quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

 

Do livro Elogio da sombra – 25 / 31

  

Buenos Aires

 


O que será Buenos Aires?

É a Plaza de Mayo a que voltaram, depois de ter guerreado no continente, homens cansados e felizes.

É o dédalo crescente de luzes que divisamos do avião e sob o qual estão o terraço, a calçada, o último pátio, as coisas quietas.

É o paredão de La Recoleta contra o qual morreu, executado, um dos meus antepassados.

É uma grande árvore da rua Junín que, sem sabê-lo, nos proporciona sombra e frescor.

É a longa rua de casas baixas, que deixa de ter e transfigura o poente.

É a Doca Sul da qual zarpavam o Saturno e o Cosmos.

É a calçada de Quintana na qual meu pai, que estivera cego, chorou porque via as antigas estrelas.

É uma porta numerada, atrás da qual, na obscuridade, passei dez dias e dez noites, imóvel, dias e noites que são na memória um instante.

É o mesmo ginete sob a chuva.

É uma esquina da rua Peru, na qual Júlio César nos disse que o pior pecado que pode cometer um homem é gerar um filho e sentenciá-lo a esta vida espantosa.

É Elvira de Alvear, escrevendo em cuidadosos cadernos um extenso romance, que no começo era feito de palavras e no fim de vagos traços indecifráveis.

É a mão de Norah, esboçando o rosto de uma amiga que é também o de um anjo.

É uma espada que serviu nas guerras e que é menos uma arma que uma memória.

É uma divisa descolorida ou um daguerreótipo desgastado, coisas que são do tempo.

É o dia em que deixamos uma mulher e o dia em que uma mulher nos deixou.

É aquele arco da rua Bolívar do qual se divisa a Biblioteca.

É a divisão da Biblioteca, na qual descobrimos, a partir de 1957, a língua dos ásperos saxões, a língua da coragem e da tristeza.

É a peça contígua, na qual morreu Paul Groussac.

É o último espelho que repetiu o rosto de meu pai.

É o rosto de Cristo que vi no pó, desfeito a marteladas, em uma das naves da Piedad.

É uma alta casa do Sul na qual minha mulher e eu traduzimos Whitman, cujo grande eco oxalá reverbere nesta página.

É Lugones, olhando pela janela do trem as formas que se perdem e pensando que já não o angustia o dever de traduzi-las para sempre em palavras, porque esta viagem será a última.

É a deserta noite, certa esquina do Once onde Macedonio Fernández, que morreu, continua explicando-me que a morte é uma falácia.

Não quero prosseguir; estas coisas são demasiadamente individuais, são demasiadamente o que são, para ser também Buenos Aires.

Buenos Aires é a outra rua em que nunca pisei, é o secreto centro dos quarteirões, os pátios derradeiros, é o que as fachadas ocultam, é meu inimigo, se o tenho, é a pessoa a quem desagradam meus versos (a mim também desagradam), é a modesta livraria em que por acaso entramos e que esquecemos, é essa rajada de milonga sibilante que não conhecemos e que nos toca, é o que foi perdido e o que será, é o ulterior, o alheio, o lateral, o bairro que não é teu nem meu, o que ignoramos e amamos.



Buenos Aires



¿Qué será Buenos Aires?

Es la Plaza de Mayo a la que volvieron, después de haber guerreado en el continente, hombres cansados y felices.

Es el dédalo creciente de luces que divisamos desde el avión y bajo el cual están la azotea, la vereda, el último patio, las cosas quietas.

Es el paredón de la Recoleta contra el cual murió, ejecutado, uno de mis mayores.

Es un gran árbol de la calle Junín que, sin saberlo, nos depara sombra y frescura.

Es una larga calle de casas bajas, que pierde y transfigura el poniente.

Es la Dársena Sur de la que zarpaban el Saturno y el Cosmos.

Es la vereda de Quintana en la que mi padre, que había estado ciego, lloró, porque veía las antiguas estrellas.

Es una puerta numerada, detrás de la cual, en la oscuridad, pasé diez días y diez noches, inmóvil, días y noches que son en la memoria un instante.

Es el jinete de pesado metal que proyecta desde lo alto su serie cíclica de sombras.

Es el mismo jinete bajo la lluvia.

Es una esquina de la calle Perú, en la que Julio César Dabove nos dijo que el peor pecado que puede cometer un hombre es engendrar un hijo y sentenciarlo a esta vida espantosa.

Es Elvira de Alvear, escribiendo en cuidadosos cuadernos una larga novela, que al principio estaba hecha de palabras y al fin de vagos rasgos indescifrables.

Es la mano de Norah, trazando el rostro de una amiga que es también el de un ángel.

Es una espada que ha servido en las guerras y que es menos un arma que una memoria.

Es una divisa descolorida o un daguerrotipo gastado, cosas que son del tiempo.

Es el día en que dejamos a una mujer y el día en que una mujer nos dejó.

Es aquel arco de la calle Bolívar desde el cual se divisa la Biblioteca.

Es la habitación de la Biblioteca, en la que descubrimos, hacia 1957, la lengua de los ásperos sajones, la lengua del coraje y de la tristeza.

Es la pieza contigua, en la que murió Paul Groussac.

Es el último espejo que repitió la cara de mi padre.

Es la cara de Cristo que vi en el polvo, deshecha a martillazos, en una de las naves de la Piedad.

Es una alta casa del Sur en la que mi mujer y yo traducimos a Whitman, cuyo gran eco ojalá reverbere en esta página.

Es Lugones, mirando por la ventanilla del tren las formas que se pierden y pensando que ya no lo abruma el deber de traducirlas para siempre en palabras, porque este viaje será el último.

Es, en la deshabitada noche, cierta esquina del Once en la que Macedonio Fernández, que ha muerto, sigue explicándome que la muerte es una falacia.

No quiero proseguir; estas cosas son demasiado individuales, son demasiado lo que son, para ser también Buenos Aires.

Buenos Aires es la otra calle, la que no pisé nunca, es el centro secreto de las manzanas, los patios últimos, es lo que las fachadas ocultan, es mi enemigo, si lo tengo, es la persona a quien le desagradan mis versos (a mi me desagradan también) , es la modesta librería en que acaso entramos y que hemos olvidado, es esa racha de milonga silbada que no reconocemos y que nos toca, es lo que se ha perdido y lo que será, es lo ulterior, lo ajeno, lo lateral, el barrio que no es tuyo ni mío, lo que ignoramos y queremos.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 24 / 31

  

Duas versões de “Ritter, Tod und Teufel”

 

I

Sob o quimérico elmo seu severo

Perfil é tão cruel como a cruel espada

Que aguarda. Pela selva despojada

Impassível cavalga o cavaleiro.

Torpe e dissimulada, a corja obscena

encurralou-o: o Demônio de servís

olhos, os labirínticos répteis

E o branco ancião do relógio de areia.

Cavaleiro de ferro, quem te mira

sabe que em ti não mora a falsidade

ou o pálido temor. Tua má sorte

É mandar e ultrajar. Tu és valente

E não serás indigno certamente,

Alemão, do Demônio e da Morte.

 

II

Os caminhos são dois. O daquele homem

De ferro e de soberba, e que cavalga,

Firme na fé, pela suspeita selva

Do mundo, entre as zombarias e a dança

estática do Demônio e da Morte,

E o outro, o breve, o meu. Em que desvanecida

Noite ou manhã antiga descobriram

Meus olhos a fantástica epopeia,

O duradouro sonho de Düher,

O herói e a caterva de suas sombras

Que me buscam, me espreitam e me encontram?

A mim, não ao paladino, exorta o branco

Ancião coroado de sinuosas

Serpentes. A clepsidra sucessiva.

Mede meu tempo, não seu eterno agora.
Eu terei me tornado em cinza e treva;

Eu, que parti depois, terei alcançado

Meu término mortal; tu, que não és,

 

Dos Versiones De "Ritter, Tod Und Teufel


I
Bajo el yelmo quimérico el severo
Perfil es cruel como la cruel espada
Que aguarda. Por la selva despojada
Cabalga imperturbable el caballero.
Torpe y furtiva, la caterva obscena
Lo ha cercado: el Demonio de serviles
Ojos, los laberínticos reptiles
Y el blanco anciano del reloj de arena.

Caballero de hierro, quien te mira
Sabe que en ti no mora la mentira
Ni el pálido temor. Tu dura suerte
Es mandar y ultrajar. Eres valiente
Y no serás indigno ciertamente,
Alemán, del Demonio y de la Muerte.

 

II
Los caminos son dos. El de aquel hombre
De hierro y de soberbia, y que cabalga,
Firme en su fe, por la dudosa selva
Del mundo, entre las befas y la danza
Inmóvil del Demonio y de la Muerte,
Y el otro, el breve, el mío. ¿En qué borrada
Noche o mañana antigua descubrieron
Mis ojos la fantástica epopeya,
El perdurable sueño de Durero,
El héroe y la caterva de sus sombras
Que me buscan, me acechan y me encuentran?
A mí, no al paladín, exhorta el blanco
Anciano coronado de sinuosas
Serpientes. La clepsidra sucesiva
Mide mi tiempo, no su eterno ahora.

Yo seré la ceniza y la tiniebla;
Yo, que partí después, habré alcanzado
Mi término mortal; tú, que no eres,
Tú, caballero de la recta espada
Y de la selva rígida, tu paso
Proseguirás mientras los hombres duren.
Imperturbable, imaginario, eterno.

 

(*) Cavaleiro, Morte e Diabo

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 23 / 31

  

Israel, 1969

 

Temi que em Israel espreitaria
com doçura insidiosa
a nostalgia que as diásporas seculares
acumularam como um triste tesouro
nas cidades do infiel, nas judiarias,
nos ocasos da estepe, nos sonhos,
a nostalgia daqueles que te almejaram,
Jerusalém, junto às águas da Babilônia.

Que outra coisa eras, Israel, senão essa nostalgia,
senão essa vontade de salvar,
entre as inconstantes formas do tempo,
teu velho livro mágico, tuas liturgias,
tua solidão com Deus?
Não assim. A mais antiga das nações
é também a mais jovem.
Não tentaste os homens com jardins,
com o ouro e seu tédio,
senão com o rigor, terra última.
Israel lhes disse sem palavras:
esquecerás quem és.
Esquecerás o outro que deixaste.
Esquecerás quem foste nas terras
que te deram suas tardes e suas manhãs
e às quais não darás tua nostalgia.
Esquecerás a língua de teus pais e aprenderás a língua do Paraíso.
Serás um israelita, serás um soldado.
Edificarás a pátria com lodaçais; a erguerás com desertos.
Trabalhará contigo teu irmão, cujo rosto não viste nunca.
Uma única coisa te prometemos:
teu posto na batalha.


Israel, 1969

 

Temí que en Israel acecharía
con dulzura insidiosa
la nostalgia que las diásporas seculares
acumularon como un triste tesoro
en las ciudades del infiel, en las juderías,
en los ocasos de la estepa, en los sueños,
la nostalgia de aquéllos que te anhelaron,
Jerusalén, junto a las aguas de Babilonia.
¿Qué otra cosa eras, Israel, sino esa nostalgia,
sino esa voluntad de salvar,
entre las inconstantes formas del tiempo,
tu viejo libro mágico, tus liturgias,
tu soledad con Dios?
No así. La más antigua de las naciones
es también la más joven.

No has tentado a los hombres con jardines,
con el oro y su tedio
sino con el rigor, tierra última.
Israel les ha dicho sin palabras:
olvidarás quién eres.
Olvidarás al otro que dejaste.
Olvidarás quién fuiste en las tierras
que te dieron sus tardes y sus mañanas
y a las que no darás tu nostalgia.
Olvidarás la lengua de tus padres y aprenderás la lengua del Paraíso.
Serás un israelí, serás un soldado.
Edificarás la patria con ciénagas; la levantarás con desiertos.
Trabajará contigo tu hermano, cuya cara no has visto nunca.
Una sola cosa te prometemos:
tu puesto en la batalla.



segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 22 / 31

 

 

Invocação a Joyce

 

Dispersos em dispersas capitais,

solitários e muitos,

brincávamos ser o primeiro Adão

que nomeou as coisas.

Pelos vastos declives da alta noite

que lindam com a aurora,

buscamos (recordo ainda) as palavras

da lua, da morte, das nascentes manhãs

e dos muitos mais hábitos dos homens.

Nós fomos o imagismo, o cubismo,

os conventículos e seitas

que as mais crédulas universidades veneram.

Inventamos a falta de pontuação,

a inexistência de maiúsculas,

as estrofes em formato de pombas

e dos bibliotecários de Alexandria.

Cinza, o labor sem fim de nossas mãos

e um fogo ardente nossa fé.

Tu, nesse ínterim, forjavas

nas cidades do teu desterro,

naquele desterro que foi

teu detestado e escolhido instrumento,

a arma de tua arte,

erigias teus árduos labirintos,

infinitos e infinitesimais,

admiravelmente mesquinhos,

mais populosos do que a história.

Nós morremos sem havermos divisado

a rosa ou a biforme fera

que de teu dédalo são o centro,

porém a memória possui seus talismãs,

seus ecos de Virgílio,

e assim pelas ruas da noite permanecem

teus infernos esplêndidos,

tantas cadências e metáforas tuas,

os ouros de tua sombra.

Que importa nossa covardia se há na terra

um só homem valente,

que importa a tristeza se existiu no tempo

alguém que se disse feliz,

que importa minha perdida geração,

esse vago espelho,

se teus livros a justificam.

Eu sou todos aqueles outros. Aqueles

que teu rigor obstinado resgatou.

Sou os que tu não conheces e os que tu salvas.

 

Invocación a Joyce


Dispersos en dispersas capitales,
solitarios y muchos,
jugábamos a ser el primer Adán
que dio nombre a las cosas.
Por los vastos declives de la noche
que lindan con la aurora,
buscamos (lo recuerdo aún) las palabras
de la luna, de la muerte, de la mañana
y de los otros hábitos del hombre.
Fuimos el imagismo, el cubismo,
los conventículos y sectas
que las crédulas universidades veneran.

Inventamos la falta de puntuación,
la omisión de mayúsculas,
las estrofas en forma de paloma
de los bibliotecarios de Alejandría.

Ceniza, la labor de nuestras manos
y un fuego ardiente nuestra fe.
Tú, mientras tanto, forjabas
en las ciudades del destierro,
en aquel destierro que fue
tu aborrecido y elegido instrumento,
el arma de tu arte,
erigías tus arduos laberintos,
infinitesimales e infinitos,
admirablemente mezquinos,
más populosos que la historia.

Habremos muerto sin haber divisado
la biforme fiera o la rosa
que son el centro de tu dédalo,
pero la memoria tiene sus talismanes,
sus ecos de Virgilio,
y así en las calles de la noche perduran
tus infiernos espléndidos,
tantas cadencias y metáforas tuyas,
los oros de tu sombra.

Qué importa nuestra cobardía si hay en la tierra
un solo hombre valiente,
qué importa la tristeza si hubo en el tiempo
alguien que se dijo feliz,
qué importa mi perdida generación,
ese vago espejo,
si tus libros la justifican.
Yo soy los otros. Yo soy todos aquellos
que ha rescatado tu obstinado rigor.
Soy los que no conoces y los que salvas.


 

domingo, 26 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 21 / 31

  

Acevedo

 

Campos de meus avós e que ainda guardam

Até hoje seu nome de Acevedo,

Indefinidos campos que não posso

De todo imaginar. Meus anos tardam

 

E ainda não divisei suas cansadas

Léguas de pátria e pó, as quais meus mortos

Viram sobre o cavalo, esses abertos

Caminhos, seus ocasos e alvoradas.

O prado é ubíquo. Foram vistos

Em Iowa, no sul, em terra hebreia,

Naquele salgueiral da Galileia

 

Pisados pelos pés do humano Cristo.

Não os perdi. Eles são meus, os mantenho

No esquecimento, em um casual desejo.

 

Acevedo

 

Campos de mis abuelos y que guardan
Todavía su nombre de Acevedo,
Indefinidos campos que no puedo
Del todo imaginar. Mis años tardan

Y no he mirado aún esas cansadas
Leguas de polvo y patria que mis muertos
Vieron desde el caballo, esos abiertos
Caminos, sus ocasos y alboradas.

La llanura es ubicua. Los he visto
En Iowa, en el Sur, en tierra hebrea,
En aquel saucedal de Galilea

Que hollaron los humanos pies de Cristo.
No los perdí. Son míos. Los poseo
En el olvido, en un casual deseo.

 


sábado, 25 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

Do livro Elogio da sombra – 20 / 31

 

Os gaúchos

 

Quem lhes teria dito que seus antepassados vieram por um mar, quem lhes teria dito o que são um mar e suas águas.

 

Mestiços do sangue do homem branco, fizeram pouco caso, mestiços do sangue do homem vermelho, foram seus inimigos.

 

Muitos não terão ouvido jamais a palavra gaúcho, ou a terão ouvido como um insulto.

 

Aprenderam os caminhos das estrelas, os hábitos do ar e do pássaro, as profecias das nuvens do Sul e da lua com um halo.

 

Foram pastores do gado bravio, firmes no cavalo do deserto que haviam domado nessa manhã, laçadores, marcadores, tropeiros, homens da milícia policial, por algumas vezes matreiros; algum, a quem escutavam, foi o trovador.

 

Cantava sem pressa, porque a aurora tarda a clarear, e não alteava a voz.

 

Havia peões tigreiros; escudado no poncho o braço esquerdo, o direito afundava o punhal no ventre do animal, empinado e alto.

 

O diálogo pausado, o mate e o baralho foram os moldes de seu tempo.

 

Ao contrário de outros camponeses, eram aptos à ironia.

 

Eram sofridos, castos e pobres. A hospitalidade foi sua festa.

Em alguma noite os perdeu o desordeiro álcool dos sábios.

 

Morriam e matavam com inocência.

 

Não eram devotos, afora alguma obscura superstição, mas a dura vida ensinou-lhes o culto da coragem.

 

Homens da cidade lhes inventaram um dialeto e uma poesia de metáforas rústicas.

 

Certamente não foram aventureiros, mas um arreio os levava muito longe e mais longe as guerras.

 

Não deram à história um só caudilho. Foram homens de Lopez, de Ramirez, de Artigas, de Quiroga, de Bustos, de Pedro Campbell, de Rosas, de Urquiza, daquele Ricardo López Jordán que mandou matar Urquiza, Peñaloza e Saraiva.

 

Não morreram por essa coisa abstrata, a pátria, senão por um patrão  casual, uma ira ou  pelo convite de um perigo.


Sua cinza está perdida em remotas regiões do continente, em repúblicas de cuja história nada souberam, em campos de batalha, hoje famosos.

 

Hilario Ascasubi os viu cantando e combatendo.

 

Viveram seu destino como em um sonho, sem saber quem eram ou o que eram.

 

Talvez o mesmo suceda a nós.

 

 

Los Gauchos


Quién les hubiera dicho que sus mayores vinieron por un mar, quién les hubiera dicho lo que son un mar y sus aguas.


Mestizos de la sangre del hombre blanco, lo tuvieron en poco, mestizos de la sangre del hombre rojo, fueron sus enemigos.


Muchos no habrán oído jamás la palabra gaucho, o la habrán oído como una injuria.


Aprendieron los caminos de las estrellas, los hábitos del aire y del pájaro, las profecías de las nubes del Sur y de la luna con un cerco.


Fueron pastores de la hacienda brava, firmes en el caballo del desierto que habían domado esa mañana, enlazadores, marcadores, troperos, hombres de la partida policial, alguna vez matreros; alguno, el escuchado, fue el payador.


Cantaba sin premura, porque el alba tarda en clarear, y no alzaba la voz.

 

Había peones tigreros; amparado en el poncho el brazo izquierdo, el derecho sumía el cuchillo en el vientre del animal, abalanzado y alto.


El diálogo pausado, el mate y el naipe fueron las formas de su tiempo.


A diferencia de otros campesinos, eran capaces de ironía.


Eran sufridos, castos y pobres. La hospitalidad fue su fiesta.

 

Alguna noche los perdió el pendenciero alcohol de los sábados.


Morían y mataban con inocencia.

 

No eran devotos, fuera de alguna oscura superstición, pero la dura vida les enseñó el culto del coraje.


Hombres de la ciudad les fabricaron un dialecto y una poesía de metáforas rústicas.

 

Ciertamente no fueron aventureros, pero un arreo los llevaba muy lejos y más lejos las guerras.


No dieron a la historia un solo caudillo. Fueron hombres de López, de Ramírez, de Artigas, de Quiroga, de Bustos, de Pedro Campbell, de Rosas, de Urquiza, de aquel Ricardo López Jordán que hizo matar a Urquiza, de Peñaloza y de Saravia.


No murieron por esa cosa abstracta, la patria, sino por un patrón casual, una ira o por la invitación de un peligro.

 

Su ceniza está perdida en remotas regiones del continente, en repúblicas de cuya historia nada supieron, en campos de batalla, hoy famosos.


Hilario Ascasubi los vio cantando y combatiendo.


Vivieron su destino como en un sueño, sin saber quiénes eran o qué eran.


Tal vez lo mismo nos ocurre a nosotros.


 


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)

 

Do livro Elogio da sombra – 19 / 31

 

O guardião dos livros

 

Aí estão os jardins, os templos e a justificativa dos templos,

A exata música e as exatas palavras,

Os sessenta e quatro hexagramas,

Os ritos que são a única sabedoria

Que outorga o Firmamento aos homens,

O decoro daquele imperador

Cuja serenidade foi refletida pelo mundo, seu espelho,

De sorte que os campos davam seus frutos

E as torrentes respeitavam suas margens,

O unicórnio ferido que regressa para marcar o fim,

As secretas leis eternas,

O concerto do orbe;

Essas coisas ou sua memória estão nos livros

Que custodio na torre.

 

Os tártaros vieram do Norte

Em escovados potros pequenos;

Aniquilaram os exércitos

Que o Filho do Céu mandou para castigar sua impiedade,

Erigiram pirâmides de fogo e cortaram gargantas,

Mataram o perverso e o justo,

Mataram o escravo acorrentado que vigia a porta,

Usaram e esqueceram as mulheres

E seguiram rumo ao Sul,

Inocentes como animais carnívoros,

Cruéis como punhais.

Na alvorada incerta

O pai de meu pai salvou os livros.

Aqui estão na torre onde jazo,

Recordando os dias que foram de outros,

Os alheios e antigos.

 

Em meus olhos não há dias. As prateleiras

Estão muito altas e não as alcançam meus anos.

Léguas de pó e sonho cercam a torre.

Por que me enganar?

 

A verdade é que nunca soube ler,

Mas me consolo pensando

Que o imaginado e o passado já são o mesmo

Para um homem que foi

E que contempla o que foi a cidade

E agora volta a ser o deserto.

O que me impede de sonhar que por alguma vez

Decifrei a sabedoria

E desenhei com diligente mão os símbolos?

Meu nome é Hsiang. Sou o que custodia os livros,

Que talvez sejam os últimos,

Pois nada sabemos do Império

E do Filho do Céu.

Aí estão nas altas prateleiras,

Próximas e distantes a um só tempo,

Secretas e visíveis como os astros.

Aí estão os jardins, os templos.

 

El Guardián De Los Libros


Ahí están los jardines, los templos y la justificación de los templos,
La recta música y las rectas palabras,
Los sesenta y cuatro hexagramas,
Los ritos que son la única sabiduría
Que otorga el Firmamento a los hombres,
El decoro de aquel emperador
Cuya serenidad fue reflejada por el mundo, su espejo,
De suerte que los campos daban sus frutos
Y los torrentes respetaban sus márgenes,
El unicornio herido que regresa para marcar el fin,
Las secretas leyes eternas,
El concierto del orbe;

Esas cosas o su memoria están en los libros
Que custodio en la torre.

Los tártaros vinieron del Norte
En crinados potros pequeños;
Aniquilaron los ejércitos
Que el Hijo del Cielo mandó para castigar su impiedad,
Erigieron pirámides de fuego y cortaron gargantas,
Mataron al perverso y al justo,
Mataron al esclavo encadenado que vigila la puerta,
Usaron y olvidaron a las mujeres
Y siguieron al Sur,
Inocentes como animales de presa,
Crueles como cuchillos.

En el alba dudosa
El padre de mi padre salvó los libros.
Aquí están en la torre donde yazgo,
Recordando los días que fueron de otros,
Los ajenos y antiguos.

En mis ojos no hay días. Los anaqueles
Están muy altos y no los alcanzan mis años.
Leguas de polvo y sueño cercan la torre.
¿A qué engañarme?

 

La verdad es que nunca he sabido leer,
Pero me consuelo pensando
Que lo imaginado y lo pasado ya son lo mismo
Para un hombre que ha sido
Y que contempla lo que fue la ciudad
Y ahora vuelve a ser el desierto.
¿Qué me impide soñar que alguna vez
Descifré la sabiduría
Y dibujé con aplicada mano los símbolos?
Mi nombre es Hsiang. Soy el que custodia los libros,
Que acaso son los últimos,
Porque nada sabemos del Imperio
Y del Hijo del Cielo.
Ahí están en los altos anaqueles,
Cercanos y lejanos a un tiempo,
Secretos y visibles como los astros.
Ahí están los jardines, los templos.


 


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...