quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

 Do livro Elogio da sombra – 04 / 31

 (Na versão metrificada – como no poema original –, alguns versos fogem à métrica de dez sílabas poéticas com tônica na sexta e na décima.)

 

New England, 1967

 

Alteraram-se as formas de meu sonho;

agora são casas laterais vermelhas [1]

e o delicado bronze da folhagem

e o casto inverno e o piedoso lenho.[2]

 

Como no dia sétimo, esta terra

é boa. Nos crepúsculos persiste

o que quase não é, audaz e triste,

um antigo rumor de Bíblia e guerra.

 

Logo (nos dizem) chegará a neve

e a América me espera em cada esquina,

mas sinto que na tarde que declina

o hoje tão lento e o ontem tão breve.

 

Buenos Aires, eu sigo caminhando

por tuas ruas, sem por quê nem quando.

                                                                   Cambridge, 1967

 

New England, 1967 (versão sem métrica)

 

Alteraram-se as formas de meu sonho;

agora são casas laterais vermelhas  [1]

e o delicado bronze das folhas

e o casto inverno e o piedoso lenho. [2]

 

Como no dia sétimo, a terra

é boa. Nos crepúsculos persiste

algo que quase não existe, ousado e triste,

um antigo rumor de Bíblia e guerra.

 

Logo (nos dizem) chegará a neve

e a América me espera em cada esquina,

mas sinto na tarde que declina

o hoje tão lento e o ontem tão breve.

 

Buenos Aires, eu sigo caminhando

por tuas esquinas, sem por quê nem quando.

 

                                                           Cambridge, 1967

 

 

New England, 1967

 

Han cambiado las formas de mi sueño;

ahora son laterales casas rojas

y el delicado bronce de las hojas

y el casto invierno y el piadoso leño.

Como en el día séptimo, la tierra

es buena. En los crepúsculos persiste

algo que casi no es, osado y triste,

un antiguo rumor de Biblia y guerra.

Pronto (nos dicen) llegará la nieve

y América me espera en cada esquina,

pero siento en la tarde que declina

el hoy tan lento y el ayer tan breve.

Buenos Aires, yo sigo caminando

por tus esquinas, sin por qué ni cuándo.

 

                                                           Cambridge, 1967

 

[1] Casa lateral: casa com passagem(ns) na(s) lateral(ais) e área livre atrás.

[2] Com a palavra ‘leño’ – aqui associada ao inverno – o poeta pode estar se referindo à ‘lenha na lareira’ ou à locução verbal coloquial espanhola ‘dormir como un leño’ – dormir profundamente.

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