terça-feira, 12 de maio de 2020

Katerína Gógou (Grécia: 1940 – 1993)

Quero que conversemos numa cafeteria
uma em que as portas estejam abertas
onde não haja mar apenas homens desempregados
silêncio e poeira inflamada pela luz do sol
- a luz do sol na bebida –
e a poeira e os cigarros em nossos pulmões
e não nos previnamos hoje, meu amigo, sobre nossa saúde
e não me dê conselhos
sobre como os estou rejeitando
e como estou me desgastando
e deixe que a maquiagem, a coriza e as lágrimas
em meu rosto
escorram.

Apenas observe com calma
as minhas unhas, o meu cabelo e os anos
que estão sujos e eu
eu não dou a mínima pra tudo isso
Eles só se importam com o Partido, pel’amor de Deus!
por que o Partido não foi consertado ao longo desses anos
e você meu amigo. Um verdadeiro amigo
como canta Kazantzidis [1]
e a merda de bebida
e o empreiteiro não mostrou
que há um quarto sobre a cafeteria
para os de passagem

deixarei tudo isso extravasar nalguma hora
eu faço isso quando estou bêbada – só pra confundi-lo –
para vê-lo sem suas cuecas, para ver o que fará
mas você, você não é como os outros
você se levantará e dançará a um convite
... suas mãos pegaram uma vara de bétula e me açoitaram...
e em suas mãos em concha manterá meu cérebro
com amor e cuidado
ele está a ponto de explodir em mil pedaços. Isso machuca.
E quando
eles vierem dizer-lhe
que não é chegada
a hora
ou chegado o lugar
para essas coisas
saque seu estilete e retalhe.
Os irmãos Koemtzis estavam certos. [2]



I want us to talk together in a coffee house

one where the doors are open
where there's no sea only unemployed men
silence and dust lit by sunlight
- the sunlight in the brandy -
and the dust and cigarettes in our lungs
and let's not take precautions today, my friend, over our health
and don't give advice
about how I'm tossing it back
and how I'm wasting myself
and let the make-up, snot and tears
on my face
run.
Just look calmly
at my nails, my hair and the years
which are dirty and me
I don't give a damn about all that
They only care about the Party, for Christsake!
why the Party hasn't been fixed all these years
and you a friend. A real friend
just like Kazantzidis sings it
and the brandy's shit
and the contractor hasn't shown
there's a room above the coffee house
for those on the run
I'll let it all spill out at some point
I do that when I'm drunk - just to throw you -
to see you without your underpants, to see what you'll do
but you, you're not like the others
you'll get up and dance a request
...your hands took a birch rod and thrashed me . . .
and in your cupped hands you'll hold my brain
with love and care
it's ready to explode into a thousand pieces. It hurts.
And when
they come to tell you
that this is not
the time
or place
for such things
draw your stiletto and slash.
The Koemtzis brothers were right.


Notas:

[1] Stelios Kazantzidis (1931-2001), cantor grego.


[2] Em fevereiro de 1973, após cumprido o tempo de prisão por roubo, Nikos Koemtsides (ou Koemtzis), amigos e seu irmão mais novo foram a uma boate em Atenas. Seu irmão fez aos músicos um pedido para que tocassem sua música favorita, e levantou-se para dançá-la quando foi tocada. Outro homem, um policial à paisana que lá se encontrava em companhia de colegas, também levantou-se para dançar, embora o cantor anunciasse que a canção era uma paragellia (ver Nota 2 do poema 04/05). Houve confusão entre os homens, e Nikos levantou-se e os atacou com uma faca. Preso e sentenciado à morte, sua sentença foi convertida em prisão perpétua. Foi libertado em 1996. No filme grego Parangellia, do diretor Pavlos Tassios, cujo roteiro baseia-se nessa história, são ouvidos muitos dos poemas de Katerína Gógou.

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