quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Alejandra Pizarnik (Argentina: 1936 – 1972)


 

Anéis de cinza

 

A Cristina Campo

 

São minhas vozes cantando

para que não cantem eles,

os amordaçados acinzentados na aurora

os vestidos de pássaro desolado na chuva.

 

Há, na espera,

um rumor de lilás se rompendo.

E há, quando vem o dia,

uma cisão de sol em pequenos sóis negros.

E quando é noite, sempre,

uma tribo de palavras mutiladas

busca asilo em minha garganta

para que não cantem eles,

os funestos, os donos do silêncio.

 

 

Anillos de ceniza

 

A Cristina Campo

 

Son mis voces cantando

para que no canten ellos,

los amordazados grismente en el alba,

los vestidos de pájaro desolado en la lluvia.

 

Hay, en la espera,

un rumor a lila rompiéndose.

Y hay, cuando viene el día,

una partición de sol en pequeños soles negros.

Y cuando es de noche, siempre,

una tribu de palabras mutiladas

busca asilo en mi garganta

para que no canten ellos,

los funestos, los dueños del silencio.

 

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Alejandra Pizarnik (Argentina: 1936 – 1972)

 

À espera da Escuridão

 

Esse instante a que não se esquece

Tão vazio concedido pelas sombras

Tão vazio rejeitado pelos relógios

Esse pobre instante adotado por minha ternura

Despido despido de sangue de asas

Sem olhos para recordar angústias do passado

Sem lábios para colher o sumo das violências

perdidas no canto dos gelados campanários.

 

Protege-o menina cega de alma

Põe-lhe teus cabelos cristalizados pelo fogo

Abraça-o pequena estátua de terror.

Mostra-lhe o mundo convulsionado a teus pés

A teus pés onde morrem andorinhas

Tiritantes de pavor frente ao futuro

Diz-lhe que os suspiros do mar

Umedecem as únicas palavras

Pelas quais vale a pena viver.

 

Porém esse instante suarento de nada

Aninhado na gruta do destino

Sem mãos para dizer nunca

Sem mãos para presentear borboletas

Aos meninos mortos

  

A la espera de la oscuridad

 

Ese instante que no se olvida

Tan vacío devuelto por las sombras

Tan vacío rechazado por los relojes

Ese pobre instante adoptado por mi ternura

Desnudo desnudo de sangre de alas

Sin ojos para recordar angustias de antaño

Sin labios para recoger el zumo de las violencias

perdidas en el canto de los helados campanarios.

 

Ampáralo niña ciega de alma

Ponle tus cabellos escarchados por el fuego

Abrázalo pequeña estatua de terror.

Señálale el mundo convulsionado a tus pies

A tus pies donde mueren las golondrinas

Tiritantes de pavor frente al futuro

Dile que los suspiros del mar

Humedecen las únicas palabras

Por las que vale vivir.

 

Pero ese instante sudoroso de nada

Acurrucado en la cueva del destino

Sin manos para decir nunca

Sin manos para regalar mariposas

A los niños muertos



terça-feira, 15 de setembro de 2020

Alejandra Pizarnik (Argentina: 1936 – 1972)

 

Cinzas

 

A noite se estilhaçou de estrelas

contemplando-me alucinada

o ar dispara ódio

ornamentado seu rosto

com música.

 

Logo nos iremos

Arcano sonho

antepassado de meu sorriso

o mundo está abatido

e há cadeado porém não chaves

e há pavor porém não lágrimas.

 

Que farei comigo?

 

Por que a Ti devo o que sou

 

Porém não tenho amanhã

Por que a Ti...

 

A noite sofre.

 

Cenizas

 

La noche se astilló de estrellas

mirándome alucinada

el aire arroja odio

embellecido su rostro

con música.

Pronto nos iremos

 

Arcano sueño

antepasado de mi sonrisa

el mundo está demacrado

y hay candado pero no llaves

y hay pavor pero no lágrimas.

 

¿Qué haré conmigo?

 

Porque a Ti te debo lo que soy

 

Pero no tengo mañana

Porque a Ti te…

 

La noche sufre.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Alejandra Pizarnik (Argentina: 1936 – 1972)

 


 

Nesta noite, neste mundo

 

A Martha Isabel Moia

 

nesta noite neste mundo

as palavras do sonho da infância da morte

nunca é isso o que queremos dizer

a língua natal casta

a língua é um órgão de conhecimento

do fracasso de todo poema

castrado por sua própria língua

que é o órgão da re-criação

do re-conhecimento

mas não o da ressurreição

de algo ao jeito de negação

de meu horizonte de maldoror com seu cão

e nada é promessa

entre o dizível

que equivale a mentir

(tudo o que se pode dizer é mentira)

o resto é silêncio

só que o silêncio não existe

 

não

as palavras

não fazem o amor

fazem a ausência

se digo água beberei?

se digo pão comerei?

 

nesta noite neste mundo

extraordinário silêncio o desta noite

o que acontece com a alma é que não se vê

o que acontece com o espírito é que não se vê

de onde vem esta conspiração de invisibilidades?

nenhuma palavra é visível

 

sombras

recintos viscosos onde se oculta

a pedra da loucura

corredores negros

apanhei-os todos

oh fica um pouco mais entre nós!

 

minha pessoa está ferida

minha primeira pessoa do singular

 

escrevo como quem com um punhal levantado na escuridão

escrevo como estou dizendo

a sinceridade absoluta continuaria sendo

o impossível

oh fica um pouco mais entre nós!

 

as deteriorações das palavras

desabitando o palácio da linguagem

o conhecimento entre as pernas

o que fizeste do dom do sexo?

oh meus mortos

comi-os engasguei-me

não posso mais de não poder mais

 

e o cão de maldoror

nesta noite neste mundo

onde tudo é possível

 

palavras disfarçadas

tudo desliza

até a negra liquefação

 

exceto

o poema

 

falo

sabendo  que não se trata disso

sempre não se trata disso

oh ajuda-me a escrever o poema mais prescindível

o que não sirva nem para

ser inservível

ajuda-me a escrever palavras

nesta noite neste mundo

 

 

En esta noche, en este mundo

 

A Martha Isabel Moia

 

en esta noche en este mundo

las palabras del sueño de la infancia de la muerte

nunca es eso lo que uno quiere decir

la lengua natal castra

la lengua es un órgano de conocimiento

del fracaso de todo poema

castrado por su propia lengua

que es el órgano de la re-creación

del re-conocimiento

pero no el de la resurrección

de algo a modo de negación

de mi horizonte de maldoror con su perro

y nada es promesa

entre lo decible

que equivale a mentir

(todo lo que se puede decir es mentira)

el resto es silencio

sólo que el silencio no existe

 

no

las palabras

no hacen el amor

hacen la ausencia

si digo agua ¿beberé?

si digo pan ¿comeré?

 

en esta noche en este mundo

extraordinario silencio el de esta noche

lo que pasa con el alma es que no se ve

lo que pasa con la mente es que no se ve

lo que pasa con el espíritu es que no se ve

¿de dónde viene esta conspiración de invisibilidades?

ninguna palabra es visible

 

sombras

recintos viscosos donde se oculta

la piedra de la locura

corredores negros

los he recorrido todos

¡oh quédate un poco más entre nosotros!

 

mi persona está herida

mi primera persona del singular

 

escribo como quien con un cuchillo alzado en la oscuridad

escribo como estoy diciendo

la sinceridad absoluta continuaría siendo

lo imposible

¡oh quédate un poco más entre nosotros!

los deterioros de las palabras

deshabitando el palacio del lenguaje

el conocimiento entre las piernas

¿qué hiciste del don del sexo?

oh mis muertos

me los comí me atraganté

no puedo más de no poder más

 

palabras embozadas

todo se desliza

hacia la negra licuefacción

 

y el perro de maldoror

en esta noche en este mundo

donde todo es posible

 

salvo

el poema

 

hablo

sabiendo que no se trata de eso

siempre no se trata de eso

oh ayúdame a escribir el poema más prescindible

el que no sirva ni para

ser inservible

ayúdame a escribir palabras

en esta noche en este mundo

 


domingo, 13 de setembro de 2020

Fabricio Estrada (Honduras: 1974 – )

 

 

Honduras das Termópilas

 

Há uma chuva que redemoinha lentamente,

ameaça e por fim cai,

com força de milhares, intensamente inexorável,

todo o peso da transparência

em um sibilo

que vai ensurdecendo o vento,

e uma profundidade

que chega

às raízes das ceibas,

em uma trajetória de rio tumultuado.

Há uma chuva que transpassa a terra

e alimenta

o vigor das árvores novas,

de bosques subterrâneos emergindo,

de ossos que retomam

a primitiva aparência de homens e mulheres andando.

Há uma chuva

que alveja os uniformes,

encurrala, agita e limpa o corpo,

amansa,

arruma,

cobre o céu

para que lutemos

sob sua sombra.

  

Honduras de las Termópilas

 

Hay una lluvia que se arremolina lentamente,

amenaza y cae al fin,

con fuerza de miles, intensamente inexorable,

todo el peso de la transparencia

en un siseo

que va ensordeciendo al viento,

en una hondura

que llega

a las raíces de las ceibas,

en un recorrido de río tumultuoso.

Hay una lluvia que traspasa la tierra

y alimenta

el empuje de árboles nuevos,

de bosques subterráneos emergiendo,

de huesos que retoman

la figura primera de hombres y mujeres andando.

Hay una lluvia

que destiñe los uniformes,

acorrala, agita y limpia el cuerpo,

amansa,

ordena,

cubre el cielo

para que luchemos

bajo su sombra.



sábado, 12 de setembro de 2020

Fabricio Estrada (Honduras: 1974 – )

  

Kinshasa Memories

 

I

Volto a Kinshasa, meu amor,

doce paranoia que repito

em cada voo que regressa do sonho ao dia.

Em pleno gozo do clima

percuto sobre o tambor do verão

e cravo nas paredes, com lanças,

minha coleção humana de pássaros.

Esvai-se o sol, enfermo,

a aldeia cresce e consome-se a si mesma,

em nada desconhecida aos meus olhos,

babel de cupins ou estátua de pó,

mas feliz o olhar por retornar a vós,

oh abandonada.

Teu cabelo revolto e medusa

envenenando-o todo,

o assédio do incêndio

e o pânico do amante presa do desejo

inocultável nos parques calcinados,

nos hotéis destruídos,

no delírio da cinza que faz as vezes de neve.

Estou de volta, meu amor,

amestrado em teu aro de fogo,

como o doce paquiderme da amnésia

Te saúdo oh Kinshasa,

Sereníssima

Capital augusta da América Central.

 

 

II

Em Kinshasa não chove.

A tribo perfura as colinas e busca os odres

que – dizem – jazem cheios sob o solo.

Assim, perdem as mãos e o sonho,

abrem enormes sulcos,

sinalizam com ossos e mascam raízes

até deixá-las ressequidas.

Um constante zumbido é a palavra

e a aldeia cresce em octógonos incontroláveis,

um andaime feroz

onde guardam a breve história de seu tempo.

Não passa nuvem em Kinshasa,

Apenas um interminável temporal de gafanhotos

que se encarrega de arrasar os telhados

e as frágeis flores

que todos insistem em chamar de esperanças.

 

 

Kinshasa memories

 

I

Vuelvo a Kinshasa, mi amor,

dulce paranoia que repito

en cada vuelo que regresa desde el sueño al día.

En pleno goce del clima

percuto sobre el tambor del verano

y clavo en las paredes, con lanzas,

mi colección de pájaros humana.

Supura el sol, enfermo,

la aldea crece y se consume a sí misma,

nada desconocida a mis ojos,

babel de termitas o estatua de polvo,

pero feliz la mirada por volver a vos,

oh abandonada…

Tu pelo revuelto y medusa

envenenándolo todo,

el asedio del incendio

y el pánico del amante presa del deseo

inocultable en los parques calcinados,

en los hoteles destruidos,

en el delirio de la ceniza que hace las veces de nieve.

Estoy de vuelta, amor mío,

amaestrado en tu aro de fuego,

como el dulce paquidermo de la amnesia

te saludo, oh Kinshasa,

Serenísima,

Capital Augusta de la América Central.

.

II

En Kinshasa no queda lluvia.

La tribu perfora los cerros y busca los odres

—que dicen— yacen repletos bajo el suelo.

Así, pierden las manos y el sueño,

abren en enormes surcos,

señalizan con huesos y mascan raíces

hasta dejarlas resecas.

Un constante zumbido es la palabra

y la aldea crece en octágonos incontenibles,

un andamiaje feroz

donde guardan la breve historia de su tiempo.

No pasa nube en Kinshasa,

tan sólo, un interminable temporal de langostas

que se encarga de arrasar las techumbres

y a las precarias flores

que todos dan por llamar esperanzas.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...