domingo, 17 de maio de 2020

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)



Ao vinho


No bronze de Homero teu nome resplandece
Escuro vinho que o peito do homem aquece.
Há muitos séculos passas de mão em mão
desde o ríton do grego ao corno do teutão.

Na aurora já te encontravas. Às gerações
deste-lhes pelo caminho o fogo e os leões.
Junto àquele outro rio de noites e dias
corre o teu, a que aclamam amigos e alegrias.

Vinho que como o Eufrates patriarcal e profundo
vais deslizando ao longo da história do mundo.
Em teu cristal vivo nossos olhos têm visto
vermelha metáfora do sangue de Cristo.

Nas arrebatadas estrofes de sufi
és a cimitarra, a rosa e o rubro rubi.
Que outros em teu Letes bebam um triste olvido;
eu busco em ti as festas do fervor compartido.

Sésamo com o qual antigas noites abro
e na dura treva, dádiva e candelabro.
Vinho do mútuo amor ou da rubra peleja,
em algum dia te chamarei. Que assim seja.


Al Vino


En el bronce de Homero resplandece tu nombre,
negro vino que alegras el corazón del hombre.
Siglos de siglos hace que vas de mano en mano
desde el ritón del griego al cuerno del germano.

En la aurora ya estabas. A las generaciones
les diste en el camino tu fuego y tus leones.
Junto a aquel otro río de noches y de días
corre el tuyo que aclaman amigos y alegrías,

Vino que como un Éufrates patriarcal y profundo
vas fluyendo a lo largo de la historia del mundo.
En tu cristal que vive nuestros ojos han visto
una roja metáfora de la sangre de Cristo.

En las arrebatadas estrofas de sufí
eres la cimitarra, la rosa y el rubí.
Que otros en tu Leteo beban un triste olvido;
yo busco en ti las fiestas del fervor compartido.

Sésamo con el cual antiguas noches abro
y en la dura tiniebla, dádiva y candelabro.
Vino del mutuo amor o la roja pelea,
alguna vez te llamaré. Que así sea.



sábado, 16 de maio de 2020

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)



Soneto do Vinho


Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção dos astros, em que secreto dia
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa
E singular ideia de inventar a alegria?

Com outonos de ouro a inventaram.
O vinho flui rubro ao longo das gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Prodiga-nos sua música, seu fogo e seus leões.

Na noite de júbilo ou na jornada adversa
Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E o ditirambo novo que neste dia lhe canto

Outrora cantaram-no o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história
Como se esta já fosse cinza na memória.


Soneto del Vino


¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
Conjunción de los astros, en qué secreto día
Que el mármol no há salvado, surgió la valerosa
Y singular ideia de inventar la alegria?

Com otoños de oro la inventaron.
El vino fluye rojo a lo largo de las generaciones
Como el río del tiempo y en el arduo camino
Nos prodiga su música, su fuego y sus leones.

En la noche del júbilo o en la jornada adversa
Exalta la alegria o mitiga el espanto
Y el ditirambo nuevo que este día le canto

Otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enseñame el arte de ver mi propia historia
Como si ésta ya fuera ceniza en la memória.





sexta-feira, 15 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)


Do livro Três Cliques à Esquerda*

Poem 07 / 24


Aquele tão
positivo sujeito lá
tinha uma vida positiva
com positivas ações.
Por consequência
a sociedade positiva
 com positiva intenção
condenou-o
a uma morte negativa.


7 / 24


That so
positive guy there
had a positive life
with positive actions.
Whereupon
the positive society
with positive intent
doomed him
to a negative death.


Poema 08 / 24


As ruas bem amplas
as tavernas repletas
hoje é um dia para
bacalhau salgado ao molho de alho
binóculos pendurados
bandeirinhas manchadas.
E o sol a pino
e o molho de alho.
Uma mosca de merda no olho da criança
depois da parada. 25 de março de 1977. [1]


08 / 24


The streets wide open
the taverns brimming over
today’s a day for salted codfish in garlic sauce.
Binoculars hanging
stained little flags.
And the sun beating down
 and the garlic sauce.
A shit-fly in the kid’s eye
after the parade. March 25, 1977



Poema 09 / 24


Minha casa como a sua
confunde-se com as das outras pessoas
sendo tão estreitas as ruas
sendo tantas as pessoas.
Por vezes vivemos tão exprimidos
que eu penso que dorminos na mesma cama
escovando os nossos dentes com a mesma escova
e comendo a mesma comida.
Acontece que quando você sai
você deixa o seu prato sem lavar
porque eu não posso explicar de outro modo
como a pia está sempre imunda.
Mas não reclamo.
E eu faço o que posso
para mostrar o quanto o amo.
É por isso que uso um bigode falso
e saio sob a chuva com um ventilador.
Para que seus filhos tenham do que rir.
Sozinha eu peço a você que não fofoque sobre nós.
E deixe a minha Myrto ter alguma paz. [3]
Ela nasceu assim Triste.


09 / 24


My house like your own
mingles with the ones of other people
the streets being so narrow
the people being so many.
There are times we live so tight-fit
I believe you’re sleeping in the same bed
cleaning our teeth with the same brush
and eating the same food.
It’s just that when you run off
you leave your plate unwashed
because I can’t explain how else
the kitchen sink’s forever filthy.
But no complaints.
And I do what I can
to show how much I love you.
That’s why I stick a moustache
on and go out into the rain with a fan.
So your kids have something to laugh about.
Alone I beg you not to gossip about us.
And let my Myrto have some peace.
She was born that way Sad.




*) Três Cliques à Esquerda: ordem militar para que um operador de metralhadora corrija a mira girando o cano da arma sobre o tripé três furos à esquerda (neste caso).

Notas:

[1] Comemoração do dia da vitória grega na Guerra pela Independência, também conhecida como Revolução Grega (1821-1832), contra o Império Otomano.
[2] Myrto Gógou: filha da poeta, falecida em 18 de setembro de 2015.




quinta-feira, 14 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)





Poema 06 / 24


Quero que conversemos numa cafeteria
uma em que as portas estejam abertas
onde não haja mar apenas homens desempregados
silêncio e poeira inflamada pela luz do sol
- a luz do sol na bebida –
e a poeira e os cigarros em nossos pulmões
e não nos previnamos hoje, meu amigo, sobre nossa saúde
e não me dê conselhos
sobre como os estou rejeitando
e como estou me desgastando
e deixe que a maquiagem, a coriza e as lágrimas
em meu rosto
escorram.

Apenas observe com calma
as minhas unhas, o meu cabelo e os anos
que estão sujos e eu
eu não dou a mínima pra tudo isso
Eles só se importam com o Partido, pel’amor de Deus!
por que o Partido não foi consertado ao longo desses anos
e você meu amigo. Um verdadeiro amigo
como canta Kazantzidis [1]
e a merda de bebida
e o empreiteiro não mostrou
que há um quarto sobre a cafeteria
para os de passagem

deixarei tudo isso extravasar nalguma hora
eu faço isso quando estou bêbada – só pra confundi-lo –
para vê-lo sem suas cuecas, para ver o que fará
mas você, você não é como os outros
você se levantará e dançará a um convite
... suas mãos pegaram uma vara de bétula e me açoitaram...
e em suas mãos em concha manterá meu cérebro
com amor e cuidado
ele está a ponto de explodir em mil pedaços. Isso machuca.
E quando
eles vierem dizer-lhe
que não é chegada
a hora
ou chegado o lugar
para essas coisas
saque seu estilete e retalhe.
Os irmãos Koemtzis estavam certos. [2]


06 / 24


I want us to talk together in a coffee house
one where the doors are open
where there's no sea only unemployed men
silence and dust lit by sunlight
- the sunlight in the brandy -
and the dust and cigarettes in our lungs
and let's not take precautions today, my friend, over our health
and don't give advice
about how I'm tossing it back
and how I'm wasting myself
and let the make-up, snot and tears
on my face
run.
Just look calmly
at my nails, my hair and the years
which are dirty and me
I don't give a damn about all that
They only care about the Party, for Christsake!
why the Party hasn't been fixed all these years
and you a friend. A real friend
just like Kazantzidis sings it
and the brandy's shit
and the contractor hasn't shown
there's a room above the coffee house
for those on the run
I'll let it all spill out at some point
I do that when I'm drunk - just to throw you -
to see you without your underpants, to see what you'll do
but you, you're not like the others
you'll get up and dance a request
...your hands took a birch rod and thrashed me . . .
and in your cupped hands you'll hold my brain
with love and care
it's ready to explode into a thousand pieces. It hurts.
And when
they come to tell you
that this is not
the time
or place
for such things
draw your stiletto and slash.
The Koemtzis brothers were right.


Do livro Três Cliques à Esquerda: o título refere-se à  ordem militar para que um operador de metralhadora corrija a mira girando o cano da arma sobre o tripé três furos à esquerda (nesta caso)

Notas:
[1[ Stelios Kazantzidis (1931-2001), cantor grego
]2] Nikos Koemtzis e seu irmão mais novo. Muitos dos poemas de Katerína Gógou aparecem no filme grego Parangelia, sobre a vida desse personagem.



quarta-feira, 13 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)



Poema 05 / 24


É isso aí, estou dizendo Niko, ninguém está a salvo.
Haverá confusão com certeza.
Olha o meu caso, por exemplo.
Tem esse cara
que está pensando
que é meu amigo.
Há anos ele me persegue
cuspindo conselhos e saliva
escolhendo por mim
os homens com quem vou pra cama e a que filmes devo assistir.
Eu te digo ninguém está a salvo nestes dias
Todo mundo encarando todo mundo
um fantoche praguejando contra o outro
somos todos fantoches
todos usando casacos de lã e veludo cotelê
lendo “O Mundo Livre” às escondidas [1]
um querendo a garota do outro
nossas coxas estão enroscadas.
Aquele cara que me persegue
pensa que sabe.
Ele raspou a cabeça à la Kojak [2]
e seu relógio mostra a hora certa.
Fico a ponto de ter um treco
quando ele me dá a agulha: vai, ele diz, eu estou aqui
e dá um sorriso (nenhum chiclete)
diz que é índio
mas eu não vejo nenhuma pena.
O americano que é dono do bar do outro lado da rua insinuou
que o meu cara aprontou comigo por uma porção de erva barata
ele é um agente stalinista, ele diz.
Eu não engulo essa merda – o cara alto deseja algo de mim, vai ver só.
Além de tudo eu o amei Niko, podes crer
Estou numa boa com Kojak
ele é o meu cara
minha viagem como dizem os viciados
compra meus cigarros e o souvlaki [3]
julga que a minha poesia é demais
e diz “Você é abençoada, boneca, guarde-se bem.”
Entenda, nem sei como, mas isso me dá autoconfiança.
Não. Não vou sair à noite.
Nem isso.
Nem aquilo.
Nem isso.
Nem aquilo.
É isso, Niko, não me ligue mais.


05 / 24



Yeah, I’m telling you Niko, no one’s safe.
There’ll be trouble for sure.
Look at me, forexample.
There’s someone
who’s pretending
he's my friend.
For years now he's been running after me
dripping advice and saliva
choosing for me
the men I bed down with and what films I see.
I tell you no one's safe these days
everybody staring down everybody else
one stooge cursing another
we're all stooges
all wearing black dufflecoats and corduroys
reading "The Free World" on the sly to learn
one wanting the other's chick
our thighs are entangled.
That type behind me
thinks he knows.
He's shaved his head à la Kojak
and his watch is right on time.
I'm just about to have a fit
when he gives me the needle: go on, he says, I'm right here
and cracks a smiles (no gums)
says he's an Indian
but I see he's got no feather.
The american who keeps bar across the street hissed
my guy's set me up for a tin-can lid
he's a Stalinist agent, he says.
I don't chew that crap - the tall guy wants something from me, you'll see.
After all I've loved him Niko, yeah
I'm used to Kojak
he's my guy
my trip as the junkies say
buys me cigarets and souvlaki
thinks my poetry's just great
and says "Bless you, doll, just keep well."
You understand, no matter how, this gives me self-confidence.
No. No. I won't go out tonight.
Neither.
Nor.
Neither.
Nor.
Yeah, Niko, don't call me anymore.


Do livro Três Cliques à Esquerda: o título refere-se à  ordem militar para que um operador de metralhadora corrija a mira girando o cano da arma sobre o tripé três furos à esquerda (nesta caso)

Notas:


[1] O Mundo Livre: jornal fascista grego.
[2] Detetive careca que raspava toda a cabeça, encarnado pelo ator Telly Savalas em uma série de TV dos anos 1970.
[3] Souvlaki: fast food grega. Ler a respeito em http://pt.wikipedia.org/wiki/Souvlaki



terça-feira, 12 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)

Quero que conversemos numa cafeteria
uma em que as portas estejam abertas
onde não haja mar apenas homens desempregados
silêncio e poeira inflamada pela luz do sol
- a luz do sol na bebida –
e a poeira e os cigarros em nossos pulmões
e não nos previnamos hoje, meu amigo, sobre nossa saúde
e não me dê conselhos
sobre como os estou rejeitando
e como estou me desgastando
e deixe que a maquiagem, a coriza e as lágrimas
em meu rosto
escorram.

Apenas observe com calma
as minhas unhas, o meu cabelo e os anos
que estão sujos e eu
eu não dou a mínima pra tudo isso
Eles só se importam com o Partido, pel’amor de Deus!
por que o Partido não foi consertado ao longo desses anos
e você meu amigo. Um verdadeiro amigo
como canta Kazantzidis [1]
e a merda de bebida
e o empreiteiro não mostrou
que há um quarto sobre a cafeteria
para os de passagem

deixarei tudo isso extravasar nalguma hora
eu faço isso quando estou bêbada – só pra confundi-lo –
para vê-lo sem suas cuecas, para ver o que fará
mas você, você não é como os outros
você se levantará e dançará a um convite
... suas mãos pegaram uma vara de bétula e me açoitaram...
e em suas mãos em concha manterá meu cérebro
com amor e cuidado
ele está a ponto de explodir em mil pedaços. Isso machuca.
E quando
eles vierem dizer-lhe
que não é chegada
a hora
ou chegado o lugar
para essas coisas
saque seu estilete e retalhe.
Os irmãos Koemtzis estavam certos. [2]



I want us to talk together in a coffee house

one where the doors are open
where there's no sea only unemployed men
silence and dust lit by sunlight
- the sunlight in the brandy -
and the dust and cigarettes in our lungs
and let's not take precautions today, my friend, over our health
and don't give advice
about how I'm tossing it back
and how I'm wasting myself
and let the make-up, snot and tears
on my face
run.
Just look calmly
at my nails, my hair and the years
which are dirty and me
I don't give a damn about all that
They only care about the Party, for Christsake!
why the Party hasn't been fixed all these years
and you a friend. A real friend
just like Kazantzidis sings it
and the brandy's shit
and the contractor hasn't shown
there's a room above the coffee house
for those on the run
I'll let it all spill out at some point
I do that when I'm drunk - just to throw you -
to see you without your underpants, to see what you'll do
but you, you're not like the others
you'll get up and dance a request
...your hands took a birch rod and thrashed me . . .
and in your cupped hands you'll hold my brain
with love and care
it's ready to explode into a thousand pieces. It hurts.
And when
they come to tell you
that this is not
the time
or place
for such things
draw your stiletto and slash.
The Koemtzis brothers were right.


Notas:

[1] Stelios Kazantzidis (1931-2001), cantor grego.


[2] Em fevereiro de 1973, após cumprido o tempo de prisão por roubo, Nikos Koemtsides (ou Koemtzis), amigos e seu irmão mais novo foram a uma boate em Atenas. Seu irmão fez aos músicos um pedido para que tocassem sua música favorita, e levantou-se para dançá-la quando foi tocada. Outro homem, um policial à paisana que lá se encontrava em companhia de colegas, também levantou-se para dançar, embora o cantor anunciasse que a canção era uma paragellia (ver Nota 2 do poema 04/05). Houve confusão entre os homens, e Nikos levantou-se e os atacou com uma faca. Preso e sentenciado à morte, sua sentença foi convertida em prisão perpétua. Foi libertado em 1996. No filme grego Parangellia, do diretor Pavlos Tassios, cujo roteiro baseia-se nessa história, são ouvidos muitos dos poemas de Katerína Gógou.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)


Poema 03 / 24


Aos meus amigos e graúnas pretas
que brincam alvoroçadas sobre os telhados de casas em ruínas
Exarchia Patisia Metaxurgio Metz [1]
Eles fazem o que pinta. [2]
Vendedores de livros de culinária e enciclopédias
constroem estradas e conectam desertos
propagandeiam bares miseráveis da rua Zynonos
rebeldes profissionais
encurralados e forçados a baixar as calças nos velhos tempos
hoje eles engolem pílulas e álcool para dormir
mas são assaltados por sonhos e não dormem.
Penso que meus amigos são arames tensos
sobre telhados de casas antigas
Exarchia Victoria Gookaki Geazy. 
Com um milhão de cavilhas de aço vocês os aguilhoaram com
suas culposas decisões de partido vestidos emprestados
queimaduras cefaleias estranhas
silêncios ameaçadores vaginites
eles se apaixonam por homossexuais
triconomíases períodos atrasados
o telefone o telefone o telefone
vidros partidos e ninguém uma ambulância.
Eles fazem o que pinta.
Meus amigos estão sempre de mudança
pois vocês não cederam nem um milímetro.
Todos os meus amigos pintam com a cor preta
pois vocês degradaram para eles o vermelho
eles escrevem numa língua simbólica
pois a de vocês só serve pra lamber rabos.
Meus amigos são graúnas pretas e arames
nas mãos. Na sua garganta.
Meus amigos.


Poema 3 / 24


To my friends and blackbirds
playing see-saw on roofs of crumbling houses
Exarchia Patisia Metaxurgio Metz.
They do whatever comes along.
Peddlers of cookbooks and encyclopedias
they build roads and connect deserts
barkers for Zinonos St. dives
professional rebels
cornered in the old days and forced to pull down their pants
now they swallow pills and alcohol to sleep
but they see dreams so they don't sleep.
To memy friends are taut wires
on the roofs of old houses
Exarchia Victoria Gookaki Geazy.
With a million steel pegs you pinned them with
your guilt party-meeting decisions borrowed dresses
burn-marks strange headaches
threatening silences vaginitis
they fall in love with gays
triconoma late-periods
the telephone the telephone the telephone
bronken glasses and no one an ambulance.
They do whatever comes along.
My friends always are on the move
because you haven't given them an inch.
All my friends paint with black
because you've debased the red for them
they write in a symbolic tongue
because your own's only for asslicking.
My friends are blackbirds and wires
in your hands. At your throat.
My friends.


Do livro Três Cliques à Esquerda: o título refere-se à  ordem militar para que um operador de metralhadora corrija a mira girando o cano da arma sobre o tripé três furos à esquerda (nesta caso)


Notas:

[1] Na época em que os poemas foram escritos, bairros residenciais da classe média baixa de Atenas.
[2] Face à linguagem francamente coloquial utilizada por Katerína Gógou em seus poemas, permito-me fazer uso do verbo pintar, gíria dos anos 1960 para "tornar-se realidade no tempo e no espaço; ocorrer, acontecer" (Houaiss)



domingo, 10 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)



Poema 02 / 24



Aqui também
e aqui mais que tudo os negros
limpam o cuspe do asfalto
com suas línguas.
Aqui também
e aqui ainda mais os chinas
abrem portas de HOTÉIS para os brancos
e aqui da mesma forma os garçons
que emigraram para não serem garçons
carregam em suas costas sanduíches
e sonhos americanos
e ainda outros aqui
desgastam-se e aos seus sonhos de imigrantes
e aqui estou eu de novo – me chamam Katerína –
drogando-me em parques públicos
masturbando-me em espetáculos pornôs privados
Vomitei sangue e uma salada branca rançosa
no metrô
E chorei em silêncio jogando minha última moeda
na desolação das máquinas caça-niqueis
É isso, camarada, eu teria apreciado lançar uma
e detonar em estilhaços pelos ares

todas as máquinas de foder o mundo.

Detonar em estilhaços pelos ares toda a dor do mundo.
Comprar o que quer que seja vendido em brechós
9 vezes usado
por radicais
cujos cérebros têm sido estourados,
e você vem falar de Cristo,
por intermédio de poetas de cabeças brilhantes,
por intermédio de mulheres que libertaram seus camaradas
que foram crucificados mas não puderam ser esmagados.
É isso aí, cara, aqui também, hoje em Londres,
primeiro de junho de 1977
com toda a nossa escória eu te saúdo. Até mais.


02 / 24



Here also
and here even more the blacks
sponge up the spittle from the asphalt
with their tongues.
Here also
and here even more the chinks
open the HOTEL doors to whites
and here as well waiters
who emigrated so as not to become waiters
carry sandwiches on their backs
and american dreams
and others here
run them and their immigrant dream down
and here am I again - they call me Katerína -
gone to pieces in public parks
masturbated at private porn showings
I vomited blood and a rancid white salad
in the tube
and cried silently throwing my last pence
into the sorrow of the slot-machines
O yeah, buddy, I'd have liked to throw one
and blow all the bugger-machines in
the world sky-high.
Blow all the sorrow of the world sky-high.
Buy whatever's sold in second-hand shops
9 times worn
by radicals
whose brains have been bashed in,
and you talk about Christ,
by poets with bright heads,
by women who freed their comrades
who were nailed but couldn't be crushed.
O yeah, man, here also, today in London,
June 1, 1977
with all our ilk I greet you. So long. 



Do livro Três Cliques à Esquerda: o título refere-se à  ordem militar para que um operador de metralhadora corrija a mira girando o cano da arma sobre o tripé três furos à esquerda (nesta caso)

sábado, 9 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)




Poema 1 /24 


Nossa vida são facas dobráveis
em becos sujos sem saída
dentes cariados slogans desbotados
subsolos de bastidores
cheiro de mijo e antissépticos
e esperma apodrecida. Cartazes arrancados.
Acima e abaixo. Acima e abaixo da Avenida Patission. [1]
Nossa vida é a Avenida Patission.
O detergente que não polui o mar
e Mitropanos entrou em nossas vidas cantando [2]
mas ele foi engolido pelo distrito
de Dexameni e também por suas vadias granfinas. [3]
Permanecemos aqui.
Uma vida de fome e depreciação nós levamos [4]
na mesma rua.
Humilhação-solidão-desesperança. E vice-versa.
Tudo bem. Não estamos chorando. Amadurecemos.
Apenas quando chove
chupamos nossos dedos em segredo. E fumamos.
Nossa vida é
um arquejar inútil
em batidas policiais programadas
alcaguetes e patrulhas.
É por isso que lhe digo.
Na próxima vez eles vão atirar
então não vamos fugir. Então fiquemos firmes.
Não vamos vender nossos rabos por uma miséria, cara!
Não. Está chovendo. Me dá um cigarro.

  
Poem 1 / 24


Our life is jack-knifes
in dirty dead-ends
rotten teeth faded-slogans
backstage basements
smell from piss and antiseptic
and rotten sperm. Ripped-off posters.
Up and down. Up and down Patission Ave.
Our life is Patission Ave.
The detergent that doesn’t pollute the sea
and Mitropanos sang his way into our life
but he’s been swallowed by Dexameni
District and it’s chic bums too.
We stay with it.
A craven life we travel
the same road.
Humiliation-loneliness-despair. And vice-versa.
O.K. We’re not crying. We’ve grown up.
Only when it rains
we secretly suck our thumbs. And we smoke.
Our life is
pointless panting
at programmed strikes
stooges and patrols.
That’s why I’m telling you.
Next time they’ll let us have it
so we don’t beat it. So we stay in line.
Let's not sell our asses so cheap, man.
No. It’s raining. Gimme a cigarette.


Do livro Três Cliques à Esquerda: o título refere-se à  ordem militar para que um operador de metralhadora corrija a mira girando o cano da arma sobre o tripé três furos à esquerda (nesta caso)

Notas:

[1] Avenida Patisson. Rua em que as prostitutas de Atenas faziam trottoir. Seu nome oficial é Avenida 28 de Outubro, em comemoração ao dia em que, em 1940, o ditador grego Ioannis Metaxas recusou o ultimato do Benito Mussolini para que a Grécia se submetesse ao domínio italiano. A recusa foi o estopim da Guerra Greco-Italiana (http://pt.wikipedia.org/wiki/GuerraGreco-Italiana).
[2] Dimitri Mitropanos: cantor grego famoso, saído da classe trabalhadora, que se casou com a filha de um Secretário de Estado grego. Há vários vídeos seus no Youtube.
[3] Dexameni: bairro luxuoso situado na área central de Atenas.
[4] Por sugestão de Rosa Prodromou, adotei a expressão "vida de fome e depreciação" por ser a tradução mais aproximada do adjetivo grego utilizado por Katerína Gógou no verso original - Μια ζωή λιγούρια ταξιδεύουμε -, para qualificar mulheres esfomeadas e degradas por homens que as querem a qualquer hora e preço vil.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...