sábado, 1 de agosto de 2020

Julio Cortázar (Argentina: 1914 – 1984)


O breve amor



Com que pura doçura

levanta-me do leito em que sonhava

profundas plantações perfumadas,



passeia os dedos por minha pele e me desenha

no espaço, instável, até que o beijo

pouse curvo e recorrente



para que o fogo lento comece

a dança cadenciada da fogueira

tecendo-se em rajadas, em hélices,

ir e vir de um furação de fumo –



(por que, a seguir,

o que resta de mim

é apenas um afogar-se entre as cinzas

sem um adeus, sem nada mais que o gesto

de libertar as mãos?)


El breve amor


Con qué tersa dulzura

me levanta del lecho en que soñaba

profundas plantaciones perfumadas,



me pasea los dedos por la piel y me dibuja

en el espacio, en vilo, hasta que el beso

se posa curvo y recurrente



para que a fuego lento empiece

la danza cadenciosa de la hoguera

tejiédose en ráfagas, en hélices,

ir y venir de un huracán de humo



(por qué, después,

lo que queda de mí

es sólo un anegarse entre las cenizas

sin un adiós, sin nada más que el gesto

de liberar las manos?)

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Lisel Mueller (EUA: 1924 – 2020)


 

Luz do sol e sombra

 

Mas a Itália produziu algo maravilhoso nela.

Deu-lhe luz, e – o que realizou de mais precioso – deu-lhe sombra...

  E. M. Foster, no livro “Um quarto com vista”.

 

1.

Observe qualquer garota tranquila do norte

renunciando à sua limpa transparência

nesta luz estrênua;

límpida até agora – sua vantagem de ser

definida por sua saia –, está de pé na luminosa piazza

buscando escapar do sol, algo temerosa

das naves de pedra e dos transeptos,

das arqueadas fontes algo temerosa

de sondar seu próprio e rico poço, sentir sua mente

cair, cair no inimaginável fundo

de sangue e ritmo,

onde começa a vida.

 

2.

Que pena, disse Miss Bartlett, ter Botticelli

arruinado uma cena adorável com um nu lamentável;

enquanto sua jovem prima, desmaiando com estranha alegria,

caía em uma moita de violetas

e foi beijada por um homem.

Pena Miss Bartlett. Mas Lucy,

apalpando sua parte baixa, ainda que meramente a sentindo,

como uma mulher enjoada com o cheiro de peixe

e ainda desinformada da causa,

culpou em demasia a Beethoven e ao ataque

das agitadas violetas.

 

3.

Os anjos e santos de Leonardo

mais se assemelham a mulheres; lembram

serafins com cabelos de garotas, e a suave curva

do braço do Batista, sua mão delicadamente carnal

apontando seus lábios onde misteriosos dançarinos

aglomeram-se nos cantos. Falamos do sorriso,

mas há mais: é a luz e a sombra

equilibrada para o amor, e a mulher afagando sua doninha

sabe tudo sobre o toque do sol

em cada único ponto de seu alongado casaco.

 

4.

O que começa no escuro virá com a luz do sol,

da infância sob o umbral do conhecimento,

da massificada inconsciência, até a ardente órbita

de afuroante sol, aclame

a existência do eu. Tome qualquer ato de criação,

na mente acrobata do sensual Leonardo,

no leito matrimonial – você pode dizer

onde ela começa? As abelhas

ausentam-se no verão, ainda assim dançam

com maior precisão que a dos barômetros

mostrando o movimento da luz do sol

rumo ao reluzente mel.

  

Sunlight and Shadow

 

But Italy worked some marvel on her. It gave her light, and—

which he held more precious – it gave her shadow…

– E. M. Forster, A ROOM WITH A VIEW

 

1.

Watch any cool Northern girl

renounce her clean transparency

in this strenuous light;

shadowless until now, her edge of being

defined by her skirt, she stands in the noon piazza

seeking asylum from sun, half-afraid

of the stone naves and transepts,

the vaulted fountains

where darkness broods; half-afraid

to fathom her own rich well, feel her mind

fall, fall to the unguessed bottom

of blood and rhythm,

where life begins.

 

2.

What a pity. said Miss Bartlett, that Botticelli

spoiled a lovely scene by that unfortunate nude;

while her young cousin, swooning with a strange joy,

fell into a thicket of violets

and was kissed by a man.

Pity Miss Bartlett. But Lucy,

groping her depth, as yet merely sensing it,

like a woman sick at the smell of fish

and ignorant still of the cause,

blamed too much Beethoven and the onslaught

of heaving violets.

 

3.

Leonardo’s

angels and saints look like women; remember

the seraph with hair like a girl’s, and the Baptist’s

softly curved arm, his delicately fleshed hand

pointing toward his lips where mysterious dancers

cluster in corners. We speak of the smile,

but it is more: it is light and shadow

balanced to love, and the woman fondling her weasel

knows all about the feel of the sun

on each single point of his stretching fur.

 

4.

What begins in the dark shall come into sunlight,

from infancy under the threshold of knowledge,

from massed unawareness, into the passionate orbit

of ferreting sun, acclaim

the existence of self. Take any act of creation,

in the tumbling mind of sensuous Leonardo,

in the marriage-bed—can you say

where it starts? The bees

are absent all winter, yet dance

more accurately than the barometer shows

the movement of summer’s light

toward glistening honey.


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Ali Chumacero (México: 1918 – 2010)


O pensamento olvidado

  

Pensar em teu semblante e em meu olvido

deixando o pensamento dilatado

através de teus olhos, inundado

de seu mesmo viver com teu sentido;

depois ver teu olvido que me assoma

como uma rosa que ao espaço dera

leve adiamento e com presteza era

a própria luz que toca com seu aroma,

é entregar-me a ti sem mais denodo

que na luta do corpo contra o vento,

e contigo sonhando estar tão quedo

como náufrago mar ou vão intento:

pois se pensar-te em mim não me concedo,

deixo esquecido em ti meu pensamento.

  

El pensamiento olvidado

  

Pensar en tu mirada y en mi olvido

dejando el pensamiento dilatado

a través de tus ojos, anegado

de su mismo vivir con tu sentido;

después mirar tu olvido que en mí asoma

como una rosa que al espacio diera

leve prolongación y luego fuera

la propia luz que toca con su aroma,

es entregarme a ti sin más denuedo

que la lucha del cuerpo contra el viento,

y contigo soñando estar tan quedo

como náufrago mar o vano intento:

porque ya que pensarte en mí no puedo,

dejo olvidado en ti mi pensamiento.

 


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima LXIX


Ao brilhar um relâmpago nascemos,
e ainda dura seu fulgor quando morremos;
tão curto é o viver!

A Glória e o Amor dos quais atrás corremos
sombras de um sonho são que perseguimos;
despertar é morrer!

  
Rima LXIX


Al brillar un relámpago nacemos,
y aún dura su fulgor cuando morimos;
¡tan corto es el vivir!

La Gloria y el Amor tras que corremos
sombras de un sueño son que perseguimos;
¡despertar es morir!


terça-feira, 28 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)





 Rima XLIX


Por vezes a encontro pelo mundo,
e passa junto a mim;
e passa sorrindo, e eu digo:
Como pode rir?

Logo assoma aos meus lábios outro sorriso,
máscara de dor,
e então penso: acaso ela ri,
como rio eu?


Rima XLIX


Alguna vez la encuentro por el mundo,
y pasa junto a mí;
y pasa sonriéndose, y yo digo:
?¿Cómo puede reír?

Luego asoma a mi labio otra sonrisa,
máscara del dolor,
y entonces pienso: ?Acaso ella se ríe,
como me río yo.



segunda-feira, 27 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima XXXIX


O que me dizes? Sei-o: és volúvel,
és altaneira e vã e caprichosa;
antes que o sentimento de sua alma,
brotará a água da estéril rocha.

Sei que em seu coração, ninho de serpentes,
não há uma fibra que ao amor responda;
que és uma estátua inanimada... mas...
és tão formosa!


Rima XXXIX


¿A qué me lo decís? Lo sé: es mudable,
es altanera y vana y caprichosa;
antes que el sentimiento de su alma,
brotará el agua de la estéril roca.

Sé que en su corazón, nido de sierpes,
no hay una fibra que al amor responda;
que es una estatua inanimada..., pero...
¡es tan hermosa!


domingo, 26 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima XXXVIII


Os suspiros são ar e vão ao ar.
As lágrimas são água e vão ao mar.
Diz-me, mulher, quando o amor se esquece,
sabes tu aonde vai?
  

Rima XXXVIII


Los suspiros son aire y van al aire.
Las lágrimas son agua y van al mar.
Dime, mujer, cuando el amor se olvida,
¿sabes tú adónde va?



sábado, 25 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima XXXIV


Cruza calada, e são seus movimentos
silenciosa harmonia:
soam seus passos, e ao soar recordam
do hino alado a cadência ritmada.

Os olhos entreabre, aqueles olhos
tão claros como o dia;
e quando os envolvem, a terra e o céu
ardem com luz nova em suas pupilas.

Ri, e sua gargalhada tem notas
da água fugidia;
chora, e cada lágrima é um poema
de ternura infinita.

Ela possui a luz, tem o perfume,
o colorido e a linha,
a forma tramadora de desejos,
a expressão, fonte eterna de poesia.

Que é estúpida? Bah! Enquanto calando
guarde obscuro o enigma,
sempre valerá o que eu creio que cala
mais do que o que qualquer outra me diga.


Rima XXXIV


Cruza callada, y son sus movimientos
silenciosa armonía:
suenan sus pasos, y al sonar recuerdan
del himno alado la cadencia rítmica.

Los ojos entreabre, aquellos ojos
tan claros como el día;
y la tierra y el cielo, cuanto abarcan,
arden con nueva luz en sus pupilas.

Ríe, y su carcajada tiene notas
del agua fugitiva;
llora, y es cada lágrima un poema
de ternura infinita.

Ella tiene la luz, tiene el perfume,
el color y la línea,
la forma engendradora de deseos,
la expresión, fuente eterna de poesía.

¿Qué es estúpida? ¡Bah! Mientras callando
guarde oscuro el enigma,
siempre valdrá lo que yo creo que calla
más que lo que cualquiera otra me diga.


quinta-feira, 23 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima XXII


Como vive essa rosa que prendeste
junto ao coração?
Nunca até então contemplei no mundo
junto ao vulcão uma flor.



Rima XXII



¿Cómo vive esa rosa que has prendido
junto a tu corazón?
Nunca hasta ahora contemplé en el mundo
junto al volcán la flor.





quarta-feira, 22 de julho de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)





Rima XX


Sabe, se alguma vez teus lábios rubros
queima invisível atmosfera abrasada,
que a alma que falar pode com os olhos,
também pode beijar com a mirada.


Rima XX


Sabe, si alguna vez tus labios rojos
quema invisible atmósfera abrasada,
que el alma que hablar puede con los ojos,
también puede besar con la mirada.

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...