Si no tuviera
traumas y pecados inmortales
probablemente
estaría cometiendo padrenuestros
y en silencio
buscaría entre las sacaras palabras
alguna que permitiera la desobediencia.

Si no tuviera
tantos argumentos indecentes
estaría mirando
cómo el aburrimiento
crece
y no sería ésta que te piensa ahora
sobre otro cuerpo
y otra calle
en otra noche.



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Amanda Pedrozo (Paraguai: 1955 – )





Cópula


A cópula é uma árvore louca e triste
onde floresce repentinamente
esse nada que se espalha da carne
até a pele e o grito.
A cópula é uma faca de angústia
fracionando em milésimos de júbilo.
É uma dor em tosca dissimulação
uma perdida redondez de ausência
um tempo sem pulsação.
É de um súbito querer lançar o corpo
para além do corpo
reconhecermo-nos em outro curso antigo
infinitamente mais aberto
e mais impenetrável.
É quase derramar o sangue
numa cega profusão de giros
imagens e rostos.
A cópula é a esperança negativa
que traz a si mesma
e recomeça infalivelmente
em sua própria fraqueza.
Nós copulativos
dadivosos e obstinadamente inóspitos
água ou chamas
certeza de existir simplesmente
e apesar de manchados de cinza
futuros cadáveres.
A cópula é um túnel enganoso e rápido
é fazer caretas defronte o espelho.
querer foder a morte
em uma esquina ávida e sem luzes,
tornar-se repetidamente
muro e milagre
abismo e canto
silêncio, tumulto.


Cópula


La cópula es un árbol loco y triste
donde florece repentinamente
esa nada que se esparce desde la carne
hasta la piel y el grito.
La cópula es un cuchillo de angustia
fraccionado en milésimas de júbilo.
Es un dolor en tosco disimulo
una perdida redondez de ausencia
un tiempo sin pulso.
Es de golpe querer lanzar el cuerpo
lejos del cuerpo
reconocernos en otro cauce antiguo
infinitamente más abierto
y más impenetrable.
Es casi derramar la sangre
en una ciega profusión de giros
imágenes y rostros.
La cópula es la esperanza negativa
que se traga a sí misma
y se recomienza sin falta
en su propio lamido.
Nosotros copulativos
dadivosos o tercamente inhóspitos
agua o llamas
corteza de existir simplemente
y sin embargo borrosos de cenizas
futuros cadáveres.
La cópula es un túnel engañoso y rápido
es hacerle muecas al espejo.
querer joder a la muerte
en una esquina ávida y sin luces,
volvernos repetidamente
muro y milagro
abismo y canto
silencio, tumulto.



domingo, 2 de fevereiro de 2020

Ester de Izaguirre (Paraguai: 1923 – 2016)



Crisol

Se pudesse criar-me novamente,
acrisolar-me inteira em uma frágua
e ser desde a origem, e para sempre,
diáfana, opalescente fibra d’água.

Se pudesse trazer aos seus verdores
a flor que me podou a aleivosia,
caminhar para trás, com os bridões
que hoje acalmaram minha fantasia.

Se por obra de inéditos prodígios,
recuperasse as horas já passadas,
e afundasse-me no tempo e os vestígios

refazendo o olhar e o gesto baldios,
isto que ora sou, seria um fantasma
feito de perfeição e de extravios.


Crisol


Si pudiera crearme nuevamente,
acrisolarme entera en una fragua
y ser desde mi origen, para siempre,
diáfana y opalina fibra de agua.

Si pudiera traer a sus verdores
la flor que resegó mi alevosía,
sucederme hacia atrás, con los bridones
que sofrenaron hoy mi fantasía.

Si por obra de inéditos prodigios,
retuviera las horas ya pasadas,
y me hundiera en el tiempo y los vestígios

rehaciendo el gesto y el mirar baldíos,
esto que ahora soy, sería un fantasma
hecho de perfección y de extravíos.



sábado, 1 de fevereiro de 2020

Ester de Izaguirre (Paraguai: 1923 – 2016)




Porto


As luzes dos navios ancorados na enseada
trituram minha sombra sobre a pedra impávida;
O Cruzeiro do Sul, inútil, solitário, sinaliza
um flanco dolorido e uma rota quebrada.

Aderem-se meus desejos aos barcos que se vão
e dividida inteira me vejo desde longe:
vislumbro minha silhueta que não agita lenços
nem libera os beijos que morrem em suas mãos.

E persisto cravada como a cruz deicida,
cunhada em meus braços a dupla desventura
de brindar com os outros meu adeus de despedida,

quando minha nave à sorte pensava lançar
ainda que em sombrias praias naufrague, jungida,
e o vento seus audazes mastros venha a quebrar.


Puerto


Las luces de los buques anclados en la rada
desmenuzan mi sombra sobre la piedra impávida;
la Cruz del Sur, inútil, señala solitaria
un flanco dolorido y una ruta quebrada.

Se adhieren mis deseos a los barcos lejanos
y dividida entera me veo desde lejos:
vislumbro a mi silueta que no agita pañuelos
ni libera a los besos que mueren en sus manos.

Y persisto clavada como a la cruz deicida,
acuñando en mis brazos la doble desventura
de brindar a los otros mi adiós de despedida,

cuando quisiera hacerse mi nave a la ventura
aunque en umbrosas playas naufrague, sometida,
y el viento despedace su audaz arboladura.




sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Álvaro Miranda Buranelli (Uruguai: 1948 – )




Ária

de repente, no meio da apresentação, cantou
ninguém o havia convidado, era uma peça enfadonha
mas a voz começou a sair sozinha e teve que parar
e cantou, ainda que não soubesse cantar, e os cicios iam e vinham
para fazê-lo calar-se, que não cantasse, foi um instante 
crítico
na parte principal do conflito dramático, o clímax, a maior
tensão,
ele não queria cantar, era um uruguaio típico e educado por
costume
não queria ser ponto fora da norma, ser o diferente
a quem apontavam com o dedo: ai, ai, esse, esse...
foi sua culpa se a voz saiu por si só e começou a crescer?
havia uma longa história de repressão em todas as suas vidas,
nessas vida que assistiam à apresentação
por que havia de romper a monótona harmonia dos
tempos?
essa atitude rangente? não cantaria melhor, só, no banheiro?
por que começou a cantar no meio da apresentação?
os outros haviam pago para ver a apresentação, nunca
para ouvi-lo,
os outros haviam destinado parte de seu valioso tempo para ver
a apresentação,
não haviam se vestido tão bem para ouvi-lo cantar
não estavam para cantos e – era o canto de quem? –
sim. – quem cantava? – que se calara, que deixara avançar
a apresentação
até o desenlace, queriam saber quem era o assassino
ou rir, rir de quem era o assassino
a quem importava que ele cantasse?
mas a voz saiu, débil e estranha a princípio
misteriosa depois, como um fio sublime que passara
por todas as costas,
a voz foi, no meio da apresentação, e os outros
sons se apagaram


Aria


de pronto, en medio de la representación, cantó
nadie lo había invitado, no era una pieza aburrida
pero empezó a salirle sola la voz y tuvo que pararse
y cantó, aunque no sabía cantar, y los siseos iban y venían
para hacerle callar, que no cantara, fue en un instante
crítico
en el nudo del conflicto dramático, el clímax, la mayor
tensión,
él no quería cantar, era un uruguayo típico y educado por
la costumbre
no quería irse fuera de la norma, ser el diferente
que lo señalaran con el dedo: ahí, ahí, ése, ése…
¿fue su culpa si la voz salió sola y empezó a crecer?
había una larga historia de represión en todas sus vidas,
en esas vidas que miraban la representación
¿por qué tenía que romper la monótona armonía de los
tiempos?
¿esa actitud rechinante? ¿no cantaría mejor, solo, en el baño?
¿por qué empezó a cantar en medio de la representación?
los otros habían pagado para ver la representación, nunca
para oírlo,
los otros habían destinado parte de su valioso tiempo a ver
la representación,
no se habían vestido tan bien para oirlo cantar
no estaban para cantos y ¿era el canto de quién?
sí. ¿quién cantaba?, que se callara, que dejara avanzar
la representación
hacia el desenlace, querían saber quién era el asesino
o reírse, reírse de quien era el asesino
¿a quién le importaba que él cantara?
pero la voz le salió, débil y extraña al principio
misteriosa después, como un hilo sublime que recorriera
todas las espaldas,
la voz fue, en medio de la representación, y los otros
sonidos se apagaron.




Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...