sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 12 / 31

  

A certa sombra

 

Que não profanem teu sagrado solo, Inglaterra.

O javali alemão e a hiena italiana.

Ilha de Shakespeare, que teus filhos te salvem

E também tuas sombras gloriosas.

Nesta margem ulterior dos mares

As invoco e acodem

Vindas do inumerável passado,

Com altas mitras e coroas de ferro,

Com Bíblias, com espadas, com remos,

Com âncoras e com arcos.

Pairam sobre mim na alta noite

Propicia à retórica e à magia

E busco pela mais tênue, a quebradiça,

E lhe advirto: oh, amigo,

O continente hostil se prepara com armas

Para invadir tua Inglaterra,

Como nos dias em que sofreste e cantaste.

Pelo mar, pela terra e pelo ar convergem os exércitos.

Torna a sonhar, De Quincey.

Tece para baluarte de tua ilha

Redes de pesadelos.

Que por seus labirintos de tempo

Errem sem fim os que odeiam.

Que sua noite se meça por centúrias, por eras, por pirâmides,

Que as armas sejam pó, pó os rostos,

Que nos salvem agora as indecifráveis arquiteturas

Que infundiram horror a teu sonho.

Irmão da noite, bebedor de ópio,

Pai de sinuosos períodos que já são labirintos e torres,

Pai das palavras que não são esquecidas,

Ouves-me, amigo não divisado, ouves-me

Através dessas coisas insondáveis

que são os mares e a morte?

  

A Cierta Sombra, 1940

Que no profanen tu sagrado suelo, Inglaterra,
El jabalí alemán y la hiena italiana.
Isla de Shakespeare, que tus hijos te salven
Y también tus sombras gloriosas.
En esta margen ulterior de los mares
Las invoco y acuden
Desde el innumerable pasado,
Con altas mitras y coronas de hierro,
Con Biblias, con espadas, con remos,
Con anclas y con arcos.

Se ciernen sobre mí en la alta noche
Propicia a la retórica y a la magia
Y busco la más tenue, la deleznable,
Y le advierto: oh, amigo,
El continente hostil se apresta con armas
A invadir tu Inglaterra,
Como en los días que sufriste y cantaste.

Por el mar, por la tierra y por el aire convergen los ejércitos.
Vuelve a soñar, De Quincey.
Teje para baluarte de tu isla
Redes de pesadillas.
Que por sus laberintos de tiempo
Erren sin fin los que odian.

Que su noche se mida por centurias, por eras, por pirámides,
Que las armas sean polvo, polvo las caras,
Que nos salven ahora las indescifrables arquitecturas
Que dieron horror a tu sueño.
Hermano de la noche, bebedor de opio,
Padre de sinuosos períodos que ya son laberintos y torres,
Padre de las palabras que no se olvidan,
¿Me oyes, amigo no mirado, me oyes
A través de esas cosas insondables
Que son los mares y la muerte?


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