domingo, 15 de março de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Acabar com Tudo


Dá-me, chama invisível, espada fria,
tua persistente cólera,
para acabar com tudo,
oh mundo seco,
oh mundo dessangrado,
para acabar com tudo.
Arde, sombrio, arde sem chamas,
apagado e ardente,
cinza e pedra viva,
deserto sem bordas.
Arde no vasto céu, laje e nuvem,
sob a luz cega que desmorona
entre estéreis sofrimentos.
Arde na solidão que nos desfaz,
terra de pedra ardente,
de raízes geladas e sedentas.
Arde, furor oculto,
cinza que enlouquece,
arde invisível, arde
como o mar impotente engendra nuvens,
ondas como o rancor e espumas pétreas.
Entre meus ossos delirantes, arde;
arde dentro do ar vazio,
forno invisível e puro;
arde como arde o tempo,
como caminha o tempo por entre a morte,
com seus mesmos passos e seu fôlego;
arde como a solidão que te devora,
arde em ti mesmo, ardor sem chama,
solidão sem imagem, sede sem lábios.
Para acabar com tudo,
oh mundo seco,
para acabar com tudo.


Acabar con Todo


Dame, llama invisible, espada fría,
tu persistente cólera,
para acabar con todo,
oh mundo seco,
oh mundo desangrado,
para acabar con todo.
Arde, sombrío, arde sin llamas,
apagado y ardiente,
ceniza y piedra viva,
desierto sin orillas.
Arde en el vasto cielo, laja y nube,
bajo la ciega luz que se desploma
entre estériles peñas.
Arde en la soledad que nos deshace,
tierra de piedra ardiente,
de raíces heladas y sedientas.
Arde, furor oculto,
ceniza que enloquece,
arde invisible, arde
como el mar impotente engendra nubes,
olas como el rencor y espumas pétreas.
Entre mis huesos delirantes, arde;
arde dentro del aire hueco,
horno invisible y puro;
arde como arde el tiempo,
como camina el tiempo entre la muerte,
con sus mismas pisadas y su aliento;
arde como la soledad que te devora,
arde en ti mismo, ardor sin llama,
soledad sin imagen, sed sin labios.
Para acabar con todo,
oh mundo seco,
para acabar con todo.



sábado, 14 de março de 2020

William Carlos Williams (Estados Unidos: 1883 – 1963)



As árvores de Botticelli


O alfabeto
das árvores
desvanece na
canção das folhas
as hastes cruzadas
das finas letras
que soletram
inverno
e o frio
foi iluminado
com
agudo verde –
pela chuva e o sol –
os precisos e simples
preceitos dos
adelgaçados ramos
vão sendo alterados
por podados
se’s de cor, devotadas
condições
os sorrisos do amor –
.......

até as frases
desnudas
movem-se como braços e pernas
de uma mulher sob um tecido
e louvam com reserva
o rápido desejo
o poder do amor
no verão –
no verão a canção
canta a si mesma
acima das surdas palavras


The Botticellian trees


The alphabet
of the trees
is fading in the
song of the leaves
the crossing
bars of thin
letters that spelled
winter
and the cold
have been illuminated
with
pointed green –
by the rain and sun –
The strict simple
principles of
straight branches
are being modified
by pinched-out
ifs of color, devout
conditions
the smiles of love –
……
until the stript
sentences
move as a woman’s
limbs under a cloth
and praise from secrecy
quick with desire
love’s ascendancy
in summer –
In summer the song
sings itself
above the muffled words.


Nota:

A casca contém uma potencial renovação poética. Aqui os ramos com pontas verdes soletram no céu as premissas de uma nova estação. Rapidamente o traçado abrupto e retilíneo dos ramos nus se engrossam, se turvam para desenhar formas aleatórias. As folhas que recobrem as árvores no verão cantarolam uma canção que abafa os galhos e o alfabeto que tracejam. Mas, para o poeta, o que conta acima de tudo é o que se encontra sob a folhagem, o corpo que se move graciosamente sob o tecido, a própria estrutura, exposta, desnuda, carnal e fértil: o poema. É por isso que a estrutura dos galhos é aqui comparada ao corpo de uma mulher sob suas roupas, "uma mulher / braços e pernas sob o tecido". O que interessa a Williams é o que está sob a folhagem, e a folhagem aí encontra seu duplo significado. Williams usa a mesma imagem que explica sua definição do romance em oposição ao poema. O poeta iconoclasta é encarregado de despir, desvelar. Esta é também a razão pela qual Williams evita as metáforas, sedas pomposas que vêm, segundo ele, para encobrir e sufocar a carne crua, como a casca do plátano. Esquematicamente, para Williams, o romance são as folhas; o poema, o tronco.

Fonte: Anna Oublet: L’oracle en son jardin: William Carlos Williams et Allen Ginsberg (https://tel.archives-ouvertes.fr/tel-02057356/document)

sexta-feira, 13 de março de 2020

José Antonio Escalona-Escalona (Venezuela: 1917 – )




À conquista da solidão


Agora sei teu nome verdadeiro,
ilha de solidão reconquistada:
terra do coração em seu desterro,
residência do pranto perdurável.

Aqui contigo, onde nada cresce,
o tempo é só um remanso sem fronteiras,
e o espaço um só hermético recinto
sob este céu sem luz nem movimento!

O rumorejo da vida e da morte
e as mais remotas músicas do mundo
teus limites escuros não transpõem.

E o silêncio dilata sua presença
só porque em sua entranha, prisioneiro,
ouço meu próprio coração clamante!


A la conquista de la soledad


Ahora sé tu nombre verdadero,
isla de soledad reconquistada:
tierra del corazón en el desierto,
residencia del llanto perdurable.

¡Aquí contigo, donde nada crece,
el tiempo es un remanso sin fronteras,
y el espacio un hermético recinto
bajo un cielo sin luz ni movimiento!

El rumor de la vida y de la muerte
y las remotas músicas del mundo
tus límites oscuros no traspasan.
¡Y el silencio delata su presencia

sólo porque en su entraña, prisionero,
oigo mi propio corazón clamante!

quinta-feira, 12 de março de 2020

Alfonso Reyes (México: 1889 – 1959)

Amor Vicário 


(Tradução de Wagner Mourão Brasil, com a colaboração de Isaias Edson Sidney)

 

A cada manhã volto a imaginá-lo

e a cada noite sei que desvario,

E meu segredo, à força de guardá-lo,

Morre sem ar e se entorpece ao frio.

 

Digo teu nome toda vez que falo,

e temo se ao dizê-lo me extravio,

Mudo afã, como não posso cantá-lo,

ao trinado dos pássaros o fio.

 

Sonho que o sol te expõe minha esperança,

e se nublado expõe minha tristeza,

e o recitar do vento a ti me lança.

 

Finalmente – a metáfora se cansa –,

e finjo então que toda a natureza

por mim te cerca e para mim te amansa.

 

Amor Vicario

 

Cada mañana vuelvo a imaginarlo

y cada noche sé que desvarío,

y mi secreto, a fuerza de guardarlo,

muere sin aire y se entumece al frio.

 

Voy a nombrarte cada vez que charlo,

y temo si el nombrarte es descarrío.

Mudo afán, como no puedo cantarlo,

al canto de los pájaros lo fío.

 

Sueño que el sol te dice mi esperanza,

el nublado te anuncia mi tristeza

y te recita el viento mi abalanza.

 

Y en suma - la metáfora se cansa -,

finjo que toda la naturaleza

por mí te asedia y para mí te amansa.



quarta-feira, 11 de março de 2020

Eduardo Carranza (Colômbia: 1913 – 1985)





Pensar em ti



Pensar em ti é azul, ir vagando

por um bosque dourado ao meio-dia:

nascem jardins nas falas dos meus dias,

com minhas nuvens por teus sonhos ando.

 

Separa-nos e nos une um ar brando,

uma distância de melancolia;

alço os braços de minha poesia,

azul de ti, dorido e esperando.

 

És como um horizonte de flautins

ou um débil sofrimento de jasmins

pensar em ti, de azul temperamento.

 

O mundo me parece cristalino

E te miro, entre lâmpada de trino,

azul domingo de meu pensamento.



Pensar em ti


Pensar en ti es azul, como ir vagando
por un bosque dorado al mediodía:
nacen jardines en el habla mía
y con mis nubes por tus sueños ando.

Nos une y nos separa un aire blando,
una distancia de melancolía;
yo alzo los brazos de mi poesía,
azul de ti, dolido y esperando.

Es como un horizonte de violines
o un tibio sufrimiento de jazmines
pensar en ti, de azul temperamento.

El mundo se me vuelve cristalino,
y te miro, entre lámpara de trino,
azul domingo de mi pensamiento.

terça-feira, 10 de março de 2020

José Antonio Escalona-Escalona (Venezuela: 1917 – ?)



Imóvel


Imóvel como sempre
recebes-me.
E em teu absorto silêncio permaneço.
Tal atitude hierática do corpo
é aparente imagem. Mais lá no fundo
do coração
– tímpano da alegria
e de outros ritmos do sentir –
segue
sem pausa
o último concerto.
Só aparência – digo – de repouso.
Porque o voo
de minha imaginação
em ilusórios giros me leva
sucessivamente
do imediato agora
ao passado
e traz-me de volta ao que é sonho ainda.


Inmóvil


Inmóvil como siempre
me recibes.
Y en tu absorto silencio permanezco.
Tal actitud hierática del cuerpo
es aparente imagen. Muy adentro
del corazón
– timbal de la alegría
y de otros ritmos del sentir –
sigue
sin pausa
el íntimo concierto.
Sólo apariencia – digo – de reposo.
Porque el vuelo
de mi imaginación
en ilusorios giros me lleva
sucesivamente
del inmediato ahora
a lo pasado
y vuelta a lo que es sueño todavía.


segunda-feira, 9 de março de 2020

Rodrigo Lira (Chile: 1949 – 1981)



Comunicado


À Gente Pobre é comunicado
Que há Cebolas para Ela na Prefeitura de Santiago.
As Cebolas são vistas através de umas janelas
Do pátio da Ilustre Prefeitura de Santiago.
Atrás das janelas do terceiro andar divisam-se
uns bebês em seus berços e pelas situadas mais abaixo
vê-se algo das Cebolas para a Gente Pobre.
Para vê-las é preciso chegar a um pátio
Ao pátio com duas Árvores bem verdes
Depois de passar ao lado de uma gaiola
Com uma caixa que sobe e desce
Depois de atravessar uma sala grande com piso de lajota e teto de vidro
Com umas senhoritas atrás do que parecem mostruários
Depois de subir umas escadas bem largas
Depois de passar por umas portas grandes
Na esquina de uma praça que se chama
'das Armas', na esquina do lado esquerdo
De uma estátua de um senhor a cavalo, de metal,
Com a espada grudada ao cavalo
Para que não seja roubada e cause dano.
Ali, sob as janelas com os bebês,
Estão as Cebolas.
Não sei se é possível conseguir
Um pouquinho delas.
O cavalheiro que manobra
O elevador, esse, com paredes gradeadas,
Disse-me que eram
para a gente pobre.
Depois, disse algo como Emprego Mínimo.
Eu tinha que sair logo e comprar um mapa de Santiago
e uma máquina de escrever.


(acontecido e escrito em junho de 1979, durante a ditadura militar chilena)


Comunicado


A la Gente Pobre se le comunica
Que hay Cebollas para Ella en la Municipalidad de Santiago.
Las Cebollas se ven asomadas a unas ventanas
Desde el patio de la I. Municipalidad de Santiago.
Tras las ventanas del tercer piso se divisan
Unas guaguas en sus cunas y por las que están un poco más abajo
Se ve algo de las Cebollas para la Gente Pobre.
Para verlas hay que llegar a un patio
Al patio con dos Arboles bien verdes
Después de pasar por el lado de una como jaula
Con una caja que sube y baja
Después de atravesar una sala grande con piso de baldosas
Y con tejado de vidrio
Con unas señoritas detrás de unos como mostradores
Después de subir unas escaleras bien anchas
Después de pasar unas puertas grandes
En la esquina de una plaza que se llama
'de Armas', en la esquina del lado izquierdo
De una estatua de un señor a caballo, de metal,
Con la espada apernada al caballo
Para que no se la roben y hagan daño.
Ahí, debajo de las ventanas con las guaguas,
Están las Cebollas.
No sé si podra conseguir
Unas poquitas.
El caballero que maneja
El ascensor ese, con paredes de reja.
Me dijo que eran
para la gente pobre.
Después, dijo algo del Empleo Mínimo.
Yo tenía que irme luego a comprar un plano de Santiago
y una máquina de escribir.


(sucedido y escrito en junio de 1979).



domingo, 8 de março de 2020

Rodrigo Lira (Chile: 1949 – 1981)



 Sermão dos homenzinhos magenta


Para D.T.
o burro e a morte
se desnuda.
Não te esquece do leitor, Po
Po
Poe
ta: o leitor de poesia
é o mais exigente inteligentíssimo
culto preparadíssimo!
A poesia não é para um qualquer e nenhum
qualquer escreve a óleo com o pincel
de Francis Bacon. Reconhece o limite de tuas
possibilidades. Limita-te ao aquarela,
em teus começos. Esboça, com
delicadeza. Filtra, coa,
depura. Explora teu veio
sem esterilizar tua mina.
.............................. O som está na
letra. A voz, escritor, é-lhe dada por
acréscimo.
.............................. Não recorta. Nada de piruetas
de Acrobata, riem de pirotecnia.
A torta de letras não precisa de creme
Não toca tua lira por moedas de ouro ou
bronze (Provérbio Japonês)
Haverás de levar em conta
o de sempre: a lua as flores a morte
a tristeza. A dupla circulação,
o incompreensível equilíbrio entre vômito
e estilo, as mulheres de palavra (A deusa),
as musas as figuras os recursos: o
de sempre, em odres outros. Medita
teus versos sete vezes, e teu verbo
quarenta vezes sete. Soma dois
mais dois: desconta
o IVA! (*)


Sermón de los Hombrecitos Magenta


Para D.T.
el burro y la muerte
se desnuda
No te olvides del lector, Po
Po
Poe
ta: el lector de poesía
es el más exigente inteligentísimo
culto preparadísimo!
La poesía no es para cualquiera y no
cualquiera escribe al óleo con el pincel
de Francis Bacon. Reconoce el límite de tus
posibilidades. Limítate a la acuarela,
en tus comienzos. Abocetea, con
delicadeza. Filtra, tamiza,
depura. Explora tu veta
sin brocear tu mina.
.............................. El sonido está en
la letra. La voz, escritor, se te da por
añadidura.
.............................. No recortes. Nada de volteretas
de Volotinero, ríen de pirotecnia.
La torta de letras no precisa crema
No pulses tu lira por monedas de oro o
bronce (Proverbio Japonés)
Habrás de tomar en cuenta
lo de siempre: la luna las flores la muerte
la tristeza. La doble circulación,
el inasible equilibrio entre vómito
y estilo, las mujeres de palabra (La diosa),
las musas las figuras los recursos: lo
de siempre, en odres otros. Medita
tus versos siete veces, y tu verbo
cuarenta veces siete. Suma dos
más dos: descuenta
el IVA!


(*) IVA: Imposto sobre o valor acrescentado.




sábado, 7 de março de 2020

Enrique Linh Carrasco (Chile: 1929 – 1988)





O desaparecimento deste astro


O desaparecimento deste astro
ferozmente o mostrei com evidência
não era Vênus, a estrela vespertina
não era Vênus, a estrela matutina
Era um fulgorzinho intermitente
Não nascida do céu e nem do mar
e eu era apenas um náufrago na terra

Não era sequer uma mulher fatal
bela, sim, mas espuma das marés
um simulacro de uma Deusa ausente

Nem de pé sobre o mar: mas na banheira
nem espuma: algo de carne, algo de osso
um passarinho, só isso, de mulher
dócil quando no ar mas desolado
e desolado, pois voar podia
tão somente quando o vento assoprava
nem teve o mar por mítico cenário
Na cidade mais feia desta terra
fez-se fumaça ao ter que prestar contas
Era fulana, e isso, simplesmente
e eu, o imbecil que escreveu este livro.


La desaparición de este lucero


La desaparición de este lucero
lo puso ferozmente en evidencia
no era Venus, la estrella vespertina
no era Venus, la estrella matutina
Era una lucecilla intermitente
no nacida del cielo ni del mar
y yo era sólo un náufrago en la tierra

No era siquiera una mujer fatal
bella, si, pero espuma del oleaje
un simulacro de la Diosa ausente

Ni de pie sobre el mar: en la bañera
ni espuma: algo de carne, algo de hueso
un pajarillo, y eso, de mujer
dócil al aire pero desalado
y desolado, pues volar podía
tan sólo cuando el viento lo soplaba
ni tuvo el mar por mítico escenario
En la ciudad más fea de la tierra
se hizo humo a la hora de los quiubos
Era fulana, y eso, simplemente
y yo, el imbécil que escribió este libro.

sexta-feira, 6 de março de 2020

José Antonio Escalona-Escalona (Venezuela: 1917 – )




III


Por reaver a solidão, meu espírito
despojei da flor do que é passageiro.
Mas o quanto perdi foi devolvido
em recônditos frutos de firmeza.

As fronteiras cerrei dos meus sentidos
ao fulgor e à juventude das cores,
também ao céu da música e dos pássaros
oriundos do país das essências.

Mas, a sombra total que me circunda
o voo recolheu de seus enxames
em colmeias de astros interiores.

Rotos os laços que meu corpo atavam
à rudeza da presença das coisas,
retornei ao mais puro sentimento.


III


Por recobrar la soledad, mi espíritu
despojé de la flor de lo mudable.
Pero cuanto perdí me fue devuelto
en recónditos frutos de firmeza.

Las fronteras cerré de los sentidos
al brillo y juventud de los colores,
y al cielo de la música y los pájaros
oriundos del país de los aromas.

Mas, la sombra total que me circunda
el vuelo recogió de sus enjambres
en colmenar de estrellas interiores.

Rotos los lazos que mi cuerpo ataban
a la ruda presencia de las cosas,
he retomado al puro sentimiento!




Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...