segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Alejandra Pizarnik (Argentina: 1936 – 1972)

 


 

Nesta noite, neste mundo

 

A Martha Isabel Moia

 

nesta noite neste mundo

as palavras do sonho da infância da morte

nunca é isso o que queremos dizer

a língua natal casta

a língua é um órgão de conhecimento

do fracasso de todo poema

castrado por sua própria língua

que é o órgão da re-criação

do re-conhecimento

mas não o da ressurreição

de algo ao jeito de negação

de meu horizonte de maldoror com seu cão

e nada é promessa

entre o dizível

que equivale a mentir

(tudo o que se pode dizer é mentira)

o resto é silêncio

só que o silêncio não existe

 

não

as palavras

não fazem o amor

fazem a ausência

se digo água beberei?

se digo pão comerei?

 

nesta noite neste mundo

extraordinário silêncio o desta noite

o que acontece com a alma é que não se vê

o que acontece com o espírito é que não se vê

de onde vem esta conspiração de invisibilidades?

nenhuma palavra é visível

 

sombras

recintos viscosos onde se oculta

a pedra da loucura

corredores negros

apanhei-os todos

oh fica um pouco mais entre nós!

 

minha pessoa está ferida

minha primeira pessoa do singular

 

escrevo como quem com um punhal levantado na escuridão

escrevo como estou dizendo

a sinceridade absoluta continuaria sendo

o impossível

oh fica um pouco mais entre nós!

 

as deteriorações das palavras

desabitando o palácio da linguagem

o conhecimento entre as pernas

o que fizeste do dom do sexo?

oh meus mortos

comi-os engasguei-me

não posso mais de não poder mais

 

e o cão de maldoror

nesta noite neste mundo

onde tudo é possível

 

palavras disfarçadas

tudo desliza

até a negra liquefação

 

exceto

o poema

 

falo

sabendo  que não se trata disso

sempre não se trata disso

oh ajuda-me a escrever o poema mais prescindível

o que não sirva nem para

ser inservível

ajuda-me a escrever palavras

nesta noite neste mundo

 

 

En esta noche, en este mundo

 

A Martha Isabel Moia

 

en esta noche en este mundo

las palabras del sueño de la infancia de la muerte

nunca es eso lo que uno quiere decir

la lengua natal castra

la lengua es un órgano de conocimiento

del fracaso de todo poema

castrado por su propia lengua

que es el órgano de la re-creación

del re-conocimiento

pero no el de la resurrección

de algo a modo de negación

de mi horizonte de maldoror con su perro

y nada es promesa

entre lo decible

que equivale a mentir

(todo lo que se puede decir es mentira)

el resto es silencio

sólo que el silencio no existe

 

no

las palabras

no hacen el amor

hacen la ausencia

si digo agua ¿beberé?

si digo pan ¿comeré?

 

en esta noche en este mundo

extraordinario silencio el de esta noche

lo que pasa con el alma es que no se ve

lo que pasa con la mente es que no se ve

lo que pasa con el espíritu es que no se ve

¿de dónde viene esta conspiración de invisibilidades?

ninguna palabra es visible

 

sombras

recintos viscosos donde se oculta

la piedra de la locura

corredores negros

los he recorrido todos

¡oh quédate un poco más entre nosotros!

 

mi persona está herida

mi primera persona del singular

 

escribo como quien con un cuchillo alzado en la oscuridad

escribo como estoy diciendo

la sinceridad absoluta continuaría siendo

lo imposible

¡oh quédate un poco más entre nosotros!

los deterioros de las palabras

deshabitando el palacio del lenguaje

el conocimiento entre las piernas

¿qué hiciste del don del sexo?

oh mis muertos

me los comí me atraganté

no puedo más de no poder más

 

palabras embozadas

todo se desliza

hacia la negra licuefacción

 

y el perro de maldoror

en esta noche en este mundo

donde todo es posible

 

salvo

el poema

 

hablo

sabiendo que no se trata de eso

siempre no se trata de eso

oh ayúdame a escribir el poema más prescindible

el que no sirva ni para

ser inservible

ayúdame a escribir palabras

en esta noche en este mundo

 


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