sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

 

Do livro Elogio da sombra – 19 / 31

 

O guardião dos livros

 

Aí estão os jardins, os templos e a justificativa dos templos,

A exata música e as exatas palavras,

Os sessenta e quatro hexagramas,

Os ritos que são a única sabedoria

Que outorga o Firmamento aos homens,

O decoro daquele imperador

Cuja serenidade foi refletida pelo mundo, seu espelho,

De sorte que os campos davam seus frutos

E as torrentes respeitavam suas margens,

O unicórnio ferido que regressa para marcar o fim,

As secretas leis eternas,

O concerto do orbe;

Essas coisas ou sua memória estão nos livros

Que custodio na torre.

 

Os tártaros vieram do Norte

Em escovados potros pequenos;

Aniquilaram os exércitos

Que o Filho do Céu mandou para castigar sua impiedade,

Erigiram pirâmides de fogo e cortaram gargantas,

Mataram o perverso e o justo,

Mataram o escravo acorrentado que vigia a porta,

Usaram e esqueceram as mulheres

E seguiram rumo ao Sul,

Inocentes como animais carnívoros,

Cruéis como punhais.

Na alvorada incerta

O pai de meu pai salvou os livros.

Aqui estão na torre onde jazo,

Recordando os dias que foram de outros,

Os alheios e antigos.

 

Em meus olhos não há dias. As prateleiras

Estão muito altas e não as alcançam meus anos.

Léguas de pó e sonho cercam a torre.

Por que me enganar?

 

A verdade é que nunca soube ler,

Mas me consolo pensando

Que o imaginado e o passado já são o mesmo

Para um homem que foi

E que contempla o que foi a cidade

E agora volta a ser o deserto.

O que me impede de sonhar que por alguma vez

Decifrei a sabedoria

E desenhei com diligente mão os símbolos?

Meu nome é Hsiang. Sou o que custodia os livros,

Que talvez sejam os últimos,

Pois nada sabemos do Império

E do Filho do Céu.

Aí estão nas altas prateleiras,

Próximas e distantes a um só tempo,

Secretas e visíveis como os astros.

Aí estão os jardins, os templos.

 

El Guardián De Los Libros


Ahí están los jardines, los templos y la justificación de los templos,
La recta música y las rectas palabras,
Los sesenta y cuatro hexagramas,
Los ritos que son la única sabiduría
Que otorga el Firmamento a los hombres,
El decoro de aquel emperador
Cuya serenidad fue reflejada por el mundo, su espejo,
De suerte que los campos daban sus frutos
Y los torrentes respetaban sus márgenes,
El unicornio herido que regresa para marcar el fin,
Las secretas leyes eternas,
El concierto del orbe;

Esas cosas o su memoria están en los libros
Que custodio en la torre.

Los tártaros vinieron del Norte
En crinados potros pequeños;
Aniquilaron los ejércitos
Que el Hijo del Cielo mandó para castigar su impiedad,
Erigieron pirámides de fuego y cortaron gargantas,
Mataron al perverso y al justo,
Mataron al esclavo encadenado que vigila la puerta,
Usaron y olvidaron a las mujeres
Y siguieron al Sur,
Inocentes como animales de presa,
Crueles como cuchillos.

En el alba dudosa
El padre de mi padre salvó los libros.
Aquí están en la torre donde yazgo,
Recordando los días que fueron de otros,
Los ajenos y antiguos.

En mis ojos no hay días. Los anaqueles
Están muy altos y no los alcanzan mis años.
Leguas de polvo y sueño cercan la torre.
¿A qué engañarme?

 

La verdad es que nunca he sabido leer,
Pero me consuelo pensando
Que lo imaginado y lo pasado ya son lo mismo
Para un hombre que ha sido
Y que contempla lo que fue la ciudad
Y ahora vuelve a ser el desierto.
¿Qué me impide soñar que alguna vez
Descifré la sabiduría
Y dibujé con aplicada mano los símbolos?
Mi nombre es Hsiang. Soy el que custodia los libros,
Que acaso son los últimos,
Porque nada sabemos del Imperio
Y del Hijo del Cielo.
Ahí están en los altos anaqueles,
Cercanos y lejanos a un tiempo,
Secretos y visibles como los astros.
Ahí están los jardines, los templos.


 


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 18 / 31

  

Junho. 1968

 

Na tarde de ouro

ou numa serenidade cujo símbolo

poderia ser a tarde de ouro,

o homem dispõe os livros

nas prateleiras que aguardam

e sente o pergaminho, o couro, a trama

e o prazer que dão

a previsão de um hábito

e o estabelecimento de uma ordem.

Stevenson e o outro escocês, Andrew Lang,

aqui recomeçarão, de maneira mágica,

a lenta discussão que interromperam

os mares e a morte

e a Reyes não desagradará por certo

a proximidade de Virgílio.

(Organizar bibliotecas é exercer,

de um modo silencioso e modesto,

a arte da crítica.)

O homem, que está cego,

sabe que já não poderá decifrar

os belos volumes que manuseia

e que não lhe ajudarão a escrever

o livro que o justificará perante os outros,

mas na tarde que por acaso é de ouro

sorri ante o curioso destino

e sente essa felicidade peculiar

das velhas coisas queridas.

 

Junio. 1968


En la tarde de oro
o en una serenidad cuyo símbolo
podría ser la tarde de oro,
el hombre dispone los libros
en los anaqueles que aguardan
y siente el pergamino, el cuero, la tela
y el agrado que dan
la previsión de un hábito
y el establecimiento de un orden.

Stevenson y el otro escocés, Andrew Lang,
reanudarán aquí, de manera mágica,
la lenta discusión que interrumpieron
los mares y la muerte
y a Reyes no le desagradará ciertamente
la cercanía de Virgilio.

(Ordenar bibliotecas es ejercer,
de un modo silencioso y modesto,
el arte de la crítica.)
El hombre, que está ciego,
sabe que ya no podrá descifrar
los hermosos volúmenes que maneja
y que no le ayudarán a escribir
el libro que lo justificará ante los otros,
pero en la tarde que es acaso de oro
sonríe ante el curioso destino
y siente esa felicidad peculiar
de las viejas cosas queridas.

 

 


quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 17 / 31

  

Israel

 

Um homem encarcerado e enfeitiçado,

Um homem condenado a ser a serpente

que guarda um ouro infame,

um homem condenado a ser Shylock,

um homem que se inclina sobre a terra

e que sabe que esteve no Paraíso,

um homem velho e cego que há de romper

as colunas do templo,

um rosto condenado a ser uma máscara,

um homem que apesar dos homens

é Spinoza e o Baal Shem e os cabalistas,

um homem que é o Livro.

uma boca que louva do seu abismo

a justiça do firmamento,

um procurador ou um dentista

que dialogou com Deus em uma montanha,

um homem condenado a ser o escárnio,
a abominação, o judeu,

um homem lapidado, incendiado

e asfixiado em câmaras letais,

um homem que se obstina em ser imortal

e que ora voltou à batalha,

à violenta luz de sua vitória,

formoso como um leão ao meio-dia.

 

 

Israel

 

Un hombre encarcelado y hechizado,
un hombre condenado a ser la serpiente
que guarda un oro infame,
un hombre condenado a ser Shylock,
un hombre que se inclina sobre la tierra
y que sabe que estuvo en el Paraíso,
un hombre viejo y ciego que ha de romper
las columnas del templo,
un rostro condenado a ser una máscara,
un hombre que a pesar de los hombres
es Spinoza y el Baal Shem y los cabalistas,
un hombre que es el Libro,

una boca que alaba desde el abismo
la justicia del firmamento,
un procurador o un dentista
que dialogó con Dios en una montaña,
un hombre condenado a ser el escarnio,

la abominación, el judío,
un hombre lapidado, incendiado
y ahogado en cámaras letales,
un hombre que se obstina en ser inmortal
y que ahora ha vuelto a su batalla,
a la violenta luz de la victoria,
hermoso como un león al mediodía.


terça-feira, 21 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

 

Do livro Elogio da sombra – 16 / 31

 

 A Israel

 

Quem me dirá se tu estás no perdido

Labirinto dos rios seculares

De meu sangue, Israel? Quem os lugares

Que teu sangue e o meu sangue percorreram?

 

Não importa. Sei que tu estás no sagrado

Livro que abarca as eras e que a história

Do vermelho Adão traz-nos e a memória

Daquele que morreu Crucificado.

 

Naquele livro estás, que é o espelho

Dos rostos que sobre ele se debruçam

E do rosto de Deus, que em seu cristal

 

árduo e complexo, horrível se adivinha.

Salve, Israel, que guardas a muralha

divina, na paixão do teu combate.

 

 

A Israel


¿Quién me dirá si estás en el perdido
Laberinto de ríos seculares
De mi sangre, Israel? ¿Quién los lugares
Que mi sangre y tu sangre han recorrido?

No importa. Sé que estás en el sagrado
Libro que abarca el tiempo y que la historia
Del rojo Adán rescata y la memoria
Y la agonía del Crucificado.

En ese libro estás, que es el espejo
De cada rostro que sobre él se inclina
Y del rostro de Dios, que en su complejo

Y arduo cristal, terrible se adivina.
Salve, Israel, que guardas la muralla
De Dios, en la pasión de tu batalla.

 


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 15 / 31

 

 Pedro Salvadores

A Juan Murchison

 

Quero deixar escrito, talvez pela primeira vez, um dos fatos mais estranhos e mais tristes de nossa história. Interferir o menos possível em sua narrativa, prescindir de acréscimos pitorescos e de conjeturas aventureiras é, parece-me, a melhor maneira de fazê-lo.

Um homem, uma mulher e a vasta sombra de um ditador são os três personagens. O homem se chamava Pedro Salvadores; meu avô Acevedo viu-o, dias ou semanas depois da batalha de Caseros. Pedro Salvadores, talvez, não se distinguia do comum das gentes, mas seu destino e os anos o fizeram único. Seria um senhor como tantos outros de sua época. Possuía (cabe-nos supor) um estabelecimento no campo e era unitarista. O sobrenome de sua mulher era Planes; os dois moravam na rua Suipacha, perto da esquina do Templo. A casa em que se deram os fatos seria igual às outras: a porta da rua, o vestíbulo, a porta-cancela, os aposentos, a profundidade dos pátios. Certa noite, por volta de 1842, ouviram o progressivo e surdo rumor dos cascos dos cavalos na rua de terra e os vivas e morras dos cavaleiros. A mazorca [1], desta vez, não passou ao largo. À gritaria sucederam-se os repetidos golpes; enquanto os homens derrubavam a porta, Salvador conseguiu arrastar a mesa de jantar, levantar o tapete e ocultar-se no porão. A mulher pôs a mesa em seu lugar. A mazorca entrou com violência; vinham para levar Pedro Salvadores. A mulher declarou que ele havia fugido para Montevidéu. Não acreditaram; açoitaram-na, quebraram toda a louça azul celeste, revistaram a casa, mas não lhes ocorreu levantar o tapete. À meia-noite se foram, não sem haver jurado voltar.

Aqui começa verdadeiramente a história de Pedro Salvadores. Viveu noves anos no porão. Por mais que digamos que os anos são feitos de dias e os dias de horas e que nove anos é uma expressão abstrata e uma soma impossível, essa história é atroz. Suspeito que na sombra em que seus olhos aprenderam a decifrar ele não pensava em nada, nem mesmo em seu ódio nem em seu perigo. Estava ali, no porão. Alguns ecos daquele mundo que lhe era proibido lhe chegariam de cima: os passos costumeiros de sua mulher, a pancada do balde no parapeito da cisterna, a pesada chuva no pátio. Além disso, cada dia poderia ser o último.

A mulher foi despedindo a criadagem, que era capaz de denunciá-los. Disse a todos os seus que Salvadores estava na Banda Oriental. Ganhou o pão dos dois costurando para o exército. No decurso dos anos teve dois filhos; a família a repudiou, atribuindo-os a um amante. Depois da queda do tirano, pediram-lhe perdão de joelhos.

O quê foi, quem foi, Pedro Salvadores? Encarceraram-no o terror, o amor, a invisível presença de Buenos Aires e, finalmente, o hábito? Para que não a deixasse só, sua mulher lhe daria falsas notícias de conspiradores e de vitórias. É possível que fosse covarde e a mulher lealmente lhe escondeu que sabia. Imagino-o em seu porão, talvez sem um candeeiro, sem um livro. A sombra o afundaria no sono. Sonharia, a princípio, com a noite tremenda em que o aço procuraria a garganta, com as ruas abertas, com a planície. Com o passar dos anos não poderia fugir e sonharia com o porão. Ele seria, no início, um acossado, um ameaçado; depois, não o saberemos nunca, um animal tranquilo em sua toca ou uma espécie de obscura divindade.

Tudo isso até aquele dia do verão de 1852 em que Rosas fugiu. Foi então que o homem acobertado saiu à luz do dia; meu avô falou com ele. Balofo e obeso, estava da cor da cera e não falava em voz alta. Nunca lhe devolveram os campos que haviam sido confiscados; creio que morreu na miséria. Como todas as coisas, o destino de Pedro Salvadores parece-nos um símbolo de algo que estamos a um passo de compreender.

 

 

Pedro Salvadores

A Juan Murchison

 

Quiero dejar escrito, acaso por primera vez, uno de los hechos más raros y más tristes de nuestra historia. Intervenir lo menos posible en su narración, prescindir de adiciones pintorescas y de conjeturas aventuradas es, me parece, la mejor manera de hacerlo.

Un hombre, una mujer y la vasta sombra de un dictador son los tres personajes. El hombre se llamó Pedro Salvadores; mi abuelo Acevedo lo vio, días o semanas después de la batalla de Caseros. Pedro Salvadores, tal vez, no difería del común de la gente, pero su destino y los años lo hicieron único. Sería un señor como tantos otros de su época. Poseería (nos cabe suponer) un establecimiento de campo y era unitario. El apellido de su mujer era Planes; los dos vivían en la calle Suipacha, no lejos de la esquina del Temple. La casa en que los hechos ocurrieron sería igual a las otras: la puerta de calle, el zaguán, la puerta cancel, las habitaciones, la hondura de los patios. Una noche, hacia 1842, oyeron el creciente y sordo rumor de los cascos de los caballos en la calle de tierra y los vivas y mueras de los jinetes. La mazorca, esta vez, no pasó de largo. Al griterío sucedieron los repetidos golpes; mientras los hombres derribaban la puerta, Salvadores pudo correr la mesa del comedor, alzar la alfombra y ocultarse en el sótano. La mujer puso la mesa en su lugar. La mazorca irrumpió; venían a llevárselo a Salvadores. La mujer declaró que éste había huido a Montevideo. No le creyeron; la azotaron, rompieron toda la vajilla celeste, registraron la casa, pero no se les ocurrió levantar la alfombra. A la medianoche se fueron, no sin haber jurado volver.

Aquí principia verdaderamente la historia de Pedro Salvadores. Vivió nueve años en el sótano. Por más que nos digamos que los años están hechos de días y los días de horas y que nueve años es un término abstracto y una suma imposible, esa historia es atroz. Sospecho que en la sombra que sus ojos aprendieron a descifrar, no pensaba en nada, ni siquiera en su odio ni en su peligro.

Estaba ahí, en el sótano. Algunos ecos de aquel mundo que le estaba vedado le llegarían desde arriba: los pasos habituales de su mujer, el golpe del brocal y del balde, la pesada lluvia en el patio. Cada día, por lo demás, podía ser el último.

La mujer fue despidiendo a la servidumbre, que era capaz de delatarlos. Dijo a todos los suyos que Salvadores estaba en la Banda Oriental. Ganó el pan de los dos cosiendo para el ejército. Em el decurso de los años tuvo dos hijos; la familia la repudió, atribuyéndolos a un amante. Después de la caída del tirano, le pedirían perdón de rodillas.

¿Qué fue, quién fue, Pedro Salvadores? ¿Lo encarcelaron el terror, el amor, la invisible presencia de Buenos Aires y, finalmente, la costumbre? Para que no la

dejara sola, su mujer le daría inciertas noticias de conspiraciones y de victorias. Acaso era cobarde y la mujer lealmente le ocultó que ella lo sabía. Lo imagino en su sótano, tal vez sin un candil, sin un libro. La sombra lo hundiría en el sueño. Soñaría, al principio, con la noche tremenda en que el acero buscaba la garganta, con las calles abiertas, con la llanura. Al cabo de los años no podría huir y soñaría com el sótano. Sería, al principio, un acosado, un amenazado; después no lo sabremos nunca, um animal tranquilo en su madriguera o una suerte de oscura divinidad.

Todo esto hasta aquel día del verano de 1852 en que Rosas huyó. Fue entonces cuando el hombre secreto salió a la luz del día; mi abuelo habló con él. Fofo y obeso, estaba del color de la cera y no hablaba en voz alta. Nunca le devolvieron los campos que le habían sido confiscados; creo que murió en la miseria. Como todas las cosas, el destino de Pedro Salvadores nos parece un símbolo de algo que estamos a punto de comprender.


 

(*) Mazorca: força policial a serviço do ditador argentino Juan Manuel de Rosas.

domingo, 19 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 14 / 31

  

Do livro Elogio da sombra – 14 / 31

 

Rubayat

 

Volte do persa em minha voz a métrica
A recordar que o tempo é diversa
Trama de sonhos ávidos que somos
E que o secreto Sonhador dispersa.

Volte a afirmar que o fogo é a cinza,
A carne o pó, o rio o passageiro
reflexo da tua e da minha vida
Que devagar dispersam-se ligeiros.

Volte a afirmar que o árduo monumento
Que erige a presunção é como o vento
Que passa, e que à luz inconcebível
Do Eterno, são cem anos um momento.

Volte a acautelar que o rouxinol de ouro
Canta por uma só vez no sonoro
Ponto excelso da noite, e que seus astros
Avaros não prodigam seu tesouro.

Volte a lua ao verso que tua mão
Escreve como volta no temporão
Azul a teu jardim. A mesma lua
Desse jardim buscar-te-á em vão.

Que sejam sob a lua das mais ternas
Tardes teu humilde exemplo essas cisternas,
Em cujo espelho d’água se repetem
Umas poucas imagens sempiternas.

E que a lua do persa e os imprecisos
dourados dos crepúsculos desertos
Voltem. Hoje é ontem. És os outros
Cujo semblante é pó. Tu és os mortos.

 

Rubaiyat


Torne en mi voz la métrica del persa
A recordar que el tiempo es la diversa
Trama de sueños ávidos que somos
Y que el secreto Soñador dispersa.


Torne a afirmar que el fuego es la ceniza,
La carne el polvo, el río la huidiza
Imagen de tu vida y de mi vida
Que lentamente se nos va de prisa.


Torne a afirmar que el arduo monumento
Que erige la soberbia es como el viento
Que pasa, y que a la luz inconcebible
de Quien perdura, un siglo es un momento.


Torne a advertir que el ruiseñor de oro
Canta una sola vez en el sonoro
Ápice de la noche y que los astros
Avaros no prodigan su tesoro.


Torne la luna al verso que tu mano
Escribe como torna en el temprano
Azul a tu jardín. La misma luna
De ese jardín te ha de buscar en vano.

 

Sean bajo la luna de las tiernas
Tardes tu humilde ejemplo las cisternas,
En cuyo espejo de agua se repiten
Unas pocas imágenes eternas.


Que la luna del persa y los inciertos
Oros de los crepúsculos desiertos
Vuelvan. Hoy es ayer. Eres los otros
Cuyo rostro es el polvo. Eres los muertos.


sábado, 18 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

 

Do livro Elogio da sombra – 13 / 31

 

 As coisas

 

A bengala, as moedas, o chaveiro,

A dócil fechadura e extemporâneas

Notas que não lerão os poucos dias

Que me restam, os naipes, tabuleiro,

 

Um livro e em suas páginas a pálida

Violeta, monumento de uma tarde

Por certo inesquecível e esquecida,

O ocidental espelho rubro em que arde

 

Uma ilusória aurora. Quantas coisas,

Limas e taças, atlas, também cravos,

Servem-nos como tácitos escravos,

 

Cegas e estranhamente sigilosas!

Mais do que nosso olvido durarão,

E que partimos nunca saberão.

 

Las Cosas


El bastón, las monedas, el llavero,
La dócil cerradura, las tardías
Notas que no leerán los pocos días
Que me quedan, los naipes y el tablero,

Un libro y en sus páginas la ajada
Violeta, monumento de una tarde
Sin duda inolvidable y ya olvidada,
El rojo espejo occidental en que arde

Una ilusoria aurora. Cuántas cosas,
Limas, umbrales, atlas, copas, clavos,
Nos sirven como tácitos esclavos,

Ciegas y extrañamente sigilosas!
Durarán más allá de nuestro olvido;
No sabrán nunca que nos hemos ido.


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 12 / 31

  

A certa sombra

 

Que não profanem teu sagrado solo, Inglaterra.

O javali alemão e a hiena italiana.

Ilha de Shakespeare, que teus filhos te salvem

E também tuas sombras gloriosas.

Nesta margem ulterior dos mares

As invoco e acodem

Vindas do inumerável passado,

Com altas mitras e coroas de ferro,

Com Bíblias, com espadas, com remos,

Com âncoras e com arcos.

Pairam sobre mim na alta noite

Propicia à retórica e à magia

E busco pela mais tênue, a quebradiça,

E lhe advirto: oh, amigo,

O continente hostil se prepara com armas

Para invadir tua Inglaterra,

Como nos dias em que sofreste e cantaste.

Pelo mar, pela terra e pelo ar convergem os exércitos.

Torna a sonhar, De Quincey.

Tece para baluarte de tua ilha

Redes de pesadelos.

Que por seus labirintos de tempo

Errem sem fim os que odeiam.

Que sua noite se meça por centúrias, por eras, por pirâmides,

Que as armas sejam pó, pó os rostos,

Que nos salvem agora as indecifráveis arquiteturas

Que infundiram horror a teu sonho.

Irmão da noite, bebedor de ópio,

Pai de sinuosos períodos que já são labirintos e torres,

Pai das palavras que não são esquecidas,

Ouves-me, amigo não divisado, ouves-me

Através dessas coisas insondáveis

que são os mares e a morte?

  

A Cierta Sombra, 1940

Que no profanen tu sagrado suelo, Inglaterra,
El jabalí alemán y la hiena italiana.
Isla de Shakespeare, que tus hijos te salven
Y también tus sombras gloriosas.
En esta margen ulterior de los mares
Las invoco y acuden
Desde el innumerable pasado,
Con altas mitras y coronas de hierro,
Con Biblias, con espadas, con remos,
Con anclas y con arcos.

Se ciernen sobre mí en la alta noche
Propicia a la retórica y a la magia
Y busco la más tenue, la deleznable,
Y le advierto: oh, amigo,
El continente hostil se apresta con armas
A invadir tu Inglaterra,
Como en los días que sufriste y cantaste.

Por el mar, por la tierra y por el aire convergen los ejércitos.
Vuelve a soñar, De Quincey.
Teje para baluarte de tu isla
Redes de pesadillas.
Que por sus laberintos de tiempo
Erren sin fin los que odian.

Que su noche se mida por centurias, por eras, por pirámides,
Que las armas sean polvo, polvo las caras,
Que nos salven ahora las indescifrables arquitecturas
Que dieron horror a tu sueño.
Hermano de la noche, bebedor de opio,
Padre de sinuosos períodos que ya son laberintos y torres,
Padre de las palabras que no se olvidan,
¿Me oyes, amigo no mirado, me oyes
A través de esas cosas insondables
Que son los mares y la muerte?


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...