sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


 

O Breve Amor


Com que pura doçura
levanta-me do leito em que sonhava
profundas plantações perfumadas,

desliza os dedos por minha pele e delineia-me
no espaço, no ar, até que o beijo
descanse subjugado e recorrente,

para que o fogo lento comece
a dança cadenciada da fogueira
entretecendo-se em rajadas, em hélices,
o vaivém de um furacão de fumaça...

Por que, depois,
o que resta de mim
é tão somente um afogar-se entre as cinzas
sem um adeus, sem nada mais que um gesto
de libertar as mãos?


El breve amor


Con qué tersa dulzura
me levanta del lecho en que soñaba
profundas plantaciones perfumadas,

me pasea los dedos por la piel y me dibuja
en el espacio, en vilo, hasta que el beso
se posa curvo y recurrente,

para que a fuego lento empiece
la danza cadenciosa de la hoguera
tejiéndose en ráfagas, en hélices,
ir y venir de un huracán de humo...

¿Por qué, después,
lo que queda de mí
es sólo un anegarse entre las cenizas
sin un adiós, sin nada más que el gesto
de liberar las manos?



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


 

Os Amantes


Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam pelas mãos, algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e no alto está a noite plena de olhos. 

São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo às mortes da relva, rumo aos portos
que se abrem entre lençóis.
Tudo se desordena por seu intermédio,
tudo encontra seu código escamoteado;
no entanto eles sequer cogitam
que enquanto circulam em sua amarga arena
há uma pausa na construção do nada,
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes lassos se olham e se tocam
por uma vez mais antes de cheirar o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E é só então
quando estão mortos, quando estão vestidos,
que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os deveres cotidianos.


Los Amantes


¿Quién los ve andar por la ciudad
si todos están ciegos?
Ellos se toman de la mano: algo habla
entre sus dedos, lenguas dulces
lamen la húmeda palma, corren por las falanges,
y arriba está la noche llena de ojos.

Son los amantes, su isla flota a la deriva
hacia muertes de césped, hacia puertos
que se abren entre sábanas.
Todo se desordena a través de ellos,
todo encuentra su cifra escamoteada;
pero ellos ni siquiera saben
que mientras ruedan en su amarga arena
hay una pausa en la obra de la nada,
el tigre es un jardín que juega.

Amanece en los carros de basura,
empiezan a salir los ciegos,
el ministerio abre sus puertas.
Los amantes rendidos se miran y se tocan
una vez más antes de oler el día.

Ya están vestidos, ya se van por la calle.
Y es sólo entonces
cuando están muertos, cuando están vestidos,
que la ciudad los recupera hipócrita
y les impone los deberes cotidianos.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


O Acobertador


Esse que sai de seu país porque tem medo,
não sabe do quê,
medo do queijo com rato,
da corda entre os loucos
da espuma na sopa.
Então quer trocar-se como uma figurinha,
o cabelo que antes domava
com gel e espelho solta-o em topete,
abre a camisa, muda de costumes,
de vinho, de idioma,
Percebe – infeliz – que vai se dando bem,
e dorme a sono solto.
Até de estilo muda,
e tem amigos que não sabem de sua história provinciana,
ridícula e caseira.
Aos poucos pergunta-se como pode esperar
todo esse tempo para sair do rio sem margens,
das golas rolê [1]
dos domingos, segundas, terças, quartas e quintas-feiras.
Na primeira página, sim, mas cuidado:
um mesmo espelho é todos os espelhos,
e o passaporte diz que nasceste e que existes
e a cútis de cor branca, o nariz de perfil reto,
Buenos Aires, setembro.
Antes de tudo que não se esqueça,
pois é arte de poucos,
do que quis,
essa sopa de letrinhas que infatigavelmente comerá
em numerosas mesas de variados hotéis,
a mesma sopa, pobre sujeito,
até que o peixinho entre as costelas
se anuncie e diga basta.
Antes, depois,
como os gracejos ao pranto
como a sombra à coluna
o perfume afigura o jasmim
o amante precede ao amor
como a carícia à mão
o amor sobrevive ao amante
mas inevitavelmente
ainda que não haja rastro nem presságio.

ainda que não haja rastro nem presságio
como a carícia à mão
o perfume afigura o jasmim
o amante precede ao amor
mas inevitavelmente
o amor sobrevive ao amante
como os gracejos ao pranto
como a sombra à coluna

como a carícia à mão
ainda que não haja rastro nem presságio
o amante precede ao amor
o perfume afigura o jasmim
como os gracejos ao pranto
como a sombra à coluna
o amor sobrevive ao amante
porém inevitavelmente


El Encubridor


Ese que sale de su país porque tiene miedo,
no sabe de que,
miedo del queso con ratón,
de la cuerda entre los locos,
de la espuma en la sopa.
Entonces quiere cambiarse como una figurita,
el pelo que antes se alambraba
con gomina y espejo lo suelta en jopo,
se abre la camisa, muda de costumbres,
de vino, de idioma.
Se da cuenta, infeliz, que va tirando mejor,
y duerme a pata ancha.
Hasta de estilo cambia,
y tiene amigos que no saben su historia provinciana,
ridícula y casera.
A ratos se pregunta como pudo esperar
todo ese tiempo
para salirse del río sin orillas,
de los cuellos garrote,
de los domingos, lunes, martes, miércoles y jueves.
A fojas uno, si, pero cuidado:
un mismo espejo es todos los espejos,
y el pasaporte dice que naciste y que eres
y cutis color blanco, nariz de dorso recto,
Buenos Aires, septiembre.
Aparte que no olvida,
porque es arte de pocos,
lo que quiso,
esa sopa de estrellas y letras que infatigable comerá
en numerosas mesas de variados hoteles,
la misma sopa, pobre tipo,
hasta que el pescadito intercostal
se plante y diga basta.
Antes, después
como los juegos al llanto
como la sombra a la columna
el perfume dibuja el jazmín
el amante precede al amor
como la caricia a la mano
el amor sobrevive al amante
pero inevitablemente
aunque no haya huella ni presagio

aunque no haya huella ni presagio
como la caricia a la mano
el perfume dibuja el jazmín
el amante precede el amor
pero inevitablemente
el amor sobrevive al amante
como los juegos al llanto
como la sombra a la columna

como la caricia a la mano
aunque no haya huella ni presagio
el amante precede al amor
el perfume dibuja el jazmín
como los juegos al llanto
como la sombra a la columna
el amor sobrevive al amante
pero inevitablemente



[1] Em 'cuellos garrote', a junção dos dois substantivos (o último, adjetivado) pressupõe 'pescoços tipo garrote', que optei por traduzir por 'golas rolê'. 


terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Julio Cortázar (Bélgica: 1914 – França: 1984)


  


A uma mulher

Não tens que chorar porque as plantas crescem na sacada,
não tens que estar triste
se por uma vez mais a rubra corrida das nuvens te reitera o imóvel,
esse permanecer em tanta fuga. Porque a nuvem estará aí,
constante em sua inconstância quando tu, quando eu
– mas por que dar nome ao pó e à cinza.
Sim, equivocamo-nos acreditando que a caminhada pelo dia
era o efêmero, a água que resvala pelas folhas até cair na terra.

Apenas dura o efêmero, essa estúpida planta que ignora a tartaruga,
essa fraca tartaruga que vacila na eternidade com olhos ocos,
e o som sem música, a palavra sem canto, a cópula sem grito de agonia,
as torres do oceano, os cegos montes.
Nós, amarrados a uma consciência que é o tempo,
não nos arredamos do terror e da delícia,
e seus verdugos delicadamente nos arrancam as pálpebras
para deixar-nos ver sem trégua como crescem as plantas da sacada,
como correm as nuvens rumo ao futuro.

Quem deseja dizer isto? Nada, uma xícara de chá.
Não há dramas no murmúrio, e tu és a silhueta de papel
que as tesouras vão salvando do informe: oh vaidade de crer-se
que se nasce como se morre,
quando o único real é o oco que fica no papel,
o golem que nos segue soluçando em sonhos e em esquecimentos.


A una mujer


No hay que llorar porque las plantas crecen en tu balcón,
no hay que estar triste
si una vez más la rubia carrera de las nubes te reitera lo inmóvil,
ese permanecer en tanta fuga. Porque la nube estará ahí,
constante en su inconstancia cuando tú, cuando yo
– pero por qué nombrar el polvo y la ceniza.
Sí, nos equivocábamos creyendo que el paso por el día
era lo efímero, el agua que resbala por las hojas hasta hundirse en la tierra.

Sólo dura la efímero, esa estúpida planta que ignora la tortuga,
esa blanda tortuga que tantea en la eternidad con ojos huecos,
y el sonido sin música, la palabra sin canto, la cópula sin grito de agonía,
las torres del maíz, los ciegos montes.
Nosotros, maniatados a una conciencia que es el tiempo,
no nos movemos del terror y la delicia,
y sus verdugos delicadamente nos arrancan los párpados
para dejarnos ver sin tregua cómo crecen las plantas del balcón,
cómo corren las nubes al futuro.

¿Qué quiere decir esto? Nada, una taza de té.
No hay drama en el murmullo, y tú eres la silueta de papel
que las tijeras van salvando de lo informe: oh vanidad de creer
que se nace o se muere,
cuando lo único real es el hueco que queda en el papel,
el golem que nos sigue sollozando en sueños y en olvido.




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Blanca Varela (Peru: 1926 – 2009)


Em uma das mãos a loucura...


Em uma das mãos a loucura, a tempestade. Na outra
uma pedra devastadora, mortal.
Equilíbrio sobre a teia de aranha segregando
a salivação sobre o abismo.
Dali as asas, o ar, as plumas. Um vôo
sepultado. O buraco do céu, do céu, o firmamento
do poço e a raiz de sete braços luminosos

Por que o número substituindo o olho
multiplicando-o? Por que a cegueira do céu?

O verbo se aninha fora do centro. Jamais nele. Pois todo
centro é um caminho equivocado e esse é o verbo, olho do
centro extinto. Silêncio.


En una mano la locura...


En una mano la locura, la tempestad. En la otra
una piedra rigurosa, mortal.
Equilibrio sobre el hilo de araña segregando
la salvación sobre el abismo.
De allí las alas, el aire, las plumas. En vuelo
enterrado. El agujero del cielo cielo, el firmamento
del pozo y la raíz de siete brazos luminosos.
¿Por qué el número sustituyendo al ojo
multiplicándolo? ¿Por qué la ceguera del cielo?
El verbo anida excéntrico. Jamás en él. Pues todo
centro es un camino errado y eso es el verbo, ojo del
centro abolido. Silencio.



(de El libro de barro)




domingo, 16 de fevereiro de 2020

Blanca Varela (Peru: 1926 – 2009)




Assim seja


O dia se findou
apenas consumido e já inútil.
Começa a grande luz,
todas as portas cedem ante um homem
dormindo,
o tempo é uma árvore que não cessa de crescer.

O tempo
A grande porta entreaberta,
o astro que cega.

Não é com os olhos que se vê nascer
essa gota de luz que será,
que foi um dia.

Canta abelha, sem pressa,
evoca o labirinto iluminado,
de festa.

Respira e canta.
Onde tudo termina abre tuas asas.
O sol és tu,
o espinho do crepúsculo,
o mar que acarinha as montanhas,
o resplendor total,
o sonho.


Así sea


El día queda atrás,
apenas consumido y ya inútil.
Comienza la gran luz,
todas las puertas ceden ante un hombre
dormido,
el tiempo es un árbol que no cesa de crecer.

El tiempo,
la gran puerta entreabierta,
el astro que ciega.

No es con los ojos que se ve nacer
esa gota de luz que será,
que fue un día.

Canta abeja, sin prisa,
recorre el laberinto iluminado,
de fiesta.

Respira y canta.
Donde todo se termina abre las alas.
Eres el sol,
el aguijón del alba,
el mar que besa las montañas,
la claridad total,
el sueño.

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...