Nesta noite, neste mundo
A Martha Isabel Moia
nesta noite neste mundo
as palavras do sonho da infância da morte
nunca é isso o que queremos dizer
a língua natal casta
a língua é um órgão de conhecimento
do fracasso de todo poema
castrado por sua própria língua
que é o órgão da re-criação
do re-conhecimento
mas não o da ressurreição
de algo ao jeito de negação
de meu horizonte de maldoror com seu cão
e nada é promessa
entre o dizível
que equivale a mentir
(tudo o que se pode dizer é mentira)
o resto é silêncio
só que o silêncio não existe
não
as palavras
não fazem o amor
fazem a ausência
se digo água beberei?
se digo pão comerei?
nesta noite neste mundo
extraordinário silêncio o desta noite
o que acontece com a alma é que não se vê
o que acontece com o espírito é que não se vê
de onde vem esta conspiração de invisibilidades?
nenhuma palavra é visível
sombras
recintos viscosos onde se oculta
a pedra da loucura
corredores negros
apanhei-os todos
oh fica um pouco mais entre nós!
minha pessoa está ferida
minha primeira pessoa do singular
escrevo como quem com um punhal levantado na escuridão
escrevo como estou dizendo
a sinceridade absoluta continuaria sendo
o impossível
oh fica um pouco mais entre nós!
as deteriorações das palavras
desabitando o palácio da linguagem
o conhecimento entre as pernas
o que fizeste do dom do sexo?
oh meus mortos
comi-os engasguei-me
não posso mais de não poder mais
e o cão de maldoror
nesta noite neste mundo
onde tudo é possível
palavras disfarçadas
tudo desliza
até a negra liquefação
exceto
o poema
falo
sabendo que não se
trata disso
sempre não se trata disso
oh ajuda-me a escrever o poema mais prescindível
o que não sirva nem para
ser inservível
ajuda-me a escrever palavras
nesta noite neste mundo
En esta noche, en este mundo
A Martha Isabel Moia
en esta noche en este mundo
las palabras del sueño de la infancia de la muerte
nunca es eso lo que uno quiere decir
la lengua natal castra
la lengua es un órgano de conocimiento
del fracaso de todo poema
castrado por su propia lengua
que es el órgano de la re-creación
del re-conocimiento
pero no el de la resurrección
de algo a modo de negación
de mi horizonte de maldoror con su perro
y nada es promesa
entre lo decible
que equivale a mentir
(todo lo que se puede decir es mentira)
el resto es silencio
sólo que el silencio no existe
no
las palabras
no hacen el amor
hacen la ausencia
si digo agua ¿beberé?
si digo pan ¿comeré?
en esta noche en este mundo
extraordinario silencio el de esta noche
lo que pasa con el alma es que no se ve
lo que pasa con la mente es que no se ve
lo que pasa con el espíritu es que no se ve
¿de dónde viene esta conspiración de invisibilidades?
ninguna palabra es visible
sombras
recintos viscosos donde se oculta
la piedra de la locura
corredores negros
los he recorrido todos
¡oh quédate un poco más entre nosotros!
mi persona está herida
mi primera persona del singular
escribo como quien con un cuchillo alzado en la oscuridad
escribo como estoy diciendo
la sinceridad absoluta continuaría siendo
lo imposible
¡oh quédate un poco más entre nosotros!
los deterioros de las palabras
deshabitando el palacio del lenguaje
el conocimiento entre las piernas
¿qué hiciste del don del sexo?
oh mis muertos
me los comí me atraganté
no puedo más de no poder más
palabras embozadas
todo se desliza
hacia la negra licuefacción
y el perro de maldoror
en esta noche en este mundo
donde todo es posible
salvo
el poema
hablo
sabiendo que no se trata de eso
siempre no se trata de eso
oh ayúdame a escribir el poema más prescindible
el que no sirva ni para
ser inservible
ayúdame a escribir palabras
en esta noche en este mundo
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