sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 – )

 

Averno – 18/18

 

Perséfone, a errante

 

Na segunda versão, Perséfone

está morta. Ela morre, sua mãe sofre –

problemas de sexualidade não devem

nos importunar aqui.

 

Compulsivamente, em luto, Démeter

circunda a terra. Não esperamos saber

o que Perséfone está fazendo.

Ela está morta, os mortos são mistérios.

 

Aqui temos

a mãe e uma cifra: isso

traduz a exata experiência

da mãe enquanto

 

olha o rosto do bebê. Ela pensa:

Eu me lembro de quando você não existia. A criança

fica confusa; mais tarde, a impressão da criança é a

de que sempre existiu, assim como

 

sua mãe tenha sempre existido

como é no presente. Sua mãe

é como uma pessoa em um ponto de ônibus,

um público para a chegada do ônibus. Antes,

ela era o ônibus, um provisório

lar ou comodidade. Perséfone, em segurança,

olha fixamente da janela da carruagem.

 

O que ela vê? Uma manhã

de início de primavera, em abril. Agora

toda a sua vida está começando – infelizmente,

essa será

 

curta. Ela está a ponto de conhecer, de fato,

 

apenas dois adultos: a morte e sua mãe.

Mas dois é

duas vezes o que tem sua mãe:

sua mãe tem

 

uma criança, uma filha.

Como deusa, ela poderia ter

tido mil crianças.

 

Começamos a ver aqui

a profunda violência da terra

 

cuja hostilidade sugere

que ela não tem nenhum desejo

de continuar a ser uma fonte de vida.

 

E por que essa hipótese

nunca é discutida? Porque

ela não está na história; ela apenas

cria uma história.

 

De luto, após a morte de sua filha,

a mãe erra pela terra.

Ela está preparando sua causa;

como um político

ela se lembra de tudo e não admite

coisa nenhuma.

 

Por exemplo, o nascimento

de sua filha foi insuportável, sua beleza

foi insuportável; ela se lembra disso.

Ela se lembra da inocência,

da ternura de Perséfone  –

 

O que ela está planejando, ao procurar sua filha?

Ela está emitindo

um aviso cuja mensagem implícita é:

o que você está fazendo fora de meu corpo?

Você se pergunta:

por que o corpo da mãe é seguro?

 

A resposta é

essa é a pergunta errada, visto que

 

o corpo da filha

não existe, a não ser

como um membro do corpo da mãe

que precisa ser

reenxertado a qualquer custo.

 

Quando um deus está de luto isso significa

destruir os outros (como na guerra)

enquanto ao mesmo tempo ele apela

para a revogação de acordos (como também na guerra)

 

se Zeus a trouxer de volta

o inverno terminará.

 

O inverno terminará, a primavera retornará.

as pequenas brisas importunas

que tanto amei, as idiotas flores amarelas –

 

A primavera retornará, um sonho

fundamentado em uma falsidade:

que os mortos retornam.

 

Perséfone

foi usada até a morte. Agora por repetidas vezes

sua mãe a arrasta para fora de novo –

 

Você deve se perguntar:

as flores são reais? Se

 

Perséfone “volta” será

por uma de duas razões:

 

ou ela não estava morta ou

estava sendo usada

para sustentar uma ficção –

 

Penso que posso me lembrar

de estar morta. Por muitas vezes, no inverno,

eu me aproximei de Zeus. Diga-me, eu perguntaria

como posso tolerar a terra?

 

E ele diria,

brevemente você estará aqui de volta.

E no entremeio

 

você se esquecerá de tudo:

aqueles campos de gelo serão

os prados do Elísio.

 

 

Persephone the Wanderer

 


In the second version, Persephone
is dead. She dies, her mother grieves –
problems of sexuality need not
trouble us here.

 

Compulsively, in grief, Demeter
circles the earth. We don’t expect to know
what Persephone is doing.
She is dead, the dead are mysteries.

 

We have here
a mother and a cipher: this is
accurate to the experience
of the mother as

 

she looks into the infant’s face. She thinks:
I remember when you didn’t exist. The infant
is puzzled; later, the child’s opinion is
she has always existed, just as

 

her mother has always existed
in her present form. Her mother
is like a figure at a bus stop,
an audience for the bus’s arrival. Before that,
she was the bus, a temporary
home or convenience. Persephone, protected,
stares out the window of the chariot.

 

What does she see? A morning
in early spring, in April. Now

 

her whole life is beginning — unfortunately,
it’s going to be
a short life. She’s going to know, really,

 

only two adults: death and her mother.
But two is
twice what her mother has:
her mother has

 

one child, a daughter.
As a god, she could have had
a thousand children.

 

We begin to see here
the deep violence of the earth

 

whose hostility suggests
she has no wish
to continue as a source of life.

 

And why is this hypothesis
never discussed? Because
it is not in the story; it only
creates the story.

 

In grief, after the daughter dies,
the mother wanders the earth.
She is preparing her case;
like a politician
she remembers everything and admits
nothing.

 

For example, her daughter’s
birth was unbearable, her beauty
was unbearable: she remembers this.
She remembers Persephone’s
innocence, her tenderness —

 

What is she planning, seeking her daughter?
She is issuing
a warning whose implicit message is:
what are you doing outside my body?

You ask yourself:
why is the mother’s body safe?

 

The answer is
this is the wrong question, since

 

the daughter’s body
doesn’t exist, except
as a branch of the mother’s body
that needs to be
reattached at any cost.

 

When a god grieves it means
destroying others (as in war)
while at the same time petitioning
to reverse agreements (as in war also):

 

if Zeus will get her back,
winter will end.

 

Winter will end, spring will return.
The small pestering breezes
that I so loved, the idiot yellow flowers –

 

Spring will return, a dream
based on a falsehood:
that the dead return.

 

Persephone
was used to death. Now over and over
her mother hauls her out again –

 

You must ask yourself:
are the flowers real? If

 

Persephone “returns” there will be
one of two reasons:

 

either she was not dead or
she is being used
to support a fiction –

 

I think I can remember
being dead. Many times, in winter,
I approached Zeus. Tell me, I would ask him,
how can I endure the earth?

 

And he would say,
in a short time you will be here again.
And in the time between

 

you will forget everything:
those fields of ice will be
the meadows of Elysium.

 

 

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 – )

 

Averno – 17/18



 

 Tordo Sargento

 

A neve começou a cair, sobre a superfície de toda a terra.

Isso não pode ser verdade. E no entanto parecia verdade,

caindo mais e mais pesada em tudo o que pude ver.

Os pinheiros se tornaram quebradiços com o gelo.

 

Aqui é o lugar sobre o qual lhe falei,

onde de hábito à noite eu vinha, ver as graúnas de asas vermelhas,

às quais aqui chamamos tordo sargento

cintilar vermelho da vida que se esvai –

Mas no meu caso – penso que a culpa que trago comigo queira dizer

que não vivi muito bem.

 

Alguém como eu não escapa. Penso que você dorme por breve instante,

antes de afundar no terror da próxima vida

a não ser

 

que a alma seja de alguma outra forma

mais ou menos consciente do que antes foi,

mais ou menos cúpida.

 

Após muitas vidas, talvez alguma coisa mude.

Penso que no fim o que você desejar

você será capaz de ver –

 

Você não mais necessita

morrer e retornar por outra vez.


 

Thrush

 


Snow began falling, over the surface of the whole earth.
That can’t be true. And yet it felt true,
falling more and more thickly over everything I could see.
The pines turned brittle with ice.

 

This is the place I told you about,
where I used to come at night to see the red-winged blackbirds,
what we call thrush here–
red flicker of the life that disappears –

But for me – I think the guilt I feel must mean
I haven’t lived very well.

 

Someone like me doesn’t escape. I think you sleep awhile,
then you descend into the terror of the next life
except

 

the soul is in some different form,
more or less conscious than it was before,
more or less covetous.

 

After many lives, maybe something changes.
I think in the end what you want
you’ll be able to see –

 

Then you don’t need anymore
to die and come back again.

 

 

 

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 – )

 Averno - 16/18

 


Telescópio

 

Há um momento após lançar o olhar ao longe

em que você se esquece de onde está

por estar vivendo, ao que parece,

em algum outro lugar, no silêncio do céu noturno.

 

Você não mais se encontra aqui no mundo.

Você está em um lugar diferente,

Um lugar em que a vida humana não faz nenhum sentido.

 

Você não é um ser corpóreo.

Você existe como as estrelas existem,

compartilhando sua serenidade, sua imensidão.

 

Você está de volta ao mundo.

À noite, na fria colina,

desmontando o telescópio.

 

Depois você percebe

não que a imagem seja falsa

mas que a relação é falsa.

 

De novo você vê quão distante

cada coisa está de cada outra coisa.

 

Telescope

 

There is a moment after you move your eye away
when you forget where you are
because you’ve been living, it seems,
somewhere else, in the silence of the night sky.

 

You’ve stopped being here in the world.
You’re in a different place,
a place where human life has no meaning.

 

You’re not a creature in body.
You exist as the stars exist,
participating in their stillness, their immensity.

 

Then you’re in the world again.
At night, on the cold hill,
taking the telescope apart.

 

You realize afterward
not that the image is false
but the relation is false.

 

You see again how far away
every thing is from every other thing.

 

 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 – )

 Averno – 15/18

 

 Presságios

 

após Alexander Pushkin

 

Fui encontrá-lo: sonhos

como seres vivos à minha volta esvoaçavam

e a minha direita a lua

em chamas me seguia.

 

Voltei: tudo mudara.

Minha alma apaixonada estava triste

e a lua a minha esquerda

em desalento vinha atrás.

 

A tais intermináveis impressões

nós poetas nos entregamos com afinco,

criando, sem rumor, de um simples fato um presságio,

até que o mundo espelhe as mais profundas ânsias da alma.

 

 

 

Omens

after Alexander Pushkin     

 

I rode to meet you: dreams
like living beings swarmed around me
and the moon on my right side
followed me, burning.

 

I rode back: everything changed.
My soul in love was sad
and the moon on my left side
trailed me without hope.

 

To such endless impressions
we poets give ourselves absolutely,
making, in silence, omen of mere event,
until the world reflects the deepest needs of the soul.



domingo, 8 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA, 1943 – )

Averno – 14/18

 

Averno

 

1.

Você morre quando seu espírito morre.
Caso contrário, você vive.
Você talvez não lide bem com isso, mas continua –
algo sobre o qual você não tem nenhuma escolha.

Quando digo isso a meus filhos
eles não prestam atenção.
Os velhos, pensam eles –
é isso o que sempre fazem:
falam sobre coisas que ninguém pode ver
para esconder todos os neurônios que estão perdendo.
Piscam um para o outro;
escute o velho, falando de espírito
por não mais se lembrar da palavra para cadeira.

 

É terrível estar só.

Não me refiro a viver só –

estar só, onde ninguém escuta você.

 

Lembro da palavra para cadeira.
Quero dizer – só não estou mais interessada.

 

Acordo pensando
você tem de se preparar.
Logo o espírito vai desistir –
todas as cadeiras do mundo não irão ajudá-la.

 

Sei o que dizem quando estou fora da sala.
Eu deveria procurar alguém, eu deveria estar tomando
um dos novos remédios para depressão.
Posso ouvi-los, aos sussurros, planejando como compartilhar o custo.

 

E quero gritar
vocês todos vocês estão vivendo em um sonho.

Já é ruim, pensam eles, ver-me cair aos pedaços.
Já é ruim sem esses sermões que ouvem todo dia
como se eu tivesse algum direito a essa nova informação.

 

Bem, eles têm o mesmo direito.

Estão vivendo em um sonho, e eu estou me preparando
para ser um fantasma. E quero gritar

 

a névoa se dissipou
É como uma nova vida:
você não se interessa pelo resultado;
você sabe o resultado.

 

Pense nisto: sessenta anos sentada em cadeiras. E agora o espírito mortal
buscando tão sem rodeios, tão sem receios –

 

Levantar o véu.
Ver a quê você está dizendo adeus.

 

2

Não voltei por muito tempo.
O outono havia terminado quando vi o campo outra vez.
Aqui, ele termina quase antes de começar –
os velhos nem mesmo possuem roupas de verão.

 

O campo estava coberto de neve, imaculado.
Não havia vestígio do que aconteceu aqui.
Você não sabia se o fazendeiro
havia replantado ou não.
Talvez ele tenha desistido e se mudado.

 

A polícia não prendeu a menina.
Pouco depois, disseram que ela se mudara para outro país,
algum país onde não tenham campos.

 

Um desastre como esse
não deixa marcas na terra.
E pessoas como aquelas – elas pensam que isso lhes oferece
um novo recomeço.

 

Permaneci por muito tempo, fitando o nada.
Um instante depois, percebi como escurecera, como estava frio.

Há muito tempo – não imagino desde quando.
Se a terra decide não ter memória
de certo modo o tempo parece não ter sentido.

 

Mas não para meus filhos. Andam atrás de mim
para que eu faça um testamento; estão cismados que o governo
levará tudo.

 

Deviam vir comigo um dia

ver esse campo sob a crosta de neve.

A história toda está escrita aqui.

 

Nada: não tenho nada a lhes dar.

 

Essa é a primeira parte.

A segunda é: não quero ser cremada.

 

3.

De um lado, a alma vagueia.

Do outro, seres humanos amedrontados.

Entre eles, o fosso da desesperança.

 

Algumas jovens me perguntam

se estarão seguras perto do Averno –

Estão com frio, querem seguir mais um pouco rumo ao sul.

E uma delas diz, fazendo piada, mas não muito ao sul –

 

Digo, tão seguro quanto em qualquer lugar,

o que as deixam felizes.

O que isso quer dizer é que nada é seguro.

 

Você toma um trem, você desaparece.

 

Você escreve seu nome na janela, você desaparece.

Há lugares como esses por toda parte,

lugares nos quais você entra quando é jovem

e deles nunca retorna

 

Como o campo, aquele que queimou.

Em seguida, a menina desapareceu.

Talvez ela não tenha existido,

seja como for não temos prova.

 

Tudo o que sabemos é:

o campo queimou.

Mas nós vimos aquilo.

 

Temos de acreditar na menina,

no que ela disse. De outro modo

são apenas forças que não compreendemos

governando a terra.

 

As jovens estão felizes, pensando em suas férias.

Não tomem o trem, eu digo.

 

Escrevem seus nomes no vidro enevoado do trem.

Quero lhes dizer, vocês são boas garotas,

tentando deixar seus nomes para trás.

 

4.

Passamos o dia todo

navegando pelo arquipélago,

as minúsculas ilhas que faziam

parte da península

 

até que se despedaçaram

nos fragmentos que você vê agora

flutuando na água do mar do norte.

 

Elas me pareciam seguras,

penso que em razão de ninguém poder viver lá.

Mais tarde nos sentamos na cozinha

observando o início do anoitecer e depois a neve.

Primeiro uma, depois a outra.

 

Permanecemos em silêncio, hipnotizadas pela neve

como se uma espécie de turbulência

que antes estivera oculta

se tornasse visível,

 

algo dentro da noite

exposto agora –

 

Em nosso silêncio, estamos nos fazendo

aquelas perguntas que amigos que confiam um no outro

fazem após grande fadiga,

um esperando que o outro saiba mais.

 

E quando assim não é, esperando

que as impressões partilhadas levem a uma súbita compreensão.

 

Há algum proveito em impormos a nós mesmos

a percepção de que devemos morrer?

É possível deixar passar a oportunidade de nossa vida?

 

Perguntas como essa.

 

A neve caía pesada. A noite escura

transmutada em agitado ar esbranquiçado.

 

Algo que não víramos se revelou.

Porém o significado não foi desvelado.

 

5.

Após o primeiro inverno, o campo começou a germinar.

No entanto, não mais havia sulcos alinhados.

A cheiro do trigo persistia, uma espécie de aroma aleatório

mesclado com ervas variadas, para as quais

nada de útil aos humanos fora até então encontrado.

 

Foi intrigante – ninguém sabia

para aonde o fazendeiro fora.

Alguns pensaram que morrera.

Alguém disse que ele possuía uma filha na Nova Zelândia,

para aonde fora criar

netos em vez trigo.

 

A natureza, diga-se, não é como nós;

ela não possui um armazém de lembranças.

O campo não passa a ter medo de fósforos,

de jovens. Muito menos se lembra

de sulcos. Ele é aniquilado, queimado,

e depois de um ano está novamente vivo

como se nada invulgar houvesse acontecido.

 

Da janela o fazendeiro fixa a distância.

Talvez na Nova Zelândia, talvez em outro lugar.

E pensa: minha vida está acabada.

Sua vida se expressou naquele campo;

ele não mais acredita em poder extrair algo

da terra. A terra, ele pensa,

derrotou-me.

 

Lembra-se do dia em que o campo queimou,

não por acaso, ele pensa.

 

Algo em seu íntimo profundo disse: posso conviver com isso,

Posso enfrentar isso depois de um tempo.

 

O momento terrível foi a primavera depois do trabalho perdido,

quando compreendeu que a terra

não sabia como se lamentar, que em vez disso ela mudaria.

E seguiria existindo sem ele.

 

Averno

 

 

1.
You die when your spirit dies.
Otherwise, you live.
You may not do a good job of it, but you go on —
something you have no choice about.


When I tell this to my children
they pay no attention.
The old people, they think —
this is what they always do:
talk about things no one can see
to cover up all the brain cells they’re losing.
They wink at each other;
listen to the old one, talking about the spirit
because he can’t remember anymore the word for chair.


It is terrible to be alone.
I don’t mean to live alone —
to be alone, where no one hears you.


I remember the word for chair.
I want to say — I’m just not interested anymore.


I wake up thinking
you have to prepare.
Soon the spirit will give up —
all the chairs in the world won’t help you.


I know what they say when I’m out of the room.
Should I be seeing someone, should I be taking
one of the new drugs for depression.
I can hear them, in whispers, planning how to divide the cost.


And I want to scream out
you’re all of you living in a dream.
Bad enough, they think, to watch me fall apart.
Bad enough without this lecturing they get these days
as though I had any right to this new information.


Well, they have the same right.
They’re living in a dream, and I’m preparing
to be a ghost. I want to shout out


the mist has cleared
It’s like some new life:
you have no stake in the outcome;
you know the outcome.


Think of it: sixty years sitting in chairs. And now the mortal spirit
seeking so openly, so fearlessly —


To raise the veil.
To see what you’re saying goodbye to.

 

2.
I didn’t go back for a long time.
When I saw the field again, autumn was finished.
Here, it finishes almost before it starts —
the old people don’t even own summer clothing.


The field was covered with snow, immaculate.
There wasn’t a sign of what happened here.
You didn’t know whether the farmer
had replanted or not.
Maybe he gave up and moved away.


The police didn’t catch the girl.
After awhile they said she moved to some other country,
one where they don’t have fields.


A disaster like this
leaves no mark on the earth.
And people like that — they think it gives them
a fresh start.


I stood a long time, staring at nothing.
After a bit, I noticed how dark it was, how cold.
A long time — I have no idea how long.
Once the earth decides to have no memory
time seems in a way meaningless.


But not to my children. They’re after me
to make a will; they’re worried the government
will take everything.


They should come with me sometime
to look at this field under the cover of snow.
The whole thing is written out there.


Nothing: I have nothing to give them.
That’s the first part.
The second is: I don’t want to be burned.

 

3.
On one side, the soul wanders.
On the other, human beings living in fear.
In between, the pit of disappearance.


Some young girls ask me
if they’ll be safe near Averno —
they’re cold, they want to go south a little while.
And one says, like a joke, but not too far south —


I say, as safe as anywhere,
which makes them happy.
What it means is nothing is safe.


You get on a train, you disappear.


You write your name on the window, you disappear.
There are places like this everywhere,
places you enter as a young girl
from which you never return.


Like the field, the one that burned.
Afterward, the girl was gone.
Maybe she didn’t exist,
we have no proof either way.


All we know is:
the field burned.
But we saw that.


So we have to believe in the girl,
in what she did. Otherwise
it’s just forces we don’t understand
ruling the earth.


The girls are happy, thinking of their vacation.
Don’t take a train, I say.


They write their names in mist on a train window.
I want to say, you’re good girls,
trying to leave your names behind.

 

4.
We spent the whole day
sailing the archipelago,
the tiny islands that were
part of the penisula


until they’d broken off
into the fragments you see now
floating in the northern sea water.


They seemed safe to me,
I think because no one can live there.
Later we sat in the kitchen
watching the evening start and then the snow.
First one, then the other.


We grew silent, hypnotized by the snow
as though a kind of tubulence
that had been hidden before
was becoming visible,


something within the night
exposed now —


In our silence, we were asking
those questions friends who trust each other
ask out of great fatigue,
each one hoping the other knows more


and when this isn’t so, hoping
their shared impressions will amount to insight.


Is there any benefit in forcing upon oneself
the realization that one must die?
Is it possible to miss the opportunity of one’s life?


Questions like that.


The snow was heavy. The black night
transformed into busy white air.


Something we hadn’t seen revealed.
Only the meaning wasn’t revealed.

 

5.
After the first winter, the field began to grow again.
But there were no more orderly furrows.
The smell of the wheat persisted, a kind of random aroma
intermixed with various weeds, for which
no human use has been as yet devised.


It was puzzling — no one knew
where the farmer had gone.
Some people thought he died.

Someone said he had a daughter in New Zealand,
that he went there to raise
grandchildren instead of wheat.


Nature, it turns out, isn’t like us;
it doesn’t have a warehouse of memory.
The field doesn’t become afraid of matches,
of young girls. It doesn’t remember
furrows either. It gets killed off, it gets burned,
and a year later it’s alive again
as though nothing unusual has occured.


The farmer stares out the window.
Maybe in New Zealand, maybe somewhere else.
And he thinks: my life is over.
His life expressed itself in that field;
he doesn’t believe anymore in making anything
out of earth. The earth, he thinks,
has overpowered me.


He remembers the day the field burned,
not, he thinks, by accident.
Something deep within him said: I can live with this,
I can fight it after awhile.

 

The terrible moment was the spring after his work was erased,
when he understood that the earth
didn’t know how to mourn, that it would change instead.
And then go on existing without him.

 

 

 

sábado, 7 de novembro de 2020

Louise Glück (EUA: 1943 –)

 


Averno – 13/18

 

Um mito da devoção

 

Quando Hades concluiu que amava a menina

ele lhe construiu uma réplica da terra,

tudo exatamente igual, até o campo,

mas com uma cama incluída.

 

Tudo igual, inclusive a luz do sol,

pois seria difícil a uma jovem

passar da luz ao breu total com tanta rapidez.

 

Aos poucos, pensou, ele introduziria a noite,

primeiro como sombras de folhas agitadas.

Depois a lua, as estrelas. Depois nem lua, nem estrelas.

Que Perséfone se habitue lentamente.

Por  fim, pensou, ela se sentiria confortável.

 

Uma réplica da terra

exceto que havia amor aqui.

Todo mundo não deseja amor?

 

Esperou por muitos anos,

construindo um mundo, vigiando

Perséfone no campo.

Perséfone, a que cheira, degusta.

Se você tem apetite, pensou,

você tem tudo o mais.

 

À noite todos não desejam sentir

o corpo amado, a bússola, a estrela polar,

ouvir a suave respiração que diz

Estou viva, que também quer dizer

você está vivo, pois me ouve,

está aqui comigo. E quando um se vira,

o outro se vira –

 

Foi isso o que sentiu, o senhor das trevas,

vendo o mundo que construíra

para Perséfone. Nunca pensou

que ali não mais haveria quem cheirasse,

muito menos quem não mais comesse.

 

Culpa? Horror? Medo do amor?

Essas coisas ele não conseguia imaginar;

nenhum amante jamais as imagina.

 

Ela sonha, pondera que nome dar ao lugar.

De início pensou: O Novo Inferno. Depois: O Jardim.

Por fim decide chamá-lo

A Infância de Perséfone.

 

Luz suave se elevando sobre o campo,

atrás da cama. Ele a toma nos braços. 

Quer lhe dizer eu amo você, nada pode feri-la

 

mas pensa

isso é uma mentira, e por fim diz

você está morta, nada a ferirá

o que lhe pareceu

um começo mais promissor, mais verdadeiro.

  

A Myth of Devotion

 

When Hades decided he loved this girl
he built for her a duplicate of earth,
everything the same, down to the meadow,
but with a bed added.

 

Everything the same, including sunlight,
because it would be hard on a young girl
to go so quickly from bright light to utter darkness.

 

Gradually, he thought, he'd introduce the night,
first as the shadows of fluttering leaves.
Then moon, then stars. Then no moon, no stars.
Let Persephone get used to it slowly.
In the end, he thought, she'd find it comforting.

 

A replica of earth
except there was love here.
Doesn't everyone want love?

 

He waited many years,
building a world, watching
Persephone in the meadow.
Persephone, a smeller, a taster.
If you have one appetite, he thought,
you have them all.

 

Doesn't everyone want to feel in the night
the beloved body, compass, polestar,
to hear the quiet breathing that says
I am alive, that means also
you are alive, because you hear me,
you are here with me. And when one turns,
the other turns –

 

That's what he felt, the lord of darkness,
looking at the world he had
constructed for Persephone. It never crossed his mind
that there'd be no more smelling here,
certainly no more eating.

 

Guilt? Terror? The fear of love?
These things he couldn't imagine;
no lover ever imagines them.

 

He dreams, he wonders what to call this place.
First he thinks: The New Hell. Then: The Garden.
In the end, he decides to name it
Persephone's Girlhood.

 

A soft light rising above the level meadow,
behind the bed. He takes her in his arms.
He wants to say I love you, nothing can hurt you

 

but he thinks
this is a lie, so he says in the end
you're dead, nothing can hurt you
which seems to him
a more promising beginning, more true.

 

 

 

 

 

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...