Do
livro Elogio da sombra – 07 / 31
20 de maio de
1928
Agora é
invulnerável como os deuses.
Nada na terra
pode feri-lo, nem o desamor de uma mulher, nem a tísica, nem as ansiedades do
verso, nem essa coisa branca, a lua, que já não tem que fixar em palavras.
Caminha
lentamente sob as tílias; olha as balaustradas e as portas não para
recordá-las.
Já sabe
quantas noites e quantas manhãs lhe restam.
Sua vontade
impôs-lhe uma disciplina precisa. Executará determinados atos, atravessará
previstas esquinas, tocará uma árvore ou uma grade, para que o porvir seja tão
irrevogável como o passado.
Age dessa
maneira para que o feito que deseja realizar e teme não seja outra coisa a não
ser o termo final de uma série.
Caminha pela
rua 49; pensa que nunca atravessará tal ou qual saguão lateral.
Sem que
suspeitassem, já se despedira de muitos amigos.
Pensa o que
nunca saberá, se o dia seguinte será um dia de chuva.
Passa por um
conhecido e lhe prega uma peça.
Sabe que este
episódio será, por um tempo, uma piada.
Agora é invulnerável como os mortos.
Na hora
acertada, subirá por alguns degraus de mármore. (Isto perdurará na memória dos
outros.)
Descerá ao
lavatório; no piso axadrezado a água rapidamente apagará o sangue. O espelho o
aguarda.
Penteará o
cabelo, ajustará o nó da gravata (sempre foi um pouco dândi, como convém a um
jovem poeta) e procurará imaginar que o outro, o do espelho, executa os atos e
que ele, seu sósia, os repete. A mão não vacilará no que fará por último.
Docilmente, magicamente, já terá apoiado a arma contra a têmpora.
Assim, creio,
aconteceram as coisas.
Mayo 20, 1928
Ahora es invulnerable como los dioses.
Nada en la
tierra puede herirlo, ni el desamor de una mujer, ni la tisis, ni las
ansiedades del verso, ni esa cosa blanca, la luna, que ya no tiene que fijar en
palabras.
Camina
lentamente bajo los tilos; mira las balaustradas y las puertas, no para
recordarlas.
Ya sabe
cuántas noches y cuántas mañanas le faltan.
Su voluntad
le ha impuesto una disciplina precisa. Hará determinados actos, cruzará
previstas esquinas, tocará un árbol o una reja, para que el porvenir sea tan
irrevocable como el pasado.
Obra de esa
manera para que el hecho que desea y que teme no sea otra cosa que el término
final de una serie.
Camina
por la calle 49; piensa que nunca atravesará tal o cual zaguán lateral.
Sin que lo
sospecharan, se ha despedido ya de muchos amigos.
Piensa lo que
nunca sabrá, si el día siguiente será un día de lluvia.
Se cruza con
un conocido y le hace una broma.
Sabe que este
episodio será, durante algún tiempo, una anécdota.
Ahora es
invulnerable como los muertos.
En la hora
fijada, subirá por unos escalones de mármol. (Esto perdurará en la memoria de
otros.)
Bajará al
lavatorio; en el piso ajedrezado el agua borrará muy pronto la sangre. El
espejo lo aguarda.
Se alisará el
pelo, se ajustará el nudo de la corbata (siempre fue un poco dandy, como cuadra
a un joven poeta) y tratará de imaginar que el otro, el del cristal, ejecuta
los actos y que él, su doble, los repite. La mano no le temblará cuando ocurra
el último. Dócilmente, mágicamente, ya habrá apoyado el arma contra la sien.
Así, lo creo,
sucedieron las cosas.
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