segunda-feira, 6 de julho de 2020

Sylvia Plath (Estados Unidos: 1932 – 1963)




Metáforas


Eu sou um enigma em nove sílabas,
Um elefante, um pesado lar,
Um melão vagando em dois tentáculos
Fruta rubra, marfim, finas tábuas!
Pão grande que cresce com fermento.
Grana nova nesta bolsa gorda.
Sou um meio, um estágio, vaca grávida.
Devorei um montão de maçãs verdes,
Tomado o trem não há mais saída.


Metaphors


I’m a riddle in nine syllables,
An elephant, a ponderous house,
A melon strolling on two tendrils.
O red fruit, ivory, fine timbers!
This loaf’s big with its yeasty rising.
Money’s new-minted in this fat purse.
I’m a means, a stage, a cow in calf.
I’ve eaten a bag of green apples,
Boarded the train there’s no getting off.




domingo, 5 de julho de 2020

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)




O Outro


No primeiro de seus muitos milhares
De hexâmetros de bronze invoca o grego
À difícil musa ou a um arcano fogo
Para cantar a cólera de Aquiles.

Sabia que um outro – um Deus – é o que fere
De brusca luz nossa labuta;
Séculos depois diria a Escritura
Que o espírito assopra onde bem quiser.

A exata ferramenta a seu escolhido
Dá o impiedoso deus inominável:
A Milton o isolamento da sombra,

O desterro a Cervantes e o olvido.
Seu é tudo o que perdura na memória
Do tempo secular. E nossa, a escória.


El Otro


En el primero de sus largos miles
De hexámetros de bronce invoca el griego
A la ardua musa o a un arcano fuego
Para cantar la cólera de Aquiles.

Sabía que otro – un Dios – es el que hiere
De brusca luz nuestra labor oscura;
Siglos después diría la Escritura
Que el Espíritu sopla donde quiere.

La cabal herramienta a su elegido
Da el despiadado dios que no se nombra:
A Milton las paredes de la sombra,

El destierro a Cervantes y el olvido.
Suyo es lo que perdura en la memoria
Del tiempo secular. Nuestra la escoria.



sábado, 4 de julho de 2020

Harryette Mullen (Estados Unidos: 1953 –)




Vai, irmãzinha, canta tua melodia 


(Tradução de Wagner Mourão Brasil e Isaías Edson Sidney)*


vai irmãzinha canta tua melodia
lady castanho-rubro señora rubia [1] [2]
passou o dia
lavando a sua núbia [3]
ela vai ao lugar de sempre [4] [5]
sem ou com ele
devo gritar enquanto
você vai dando o ritmo
membros não ficam cansados
acrescente alguma prática à sua teoria
ela indaga isso é coisa de homem
ou uma coisa dele
desejando-lhe sorte
deu-lhe limões pra chupar
disse-lhe seja gentil amor
melhore a sua embocadura


go on sister sing your song


go on sister sing your song
lady redbone señora rubia
took all day long
shampooing her nubia
she gets to the getting place
without or with him
must I holler when
you’re giving me rhythm
members don’t get weary
add some practice to your theory
she wants to know is it a men thing
or a him thing
wishing him luck
she gave him lemons to suck
told him please dear
improve your embouchure


Notas:

[1] Redbone: Cão norte-americano de pelagem avermelhada. No falar das comunidades negras do sul dos Estados Unidos, pele ou cabelo castanho de matiz avermelhada
[2] Rubia: (espanhol) loura
[3] Núbia: A poeta diz que encontrou a palavra em uma série de cartas trocadas entre duas mulheres negras do século XIX. Embora a palavra se refira a um colarinho rendado usado pelas mulheres no período vitoriano, Mullen a aprecia por sua sonoridade “afrocêntrica”, com invocações à Núbia, região do vale do Nilo hoje partilhada pelo Egito e o Sudão.
[4] Getting place: No sul dos Estados Unidos, local de encontros amorosos. No português, o que antes costumava ser chamado de "randez-vous", ou local para encontros sexuais.
[5] "Members don't get weary" pode ser, como sugere meu parceiro de tradução, uma referência irônica a um spiritual norte-americano, cuja letra deve ter passado pela mente da autora ao fazer uso de seu título no verso.


(*) Eu fiz uma tradução alternativa deste poema, que publiquei no meu blog TRAPICHE DE VERSOS E AFINS. Confira:
http://trapichedeversoseafins.blogspot.com/search/label/poema%20traduzido%20-%20go%20on%20sister%20sing%20your%20song%20de%20Harryette%20Mullen




sexta-feira, 3 de julho de 2020

Emily Dickinson (Estados Unidos: 1830 - 1886)



Poema J223 / F258


Vim comprar um sorriso – hoje –
Não mais que um simples sorriso –
O menor que possais conceder-me -
Servir-me-á a contento –
Aquele a que ninguém dará por falta
se brilhou tão parcamente –
Imploro neste "balcão" – senhor –
Podereis vendê-lo?
Possuo Diamantes – em meus dedos!
Sabeis o que são Diamantes!
Tenho Rubis – como o Sangue do Entardecer -
E Topázio – como a estrela!
Para um Judeu, não mais que "uma barganha"!
E então? Poderei tê-lo – Senhor?


J223 / F258


I Came to buy a smile – today –
But just a single smile –
The smallest one upon your cheek –
Will suit me just as well –
The one that no one else would miss
It shone so very small –
I'm pleading at the "counter" – sir –
Could you afford to sell?
I've Diamonds – on my fingers!
You know what Diamonds are!
I've Rubies – like the Evening Blood –
And Topaz – like the star!
'Twould be "a bargain" for a Jew!
Say? May I have it – Sir?

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Emily Dickinson (EUA: 1830 – 1886)





Poema J1418 / F1877


Quão solitário sente-se o Vento das Noites –
Quando as pessoas já apagaram suas Luzes
E todo aquele que se abriga sob um Teto
Cerra a persiana e vai pra cama direto –
Cerra as venezianas e mantém-se em casa
Quão pomposo o Vento percebe os Meios-Dias
Ao passar por incorpóreas Melodias
Corrigindo erros praticados pelo céu
E purificando ao passar pelo cenário
Quão forte sente-se o Vento das Alvoradas
Instalando-se num milhar de Madrugadas –
Desposando a cada uma e a todas dando um tempo
E então elevar-se até seu mais Excelso Templo –


Poem J1418 / F1877


How lonesome the Wind must feel Nights –
When People have put out the Lights
And everything that has an Inn
Closes the shutter and goes in –
How pompous the Wind must feel Noons
Stepping to incorporeal Tunes
Correcting errors of the sky
And clarifying scenery
How mighty the Wind must feel Morns
Encamping on a thousand Dawns –
Espousing each and spurning all
Then soaring to his Temple Tall –



quarta-feira, 1 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Para Além do Amor


Tudo nos ameaça:
O tempo, que em vivos fragmentos divide
o que fui
do que serei,
como o facão à cobra;
a consciência, a transparência transpassada,
o olhar cego de olhar-se a olhar;
as palavras, luvas cinzentas, poeira mental sobre a erva,
a água, a pele;
nossos nomes, que entre ti e mim se levantam,
muralhas de vazio que nenhuma trombeta derruba.

Nem o sonho e sua multidão de imagens rotas,
nem o delírio e sua espuma profética,
nem o amor com seus dentes e unhas nos bastam.
Para além de nós mesmos,
nas fronteiras do ser e do estar,
uma vida mais vida nos reclama.

Lá fora a noite respira, se distende,
plena de grandes folhas quentes,
de espelhos que combatem:
frutas, garras, olhos, folhagens,
costas que reluzem,
corpos que abrem caminho entre outros corpos.

Deita-te aqui à margem de tanta espuma, 
de tanta vida que se ignora e se entrega:
tu também pertences à noite.
Estende-te, brancura que respira,
pulsa, oh estrela repartida,
copagem,
pão que inclinas a balança do lado da aurora,
pausa de sangue entre este tempo e outro sem medida.


Más Allá del Amor


Todo nos amenaza:
el tiempo, que en vivientes fragmentos divide
al que fui
del que seré,
como el machete a la culebra;
la conciencia, la transparencia traspasada,
la mirada ciega de mirarse mirar;
las palabras, guantes grises, polvo mental sobre la yerba,
el agua, la piel;
nuestros nombres, que entre tú y yo se levantan,
murallas de vacío que ninguna trompeta derrumba. 

Ni el sueño y su pueblo de imágenes rotas,
ni el delirio y su espuma profética,
ni el amor con sus dientes y uñas nos bastan.
Más allá de nosotros,
en las fronteras del ser y el estar,
una vida más vida nos reclama.

Afuera la noche respira, se extiende,
llena de grandes hojas calientes,
de espejos que combaten:
frutos, garras, ojos, follajes,
espaldas que relucen,
cuerpos que se abren paso entre otros cuerpos. 
Tiéndete aquí a la orilla de tanta espuma,
de tanta vida que se ignora y se entrega:
tú también perteneces a la noche.
Extiéndete, blancura que respira,
late, oh estrella repartida,
copa,
pan que inclinas la balanza del lado de la aurora,
pausa de sangre entre este tiempo y otro sin medida.



terça-feira, 30 de junho de 2020

Emily Dickinson (Estados Unidos: 1830 – 1886)




Poema J712  /  F479 


Por não poder parar para a Morte –
Gentil, parou ela para mim –  
Na Carruagem fomos Nós –
E a Imortalidade.

Sem pressa fomos – Ela não tinha pressa
E eu deixei de lado
A minha labuta e também o meu lazer,
Por sua Cortesia –

Passamos pela Escola, onde Crianças esforçavam-se
No Recreio – em Círculo –
Passamos pelos campos de Grãos Afrontantes 
Passamos pelo Sol Poente –

Ou antes - Ela passou a Nós –
O Orvalho tornou-se Tiritante e Gelado –
Pois só de Gaze - o meu Vestido –
O meu Xale - só de Tule –  

Paramos ante uma Casa que lembrava
A um Inchaço do Chão –
O Teto, mal se notava –
A Cornija - no Chão –

Desde então – são Séculos – e ainda assim
Sentia-os mais breves que o Dia
De antemão supus que as Cabeças dos Cavalos
Rumavam para a Eternidade –


Poem J712 / F479


Because I could not stop for Death –
He kindly stopped for me –
The Carriage held but just Ourselves –
And Immortality.

We slowly drove – He knew no haste
And I had put away
My labor and my leisure too,
For His Civility –

We passed the School, where Children strove
At Recess - in the Ring –
We passed the Fields of Gazing Grain –
We passed the Setting Sun –

Or rather - He passed Us –
The Dews drew quivering and Chill –
For only Gossamer, my Gown –
My Tippet – only Tulle –

We paused before a House that seemed
A Swelling of the Ground –
The Roof was scarcely visible –
The Cornice - in the Ground –

Since then - 'tis Centuries – and yet
Feels shorter than the Day
I first surmised the Horses' Heads
Were toward Eternity –



segunda-feira, 29 de junho de 2020

Siegfried Sassoon (Inglaterra: 1886 – 1967)





O Leito de Morte


Ele cochilou e estava ciente de que o silêncio se adensava
a sua volta, inabalável qual sólida muralha;
Aquoso qual raios de luz âmbar ondulante,
Pairando trêmulo nas asas do sono.
Silêncio e segurança; e sua orla mortal
Beijada na noite sem lua pelas insinuantes ondas da morte.

Alguém levava água a sua boca,
Ele engoliu, sem resistir; gemeu e afundou-se
Na escuridão por entre o vermelho vivo da tristeza; e esqueceu-se
da pulsação opiácea e dolorida de seu ferimento.
Água - calma, deslizando esverdeada sobre a barragem.
Água - uma passagem iluminada pelo céu para seu barco,
Ave - sonora, e circundada por reflexos de flores.
E matizes difusos de verão; ao flutuar,
Remou com pugnacidade, e suspirou, e adormeceu.

Noite - com uma rajada de vento, ela adentrou a enfermaria,
Agitando a cortina em curva bruxuleante.
Noite - estava cego; não via as estrelas
Reluzindo por entre fantasmas de tristeza divagante;
Estranhos borrões coloridos, púrpura, escarlate, verde,
Cintilando e desvanecendo em seus olhos marejados.

Chuva - podia ouvi-la rumorejar na escuridão;
Fragrância entrelaçada a música desapaixonada;
Chuva morna sobre rosas pendentes; aguaceiro tamborilante
Que encharca os bosques; não a chuva áspera que arrasa
Ao som do trovão, mas a paz gotejante,
Que delicada e lentamente vai ceifando a vida.

Ele moveu-se, arredando o corpo; então a dor
Saltou como besta desgovernada, e agarrou e rasgou
Seus sonhos tateantes com garras e presas que dilaceravam.
Mas alguém estava ao seu lado; logo acalmou-se
Estremecendo,  pois aquela coisa malévola havia passado.
E a morte, que se aproximara, interrompeu seus passos e fitou-o.

Acendam luzes suficientes e juntem-se ao redor de sua cama.
Emprestem-lhe seus olhos, sangue quente, e a vontade de viver.
Falem com ele; estimulem-no; ainda podem salvá-lo.
Ele é jovem; ele odiava a Guerra; como pode ele morrer
Enquanto velhos e cruéis propugnadores salvam-se vitoriosos?

Mas a morte respondeu: "Eu o escolhi." Então ele se foi,
E fez-se silêncio na noite de verão;
Silêncio e segurança; e os véus do sono.
Depois, muito ao longe, o troar das armas.


The Death Bed


He drowsed and was aware of silence heaped
Round him, unshaken as the steadfast walls;
Aqueous like floating rays of amber light,
Soaring and quivering in the wings of sleep.
Silence and safety; and his mortal shore
Lipped by the inward, moonless waves of death.

Someone was holding water to his mouth.
He swallowed, unresisting; moaned and dropped
Through crimson gloom to darkness; and forgot
The opiate throb and ache that was his wound.
Water — calm, sliding green above the weir.
Water — a sky-lit alley for his boat,
Bird — voiced, and bordered with reflected flowers
And shaken hues of summer; drifting down,
He dipped contented oars, and sighed, and slept.

Night — with a gust of wind, was in the ward,
Blowing the curtain to a glimmering curve.
Night — he was blind; he could not see the stars
Glinting among the wraiths of wandering cloud;
Queer blots of colour, purple, scarlet, green,
Flickered and faded in his drowning eyes.

Rain — he could hear it rustling through the dark;
Fragrance and passionless music woven as one;
Warm rain on drooping roses; pattering showers
That soak the woods; not the harsh rain that sweeps
Behind the thunder, but a trickling peace,
Gently and slowly washing life away.

He stirred, shifting his body; then the pain
Leapt like a prowling beast, and gripped and tore
His groping dreams with grinding claws and fangs.
But someone was beside him; soon he lay
Shuddering because that evil thing had passed.
And death, who'd stepped toward him, paused and stared.

Light many lamps and gather round his bed.
Lend him your eyes, warm blood, and will to live.
Speak to him; rouse him; you may save him yet.
He's young; he hated War; how should he die
When cruel old campaigners win safe through?

But death replied: 'I choose him.' So he went,
And there was silence in the summer night;
Silence and safety; and the veils of sleep.
Then, far away, the thudding of the guns.


domingo, 28 de junho de 2020

Rubén Darío (Nicarágua: 1867 – 1916)



  
Se minhas mãos pudessem desfolhar


Pronuncio o teu nome
Pelas noites escuras,
Assim que vêm os astros
Se abeberar na lua
E adormece a ramagem
Das copas escondidas.
E eu me sinto vazio
De ardor e melodia.
Louco relógio a cantar
Mortas horas antigas.

Pronuncio o teu nome,
Por esta noite escura,
E o teu nome me soa
Mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
E mais dolorido que a mansa chuva.

Te desejarei como então
Por outra vez? Que culpa
Tem o meu coração?
Se a névoa se desfaz
Que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
A lua desfolhar!!


Si mis manos pudieran deshojar


Yo pronuncio tu nombre
En las noches oscuras
Cuando vienen los astros
A beber en la luna
Y duermen los ramajes
De las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
De pasión y de música.
Loco reloj que canta
Muertas horas antiguas.

Yo pronuncio tu nombre,
En esta noche oscura,
Y tu nombre me suena
Más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
Y más doliente que la mansa lluvia.

¿Te querré como entonces
Alguna vez? ¿Qué culpa
Tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma
¿Qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?
¡¡Si mis dedos pudieran
Deshojar a la luna!!





Quarta de Quatro Canções Melancólicas


sábado, 27 de junho de 2020

Rubén Darío (Nicarágua: 1867 – 1916)


Triste, muito tristemente


Um dia estava eu triste, muito tristemente
olhando como caía a água de uma fonte.

Era a noite doce e argentina. Chorava
a noite. Suspirava a noite. Soluçava

a noite. E o crepúsculo em sua terna ametista,
diluía a lágrima de um misterioso artista.

E esse artista era eu, misterioso e gemente,
que misturava minha alma ao jorro da fonte.


Triste, muy tristemente


Un día estaba yo triste, muy tristemente
viendo cómo caía el agua de una fuente.

Era la noche dulce y argentina. Lloraba
la noche. Suspiraba la noche. Sollozaba

la noche. Y el crepúsculo en su suave amatista,
diluía la lágrima de un misterioso artista.

Y ese artista era yo, misterioso y gimiente,
que mezclaba mi alma al chorro de la fuente.



Terceira de Quatro Canções Melancólicas 


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...