Averno – 18/18
Perséfone, a errante
Na segunda versão, Perséfone
está morta. Ela morre, sua mãe sofre –
problemas de sexualidade não devem
nos importunar aqui.
Compulsivamente, em luto, Démeter
circunda a terra. Não esperamos saber
o que Perséfone está fazendo.
Ela está morta, os mortos são mistérios.
Aqui temos
a mãe e uma cifra: isso
traduz a exata experiência
da mãe enquanto
olha o rosto do bebê. Ela pensa:
Eu me lembro
de quando você não existia. A criança
fica confusa; mais tarde, a impressão da
criança é a
de que sempre existiu, assim como
sua mãe tenha sempre existido
como é no presente. Sua mãe
é como uma pessoa em um ponto de ônibus,
um público para a chegada do ônibus. Antes,
ela era o ônibus, um provisório
lar ou comodidade. Perséfone, em segurança,
olha fixamente da janela da carruagem.
O que ela vê? Uma manhã
de início de primavera, em abril.
Agora
toda a sua vida está começando –
infelizmente,
essa será
curta. Ela está a ponto de conhecer, de fato,
apenas dois adultos: a morte e sua mãe.
Mas dois é
duas vezes o que tem sua mãe:
sua mãe tem
uma criança, uma filha.
Como deusa, ela poderia ter
tido mil crianças.
Começamos a ver aqui
a profunda violência da terra
cuja hostilidade sugere
que ela não tem nenhum desejo
de continuar a ser uma fonte de vida.
E por que essa hipótese
nunca é discutida? Porque
ela não está na história; ela apenas
cria uma história.
De luto, após a morte de sua filha,
a mãe erra pela terra.
Ela está preparando sua causa;
como um político
ela se lembra de tudo e não admite
coisa nenhuma.
Por exemplo, o nascimento
de sua filha foi insuportável, sua
beleza
foi insuportável; ela se lembra disso.
Ela se lembra da inocência,
da ternura de Perséfone –
O que ela está planejando, ao procurar sua
filha?
Ela está emitindo
um aviso cuja mensagem implícita é:
o que você
está fazendo fora de meu corpo?
Você se pergunta:
por que o corpo da mãe é seguro?
A resposta é
essa é a pergunta errada, visto que
o corpo da filha
não existe, a não ser
como um membro do corpo da mãe
que precisa ser
reenxertado a qualquer custo.
Quando um deus está de luto isso significa
destruir os outros (como na guerra)
enquanto ao mesmo tempo ele apela
para a revogação de acordos (como também na
guerra)
se Zeus a trouxer de volta
o inverno terminará.
O inverno terminará, a primavera retornará.
as pequenas brisas importunas
que tanto amei, as idiotas flores amarelas –
A primavera retornará, um sonho
fundamentado em uma falsidade:
que os mortos retornam.
Perséfone
foi usada até a morte. Agora por repetidas
vezes
sua mãe a arrasta para fora de novo –
Você deve se perguntar:
as flores são reais? Se
Perséfone “volta” será
por uma de duas razões:
ou ela não estava morta ou
estava sendo usada
para sustentar uma ficção –
Penso que posso me lembrar
de estar morta. Por muitas vezes, no inverno,
eu me aproximei de Zeus. Diga-me, eu
perguntaria
como posso tolerar a terra?
E ele diria,
brevemente você estará aqui de volta.
E no entremeio
você se esquecerá de tudo:
aqueles campos de gelo serão
os prados do Elísio.
Persephone the Wanderer
In the second
version, Persephone
is dead. She dies, her mother grieves –
problems of sexuality need not
trouble us here.
Compulsively, in grief,
Demeter
circles the earth. We don’t expect to know
what Persephone is doing.
She is dead, the dead are mysteries.
We have here
a mother and a cipher: this is
accurate to the experience
of the mother as
she looks into the infant’s
face. She thinks:
I remember when you didn’t exist. The infant
is puzzled; later, the child’s opinion is
she has always existed, just as
her mother has always existed
in her present form. Her mother
is like a figure at a bus stop,
an audience for the bus’s arrival. Before that,
she was the bus, a temporary
home or convenience. Persephone, protected,
stares out the window of the chariot.
What does she see? A morning
in early spring, in April. Now
her whole life is beginning —
unfortunately,
it’s going to be
a short life. She’s going to know, really,
only two adults: death and her
mother.
But two is
twice what her mother has:
her mother has
one child, a daughter.
As a god, she could have had
a thousand children.
We begin to see here
the deep violence of the earth
whose hostility suggests
she has no wish
to continue as a source of life.
And why is this hypothesis
never discussed? Because
it is not in the story; it only
creates the story.
In grief, after the daughter
dies,
the mother wanders the earth.
She is preparing her case;
like a politician
she remembers everything and admits
nothing.
For example, her daughter’s
birth was unbearable, her beauty
was unbearable: she remembers this.
She remembers Persephone’s
innocence, her tenderness —
What is she planning, seeking
her daughter?
She is issuing
a warning whose implicit message is:
what are you doing outside my body?
You ask yourself:
why is the mother’s body safe?
The answer is
this is the wrong question, since
the daughter’s body
doesn’t exist, except
as a branch of the mother’s body
that needs to be
reattached at any cost.
When a god grieves it means
destroying others (as in war)
while at the same time petitioning
to reverse agreements (as in war also):
if Zeus will get her back,
winter will end.
Winter will end, spring will
return.
The small pestering breezes
that I so loved, the idiot yellow flowers –
Spring will return, a dream
based on a falsehood:
that the dead return.
Persephone
was used to death. Now over and over
her mother hauls her out again –
You must ask yourself:
are the flowers real? If
Persephone “returns” there
will be
one of two reasons:
either she was not dead or
she is being used
to support a fiction –
I think I can remember
being dead. Many times, in winter,
I approached Zeus. Tell me, I would ask him,
how can I endure the earth?
And he would say,
in a short time you will be here again.
And in the time between
you will forget everything:
those fields of ice will be
the meadows of Elysium.
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