sexta-feira, 10 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Teus olhos

Teus olhos são a pátria
do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento,
mar sem ondas, pássaros presos,
douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira do bosque
onde a luz canta no ombro
de uma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã
encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo,
portas do mais além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
absoluto que pestaneja, páramo.


Tus ojos


Tus ojos son la patria
del relámpago y de la lágrima,
silencio que habla,
tempestades sin viento,
mar sin olas, pájaros presos,
doradas fieras adormecidas,
topacios impíos como la verdad,
otoño en un claro del bosque
en donde la luz canta en el hombro
de un árbol y son pájaros todas las hojas,
playa que la mañana
encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego,
mentira que alimenta,
espejos de este mundo,
puertas del más allá,
pulsación tranquila del mar a mediodía,
absoluto que parpadea, páramo.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Sylvia Plath (Estados Unidos: 1932 – 1963)




Palavras



Machados
Após cujos golpes a madeira ressoa,
E os ecos!
Ecos propagando-se
a partir do cerne como cavalos.


A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água se esforçando
para recompor o seu espelho
Sobre a rocha


Que cai e gira,
Um crânio branco,
Corroído por herbosos verdes.
Anos depois
Encontro-as pelo caminho –


Palavras secas e indomáveis,
Os infatigáveis tropéis de cascos.
Enquanto
Do fundo do poço, estrelas fixas
Governam uma vida.


Words


Axes
After whose stroke the wood rings,
And the echos!
Echos traveling
Off from the center like horses.


The sap
Wells like tears, like the
Water striving
To re-establish its mirror
Over the rock


That drops and turns,
A white skull,
Eaten by weedy greens.
Years later I
Encounter them on the road —


Words dry and riderless,
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.






quarta-feira, 8 de julho de 2020

William Carlos Williams (Estados Unidos: 1833 – 1963)





Uma espécie de canção


Que a cobra espere sob
o ervaçal
e a escrita
seja feita de palavras, lenta e célere, cortante
no ataque, quieta na espera,
insone.
– por intermédio da metáfora reconciliar
as pessoas e as pedras.
Componha. (Não com ideias
mas nas coisas) Invente!
Saxifraga é a flor com que desintegro
as rochas.


A Sort Of A Song


Let the snake wait under
his weed
and the writing
be of words, slow and quick, sharp
to strike, quiet to wait,
sleepless.
— through metaphor to reconcile
the people and the stones.
Compose. (No ideas
but in things) Invent!
Saxifrage is my flower that splits
the rocks.

terça-feira, 7 de julho de 2020

William Carlos Williams (Estados Unidos: 1833 – 1963)



Retrato de uma dama


Suas coxas são macieiras
cujas flores tocam o céu.
Que céu? O céu
onde Watteau pendurou o chinelo
de uma dama. Seus joelhos
são como uma brisa do sul — ou
uma rajada de neve. Puxa! que
espécie de homem foi Fragonard?
— como se isso explicasse
tudo — Ah, sim. Abaixo
dos joelhos, já que a melodia
se esvai desse jeito, é
um daqueles dias claros de verão,
a relva alta de seus tornozelos
tremeluz sobre a praia —
Que praia? —
a areia se gruda em meus lábios —
Que praia?
Puxa! talvez pétalas. Como
posso saber?
Que praia? Que praia?
— as pétalas de alguma macieira
escondida — Que praia?
Eu disse pétalas de uma macieira.


Portrait Of A Lady


Your thighs are appletrees
whose blossoms touch the sky.
Which sky? The sky
where Watteau hung a lady's
slipper. Your knees
are a southern breeze—or
a gust of snow. Agh! what
sort of man was Fragonard?
— As if that answered
anything.— Ah, yes. Below
the knees, since the tune
drops that way, it is
one of those white summer days,
the tall grass of your ankles
flickers upon the shore —
Which shore? —
the sand clings to my lips —
Which shore?
Agh, petals maybe. How
should I know?
Which shore? Which shore?
—the petals from some hidden
appletree — Which shore?
I said petals from an appletree.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Sylvia Plath (Estados Unidos: 1932 – 1963)




Metáforas


Eu sou um enigma em nove sílabas,
Um elefante, um pesado lar,
Um melão vagando em dois tentáculos
Fruta rubra, marfim, finas tábuas!
Pão grande que cresce com fermento.
Grana nova nesta bolsa gorda.
Sou um meio, um estágio, vaca grávida.
Devorei um montão de maçãs verdes,
Tomado o trem não há mais saída.


Metaphors


I’m a riddle in nine syllables,
An elephant, a ponderous house,
A melon strolling on two tendrils.
O red fruit, ivory, fine timbers!
This loaf’s big with its yeasty rising.
Money’s new-minted in this fat purse.
I’m a means, a stage, a cow in calf.
I’ve eaten a bag of green apples,
Boarded the train there’s no getting off.




domingo, 5 de julho de 2020

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)




O Outro


No primeiro de seus muitos milhares
De hexâmetros de bronze invoca o grego
À difícil musa ou a um arcano fogo
Para cantar a cólera de Aquiles.

Sabia que um outro – um Deus – é o que fere
De brusca luz nossa labuta;
Séculos depois diria a Escritura
Que o espírito assopra onde bem quiser.

A exata ferramenta a seu escolhido
Dá o impiedoso deus inominável:
A Milton o isolamento da sombra,

O desterro a Cervantes e o olvido.
Seu é tudo o que perdura na memória
Do tempo secular. E nossa, a escória.


El Otro


En el primero de sus largos miles
De hexámetros de bronce invoca el griego
A la ardua musa o a un arcano fuego
Para cantar la cólera de Aquiles.

Sabía que otro – un Dios – es el que hiere
De brusca luz nuestra labor oscura;
Siglos después diría la Escritura
Que el Espíritu sopla donde quiere.

La cabal herramienta a su elegido
Da el despiadado dios que no se nombra:
A Milton las paredes de la sombra,

El destierro a Cervantes y el olvido.
Suyo es lo que perdura en la memoria
Del tiempo secular. Nuestra la escoria.



sábado, 4 de julho de 2020

Harryette Mullen (Estados Unidos: 1953 –)




Vai, irmãzinha, canta tua melodia 


(Tradução de Wagner Mourão Brasil e Isaías Edson Sidney)*


vai irmãzinha canta tua melodia
lady castanho-rubro señora rubia [1] [2]
passou o dia
lavando a sua núbia [3]
ela vai ao lugar de sempre [4] [5]
sem ou com ele
devo gritar enquanto
você vai dando o ritmo
membros não ficam cansados
acrescente alguma prática à sua teoria
ela indaga isso é coisa de homem
ou uma coisa dele
desejando-lhe sorte
deu-lhe limões pra chupar
disse-lhe seja gentil amor
melhore a sua embocadura


go on sister sing your song


go on sister sing your song
lady redbone señora rubia
took all day long
shampooing her nubia
she gets to the getting place
without or with him
must I holler when
you’re giving me rhythm
members don’t get weary
add some practice to your theory
she wants to know is it a men thing
or a him thing
wishing him luck
she gave him lemons to suck
told him please dear
improve your embouchure


Notas:

[1] Redbone: Cão norte-americano de pelagem avermelhada. No falar das comunidades negras do sul dos Estados Unidos, pele ou cabelo castanho de matiz avermelhada
[2] Rubia: (espanhol) loura
[3] Núbia: A poeta diz que encontrou a palavra em uma série de cartas trocadas entre duas mulheres negras do século XIX. Embora a palavra se refira a um colarinho rendado usado pelas mulheres no período vitoriano, Mullen a aprecia por sua sonoridade “afrocêntrica”, com invocações à Núbia, região do vale do Nilo hoje partilhada pelo Egito e o Sudão.
[4] Getting place: No sul dos Estados Unidos, local de encontros amorosos. No português, o que antes costumava ser chamado de "randez-vous", ou local para encontros sexuais.
[5] "Members don't get weary" pode ser, como sugere meu parceiro de tradução, uma referência irônica a um spiritual norte-americano, cuja letra deve ter passado pela mente da autora ao fazer uso de seu título no verso.


(*) Eu fiz uma tradução alternativa deste poema, que publiquei no meu blog TRAPICHE DE VERSOS E AFINS. Confira:
http://trapichedeversoseafins.blogspot.com/search/label/poema%20traduzido%20-%20go%20on%20sister%20sing%20your%20song%20de%20Harryette%20Mullen




sexta-feira, 3 de julho de 2020

Emily Dickinson (Estados Unidos: 1830 - 1886)



Poema J223 / F258


Vim comprar um sorriso – hoje –
Não mais que um simples sorriso –
O menor que possais conceder-me -
Servir-me-á a contento –
Aquele a que ninguém dará por falta
se brilhou tão parcamente –
Imploro neste "balcão" – senhor –
Podereis vendê-lo?
Possuo Diamantes – em meus dedos!
Sabeis o que são Diamantes!
Tenho Rubis – como o Sangue do Entardecer -
E Topázio – como a estrela!
Para um Judeu, não mais que "uma barganha"!
E então? Poderei tê-lo – Senhor?


J223 / F258


I Came to buy a smile – today –
But just a single smile –
The smallest one upon your cheek –
Will suit me just as well –
The one that no one else would miss
It shone so very small –
I'm pleading at the "counter" – sir –
Could you afford to sell?
I've Diamonds – on my fingers!
You know what Diamonds are!
I've Rubies – like the Evening Blood –
And Topaz – like the star!
'Twould be "a bargain" for a Jew!
Say? May I have it – Sir?

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Emily Dickinson (EUA: 1830 – 1886)





Poema J1418 / F1877


Quão solitário sente-se o Vento das Noites –
Quando as pessoas já apagaram suas Luzes
E todo aquele que se abriga sob um Teto
Cerra a persiana e vai pra cama direto –
Cerra as venezianas e mantém-se em casa
Quão pomposo o Vento percebe os Meios-Dias
Ao passar por incorpóreas Melodias
Corrigindo erros praticados pelo céu
E purificando ao passar pelo cenário
Quão forte sente-se o Vento das Alvoradas
Instalando-se num milhar de Madrugadas –
Desposando a cada uma e a todas dando um tempo
E então elevar-se até seu mais Excelso Templo –


Poem J1418 / F1877


How lonesome the Wind must feel Nights –
When People have put out the Lights
And everything that has an Inn
Closes the shutter and goes in –
How pompous the Wind must feel Noons
Stepping to incorporeal Tunes
Correcting errors of the sky
And clarifying scenery
How mighty the Wind must feel Morns
Encamping on a thousand Dawns –
Espousing each and spurning all
Then soaring to his Temple Tall –



quarta-feira, 1 de julho de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Para Além do Amor


Tudo nos ameaça:
O tempo, que em vivos fragmentos divide
o que fui
do que serei,
como o facão à cobra;
a consciência, a transparência transpassada,
o olhar cego de olhar-se a olhar;
as palavras, luvas cinzentas, poeira mental sobre a erva,
a água, a pele;
nossos nomes, que entre ti e mim se levantam,
muralhas de vazio que nenhuma trombeta derruba.

Nem o sonho e sua multidão de imagens rotas,
nem o delírio e sua espuma profética,
nem o amor com seus dentes e unhas nos bastam.
Para além de nós mesmos,
nas fronteiras do ser e do estar,
uma vida mais vida nos reclama.

Lá fora a noite respira, se distende,
plena de grandes folhas quentes,
de espelhos que combatem:
frutas, garras, olhos, folhagens,
costas que reluzem,
corpos que abrem caminho entre outros corpos.

Deita-te aqui à margem de tanta espuma, 
de tanta vida que se ignora e se entrega:
tu também pertences à noite.
Estende-te, brancura que respira,
pulsa, oh estrela repartida,
copagem,
pão que inclinas a balança do lado da aurora,
pausa de sangue entre este tempo e outro sem medida.


Más Allá del Amor


Todo nos amenaza:
el tiempo, que en vivientes fragmentos divide
al que fui
del que seré,
como el machete a la culebra;
la conciencia, la transparencia traspasada,
la mirada ciega de mirarse mirar;
las palabras, guantes grises, polvo mental sobre la yerba,
el agua, la piel;
nuestros nombres, que entre tú y yo se levantan,
murallas de vacío que ninguna trompeta derrumba. 

Ni el sueño y su pueblo de imágenes rotas,
ni el delirio y su espuma profética,
ni el amor con sus dientes y uñas nos bastan.
Más allá de nosotros,
en las fronteras del ser y el estar,
una vida más vida nos reclama.

Afuera la noche respira, se extiende,
llena de grandes hojas calientes,
de espejos que combaten:
frutos, garras, ojos, follajes,
espaldas que relucen,
cuerpos que se abren paso entre otros cuerpos. 
Tiéndete aquí a la orilla de tanta espuma,
de tanta vida que se ignora y se entrega:
tú también perteneces a la noche.
Extiéndete, blancura que respira,
late, oh estrella repartida,
copa,
pan que inclinas la balanza del lado de la aurora,
pausa de sangre entre este tiempo y otro sin medida.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...