sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Mercedes Durand (El Salvador: 1933 – 1999)

 

As mãos e os séculos

 

E eis que esse passado de súbito se faz presente. Que apalpo e aspiro.

Que vislumbro agora a estupefaciente possibilidade de viajar no tempo

como outros viajam no espaço.

Alejo Carpentier

 

Vou dizer-lhe tudo

Como o viu o bisão

E o esculpiu nas rochas

O homem de Altamira

Sou o lume do tempo

E o coração do mundo.

Sou um ser sem idades

Sem cálculos

Sem pressa

Sem relógios de areia

Sem sandálias

Sem báculos

E sem abecedários.

Viajei assombros

Borrascas

Ansiedades

E olhares perplexos

E vozes guturais

E alegrias informes

E modos desprendidos

Da urgência e da fome

Vi arder o fogo

E estalar os seixos

E correr o antílope

E recolher bolotas

Em paisagens de taiga.

Vou dizer-lhe tudo

Com palavra fáceis

E soltarei a língua

Como um pequeno pássaro

Vou dizer-lhe tudo.

Hei de esvaziar um cântaro.

Mais tarde

Com o tempo

Cobrir-me-á a relva

Assumir-me-á o silêncio

E cessar-se-ão meus passos.

  


Las Manos y los Siglos

 

Y he aquí que ese pasado de súbito se hace presente. Que lo palpo y aspiro. Que vislumbro ahora la estupefaciente posibilidad de viajar en el tiempo como otros viajan en el espacio.

Alejo Carpentier

 

Voy a decirlo todo

Como lo vio el bisonte

Y lo esculpió en las rocas

El hombre de Altamira

Soy la lumbre del tiempo

Y el corazón del mundo.

Soy un ser sin edades

Sin cálculos

Sin prisas

Sin relojes de arena

Sin sandalias

Sin báculos

Y sin abecedarios.

Soy un sin tiempo sin tiempo.

He recorrido asombros

Borrascas

Ansiedades

Y miradas perplejas

Y voces guturales

Y alegrías informes

Y formas desprendidas

De la urgencia y del hambre

He visto arder el fuego

Y estallar los guijarros

Y correr el antílope

Y recoger bellotas

En paisajes de taiga.

Voy a decirlo todo

Con palabra sencilla

Y soltaré mi lengua

Como un pequeño pájaro

Voy a decirlo todo.

He de vaciar un cántaro.

Más tarde

Con el tiempo

Me cubrirá la hierba

Me asumirá el silencio

Y cesarán mis pasos.



quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Mercedes Durand (El Salvador: 1933 – 1999)

 

Soneto

 

Este ignorar a face do futuro,

este ser o ser que se pretendia

este ir-se constante sem uma via

é como estar sem um estar seguro.

 

Este viver se atirando no muro

do sobressalto, da noite e da espera,

é um negar a vida verdadeira

é um temor secreto, néscio, impuro.

 

Este sentir angústia desmedida

ante o passo inicial da alvorada

que consigo traz a alma pressentida.

 

É um querer fugir-se de si mesmo,

é um cobrir a luz de uma portada,

é um permanecer constante no abismo...

  

Soneto

 

Este ignorar el rostro del futuro,

este no ser el ser que se quisiera

este ambular sin ruta duradera

es un estar sin un estar seguro.

 

Este vivir golpeándose en el muro

del miedo, de la noche y de la espera,

es un negar la vida verdadera

es un temor secreto, necio, impuro.

 

Este sentir angustia desmedida

ante el paso inicial de la mañana

portadora del alma presentida.

 

Es un querer fugarse de sí mismo,

es un cubrir la luz de una ventana,

es un permanecer en el abismo...



domingo, 6 de setembro de 2020

Stella Sierra (Panamá: 1917 – 1997)

 


 Alegria, alegria

 

Sente meu coração uma alegria

rara, à flor da pele – vaso de essência –;

ainda que eu desnudasse sua presença

seu corpo nu, integral, me cegaria.

 

És esta milagrosa sinfonia

do meu riso e da dança, adolescência

em meu sereno curso de inocência,

pião de luz e pétala de um dia.

 

Avidez de sonhar, tenra canção,

rosa de céu de ilusão, carrilhão

que em minha cela íntima amor invoca!

 

Em meu coração ele goza tanto

que se eu intento convertê-lo em pranto

o riso assaltará a minha boca.

 


Alegría, alegría

 


Siente mi corazón una alegría

extraña, a flor de piel — vaso de esencia —;

aunque yo desnudase su presencia

su desnudo integral me cegaría.

 

Es esta milagrosa sinfonía

de mi risa y mi danza, adolescencia

en mi sereno rumbo de inocencia,

trompo de luz y pétalo de un día.

 

¡Inquietud de soñar, canción temprana,

rosa de cielo y de ilusión, campana

que en mi celda interior amor invoca!

 

Es en mi corazón el goce tanto

que si yo intento convertirlo en llanto

la risa saltará sobre mi boca.

 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Cristina Campo (Itália: 1923 – 1977)

  

Além do tempo, além da esquina

 

What sorrow beside your sadness

and what beauty *

W. C. Williams

 

Demasiadas coisas acolheram as tuas pálpebras

a atenção consumiu tuas pestanas.

Demasiados caminhos te reiteraram,

oprimiram, perseguiram.

 

A cidade do século te devora

mas para ti prenuncia, sonho e ruína,

luzes e chuvas, lágrimas senis

sobre a jovem que passa

febril, indomável, além do tempo, além da esquina.

 

Retorna! Gritam os velhos de Santa Maria do Pranto,

a ronda da piscina de Siloè

com os cães, os híbridos, os espectros

que não se sabem e tu sabes

enraizados contigo

no glúten azul do asfalto

e acreditam em tua flor ardente, branca –

 

porque todos vivemos de estrelas extintas.

 

 

Oltre il tempo, oltre un angolo

 

 

What sorrow beside your sadness

and what beauty

W.C. Williams

 

Troppe cose hanno accolto le tue palpebre

l’attenzione t’ha consumato le ciglia.

Troppe vie t’hanno ripetuta,

stretta, inseguita.

 

La città da secoli ti divora

ma per te travede, sogno e sfacelo,

di luci e piogge, lacrime senili

sulla ragazza che passa

febbrile, indomabile, oltre il tempo, oltre un angolo.

 

Ritorna! Gridano i vecchi di Santa Maria del Pianto,

la ronda della piscina di Siloè

con i cani, gl’ibridi, gli spettri

che non si sanno e tu sai

radicati con te

nel glutine blu dell’asfalto

e credono al tuo fiore che avvampa, bianco –

 

poiché tutti viviamo di stelle spente.

 

*) “Quanta dor junto à sua tristeza, e quanta beleza.”

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Bertalicia Peralta (Panamá: 1939 – )

 

Elegia

  

Não significa nada, Pátria, nossa dor de antes.

É agora quando nos dói o corpo e a alma e a vida.

É agora quando respiramos sangue por tanto tempo contido.

 

É agora, Pátria,

quando atamos o cordão umbilical ao coração

e podemos marchar contigo

e podemos doer, por dentro,

com dor de Pátria

por tantos mortos e tantos caídos.

 

Tuas flores, Pátria, foram agredidas.

Tuas flores e tuas crianças e teus pássaros.

Trouxeram armas, os invasores,

Para desenraizar-nos a todos, Pátria.

Queriam arrasar-nos e pisotear-nos

e rir-se de nossa dor e

nosso amor ferido de Pátria Nobre.

 

Eles, os invasores,

iam desplantar nossa Bandeira

com mãos sujas, criminosas,

de apátridas habitantes da zona*

 

Eles, os invasores,

queriam comprar nossas irmãs fêmeas,

para criar uma casta infra-humana

de perversos “zonias” **

 

Eles, os invasores, Pátria, eram Yankees.

Tinham sobre o uniforme escrito: “U.S Army”, Pátria.

E no rosto, não tinham Deus. Não!

Nem em seus passos deixavam pegadas de homem,

nem sequer de estrangeiros, Pátria.

 

Eram incapazes de pagar-nos

com outra coisa que não fossem balas

e metralhadoras

e tanques

e soldados furibundos,

e bombas lacrimogêneas

e golpes de cassetete

e empurrões

e discriminação

e contrabando

e massacre de crianças

e morte.

 

Pátria, enviaram-te a morte.

Todos os Heróis do 9 de janeiro.

Todas as crianças e os Mestres Mártires.

Todos os pedaços próprios de tua entranha.

 

Por isso, Pátria, te digo, eu aqui,

defronte a teus mortos de agora:

Não significa nada nossa dor de antes.

Não significam nada os Próceres.

 

Não significam os Compromissos com a Pátria.

Não significam os Tratados solapados.

Não significam as Demonstrações de Amizade.

Muito além de uma cerca eletrificada

que haviam levantado para roubar

nossos direitos

nossa água,

nosso céu,

nossas mulheres,

nosso canal,

nossa faixa da Zona do Canal.

 

Ali, na cinta de água que te parte

as entranhas, Pátria,

descobriram-se diante de ti, todos os filhos mortos.

Nem as Alianças do Progresso nem nenhuma espécie.

Nada tem agora validade, Pátria querida,

Pátria amada,

Pátria mártir,

Pátria imolada pela cobiça Yankee.

 

Pátria que sangra pelos quatro costados

Pátria em que doem as balas 30-30.

Porque tuas Leis têm rastros de metralha

e em ti nasceu hoje uma Avenida de Mártires,

e o coração foi bifurcado por um largo comboio

de soldados armados, para deter tua fúria e tua vingança.

 

Não significa nada, Pátria, nossa dor de antes.

Agora que te violentaram o peito

para lembrar-te vinte mortos novos.

Agora que te vejo dobrada,

levantando teus mortos até o rosto

para beijá-los, Pátria,

sacudida a espalda pela fobia assassina

de uns estrangeiros vermelhos que nos burlam, Pátria.

Esses mortos que abriram os olhos espantados

e caíram com os lábios abertos

porque ainda não terminaram de gritar teu nome.

Esses mortos, Pátria, plena de balas nas entranhas

quando se ajoelharam vasculhando tuas pedras

para oferecerem-se a ti como Mártires.

 

Tu, Pátria, podes agora galopar em busca de teus Heróis.

Em ti nasceram mil filhos novos para cada cacho que caiu.

Voltaremos a semear bandeiras em cada lugar

em que foste ultrajada.

 

Pátria, Pátria, que em ti doam hoje

todas as dores de teus filhos!

Pátria, Pátria que te sentes débil e pequena

para guardar, tu apenas, tanta dor que levas na alma.

 

Não significa nada nossa dor de antes, Pátria.

Significa agora, apenas teus Heróis e teus Mártires

e teu Sangue e teus Mortos

e teu coração aquecido e rubro

escaldante fogo de tua própria entranha.

  

Elegía

  

No significa nada, Patria, nuestro dolor de antes.

Es ahora cuando nos duele el cuerpo y el alma y la vida.

Es ahora cuando respiramos sangre por tanto tiempo contenida.

 

Es ahora, Patria,

cuando nos abrochamos el cordón umbilical al corazón

y podemos marchar contigo

y podemos dolernos, hacia adentro,

con dolor de Patria

por tantos muertos y tantos caídos.

 

Tus flores, Patria, han sido agredidas.

Tus flores y tus niños y tus pájaros.

Trajeron armas, los invasores,

Para desraizarnos a todos, Patria.

Querían hundirnos y pisotearnos

y reírse en nuestro dolor y

nuestro amor herido de Patria Noble.

 

Ellos, los invasores,

iban a des-sembrar nuestra Bandera

con manos sucias, criminales,

de apátridas habitantes de la zona.*

 

Ellos, los invasores,

querían comprar nuestras hermanas hembras,

para crearnos una casta infra-humana

de perversos “zonians”. **

 

Ellos, los invasores, Patria, eran Yankees.

Tenían sobre el uniforme sus letreros: “U.S Army”, Patria.

Y en la frente, no tenían a Dios. ¡No!

Ni en sus pisadas dejaban huellas de hombres,

ni siquiera de extranjeros, Patria.

 

Ellos, los invasores,

habíanse comido nuestra fruta y nuestra leche

y se habían bebido nuestro viento

y se habían acostado en nuestra tierra.

 

Eran incapaces de pagarnos

con otra cosa que no fueran balas

y ametralladoras

y tanques

y soldados furibundos,

y bombas lacrimógenas

y toletazos

y empujones

y discriminación

y contrabando

y masacre de niños

y muerte.

 

Patria, la muerte te la enviaron.

Todos los Héroes del 9 de enero.

Todos los Niños y los Institutores Mártires.

Todos los pedazos propios de tu entraña.

 

Por eso, Patria, te digo, yo aquí,

frente a tus muertos de ahora:

No significa nada nuestro dolor de antes.

No significan los Próceres.

No significan las Citas con la Patria.

No significan los Tratados solapados.

No significan las Operaciones Amistad.

desde más allá de una electrificada cerca

que habían levantado para robarnos

nuestro derecho,

nuestra agua,

nuestro cielo,

nuestras mujeres,

nuestro canal,

nuestra faja de Zona Canalera.

 

Allí, en la cinta de agua que te parte

las entrañas, Patria,

se descubrieron ante ti, todos tus hijos muertos.

Ni las Alianzas de Progreso, ni de ninguna especie.

Nadie tiene ahora validez, Patria querida,

Patria amada,

Patria mártir,

Patria inmolada por codicia Yankee

 

Patria que te desangras por tus cuatro costados

Patria que te duelen las balas 30-30.

Porque tus Leyes tienen huellas de metralla

y te ha nacido hoy una Avenida de Mártires,

y el corazón te fue bifurcado por un largo convoy

de soldados armados, para detener tu furia y tu venganza.

 

No significa nada, Patria, nuestro dolor de antes.

Ahora que te han desarrajado el pecho

para sembrarte veinte muertos nuevos.

Ahora que te veo doblada,

llevándote tus muertos a la cara,

para besarlos, Patria,

sacudida la espalda por la fobia asesina

de unos extranjeros rubios que nos burlan, Patria.

Esos muertos que abrieron los ojos espantados

y cayeron con los labios abiertos

porque aún no acababan de gritar tu nombre.

Esos muertos, Patria, llenas de balas las entrañas

cuando se arrodillaron a buscar tus piedras

para ofrendársete en Mártires.

 

Tu, Patria, puedes ahora galopar en busca de tus Héroes.

Te nacieron mil hijos nuevos por cada racimo que cayó.

Te volveremos a sembrar banderas en cada sitio

donde fue ultrajada.

 

¡Patria, Patria, que te duelen hoy

todos los dolores de tus hijos!

¡Patria, Patria que te sientes débil y pequeña

para guardar tu sola tanto dolor que llevas en el alma.

 

No significa nada nuestro dolor de antes, Patria.

Significa ahora, sólo tus Héroes y tus Mártires

y tu Sangre y tus Muertos

y tu corazón caliente y rojo

hirviente fuego de tu propia entraña.

 

 

*) Zona do canal: enclave norte-americano no Panamá, ao longo do canal que liga o Atlântico ao Pacífico.

**) Filhos de militares norte-americanos.

 

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...