quinta-feira, 30 de abril de 2020

Ben Jonson (Inglaterra: 1572 – 1637)






A Célia


Brinda-me apenas com teus olhos,
E eu com os meus prometerei;
Ou deixa na taça não mais que um beijo,
Que eu por vinho não procurarei.

A sede que da alma se eleva,
Exige uma bebida que é de Zeus:
Mas se de seus néctares divinos eu provasse,
Não os trocaria pelos teus.

Enviei-te então uma guirlanda rósea,
Não tanto para te honrar
Mas para dar a ela a esperança
de jamais murchar;

Mas tu apenas a cheiraste,
E a mim a devolveste,
Desde então ela cresce e rescende, juro,
Não a ela, mas a ti.


To Celia


Drink to me only with thine eyes
And I will pledge with mine.
Or leave a kiss but in the cup
And I'll not look for wine.

The thirst that from the soul doth rise
Doth ask a drink divine;
But might I of Jove's nectar sup,
I would not change for thine.

I sent thee late a rosy wreath,
Not so much hon'ring thee
As giving it a hope that there
It could not withered be;

But thou thereon did'st only breathe,
And sent'st it back to me,
Since when it grows and smells, I swear
Not of itself, but thee.



quarta-feira, 29 de abril de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)



O Naufrágio


O naufrágio de um corpo em outro corpo
quando em sua noite, súbito, vai a pique...
As bolhas que sobem vindas do fundo
até a bordada dobra dos lençóis.
Negros abraços e gritos na penumbra
para morrer um no outro,
até apagar-se no interior do escuro
sem que o rancor se apodere desta morte.
Os enlaçados corpos que soçobram
sob uma mesma tormenta solitária,
a luta contra o tempo já sem tempo,
apalpando o infinito aqui tão próximo,
o desejo que devora com suas fauces,
a lua que consola e já não basta.
O naufrágio final contra a noite,
sem mais para além da água, senão a água,
sem outro paraíso nem outro inferno
além do fugaz epitáfio da espuma
e a carne que morre em outra carne.



El naufragio


El naufragio de un cuerpo en otro cuerpo
cuando en su noche, de pronto, se va a pique…
Las burbujas que suben desde el fondo
hasta el bordado pliegue de las sábanas.
Negros abrazos y gritos en la sombra
para morir uno en el otro,
hasta borrarse dentro de lo oscuro
sin que el rencor se adueñe de esta muerte.
Los enlazados cuerpos que zozobran
bajo una misma tormenta solitaria,
la lucha contra el tiempo ya sin tiempo,
palpando lo infinito aquí tan cerca,
el deseo que devora con sus fauces,
la luna que consuela y ya no basta.
El naufragio final contra la noche,
sin más allá del agua, sino el agua,
sin otro paraíso ni otro infierno
que el fugaz epitafio de la espuma
y la carne que muere en otra carne.



terça-feira, 28 de abril de 2020

Alfred Tennyson (Inglaterra, 1809 – 1892)



A Carga da Brigada Ligeira

I
Meia légua, meia légua
Meia légua sempre adiante,
Todos, no vale da Morte
Os seiscentos cavalgaram.
"Brigada Ligeira, avante!
Contra as armas, carga à frente!".
Adentrando o vale da Morte
Os seiscentos cavalgaram.

II
"Brigada Ligeira, avante!"
Algum homem esmoreceu?
Não, pois sabendo o soldado
Que alguém em erro incorreu:
A eles não cabe contradizer,
A eles não cabe querer saber,
A eles só cabe agir e morrer.    
Adentrando o vale da Morte
Os seiscentos cavalgaram.

III
À sua destra, canhões,
À sua esquerda, canhões,
À sua frente, canhões
Disparavam e troavam;
Por tiros e bombas afligidos,
Cavalgaram destemidos,
Rumo aos caninos da Morte,
Rumo à boca do Inferno
Os seiscentos cavalgaram.

IV
Luziram nus os seus sabres,
Luziram cortando os ares
Retalhando os artilheiros,
Batendo o inimigo, enquanto
Ao mundo todo assombravam:
Por entre a fumaça adentraram
Pela linha que romperam;
Aos cossacos e aos russos
Com seus sabres retalharam,
Massacraram e partiram.
E recuaram, mas não,
Não os seiscentos.

V
À sua destra, canhões,
À sua esquerda, canhões,
Às suas costas, canhões
Disparavam e troavam;
Tiros e bombas os afligiram,
Enquanto herói e corcel caíam,
Eles que tão bem renhiam,
Pelos caninos da Morte
Das bocas do Inferno saíam,
Todos os que restaram,
Restaram dos seiscentos.

VI
Será sua glória olvidada?
Oh, a brava carga lançada!
O mundo todo assombrado.
Honrai a carga lançada!
Honrai a Brigada Ligeira,
Nobres seiscentos.


The Charge of the Light Brigade


I
Half a league, half a league,
Half a league onward,
All in the valley of Death
Rode the six hundred.
"Forward, the Light Brigade!
"Charge for the guns!" he said:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.

II
"Forward, the Light Brigade!"
Was there a man dismay'd?
Not tho' the soldier knew
Someone had blunder'd:
Theirs not to make reply,
Theirs not to reason why,
Theirs but to do and die:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.

III
Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon in front of them
Volley'd and thunder'd;
Storm'd at with shot and shell,
Boldly they rode and well,
Into the jaws of Death,
Into the mouth of Hell
Rode the six hundred.

IV
Flash'd all their sabres bare,
Flash'd as they turn'd in air,
Sabring the gunners there,
Charging an army, while
All the world wonder'd:
Plunged in the battery–smoke
Right thro' the line they broke;
Cossack and Russian
Reel'd from the sabre stroke
Shatter'd and sunder'd.
Then they rode back, but not
Not the six hundred.

V
Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon behind them
Volley'd and thunder'd;
Storm'd at with shot and shell,
While horse and hero fell,
They that had fought so well
Came thro' the jaws of Death
Back from the mouth of Hell,
All that was left of them,
Left of six hundred.

VI
When can their glory fade?
O the wild charge they made!
All the world wondered.
Honor the charge they made,
Honor the Light Brigade,
Noble six hundred.



segunda-feira, 27 de abril de 2020

Alfred Tennyson (Inglaterra: 1809 – 1892)





Quebra, Quebra, Quebra


Quebra, quebra, quebra,
Contra tuas pedras cinzas e frias, oh, Mar!
Gostaria que minha língua pudesse exprimir
O que se eleva do meu pensar.

Oh, quanto bem faz ao filho do pescador,
Gritar com sua irmã ao brincar!
Oh, quanto bem faz ao jovem marujo
Na baía em seu barco cantar!

E os navios imponentes se vão
Rumo aos abrigos sob a penedia;
Mas, oh, pelo toque da mão que se foi,
E o som de uma voz que silencia!

Quebra, quebra, quebra
Contra a base dos penhascos, oh, Mar!
Mas o encanto suave de um dia que morreu
Jamais a mim há de voltar.


Break, Break, Break


Break, break, break,
        On thy cold gray stones, O Sea!
And I would that my tongue could utter
        The thoughts that arise in me.

O, well for the fisherman's boy,
        That he shouts with his sister at play!
O, well for the sailor lad,
        That he sings in his boat on the bay!

And the stately ships go on
        To their haven under the hill;
But O for the touch of a vanish'd hand,
        And the sound of a voice that is still!

Break, break, break
        At the foot of thy crags, O Sea!
But the tender grace of a day that is dead
        Will never come back to me.



domingo, 26 de abril de 2020

Jorge Luis Borges (Argentina: 1899 – 1986)


Sonho


Se o sonho fosse (como dizem) uma
trégua, um completo repouso da mente,
por que, se te despertam bruscamente,
sentes que te roubaram a fortuna?

Por que é assim tão triste madrugar? A hora
nos despoja de um dom inconcebível,
tão íntimo que somente é traduzível
em sonolência que a vigília doura

de sonhos, que bem podem ser reflexos
incompletos dos tesouros da sombra,
de uma orbe eterna a que não se nomina

e que o dia deforma em seus espelhos.
Quem tu serás esta noite no obscuro
sonho, do lado de lá de seu muro?


Sueño


Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?

¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?


sábado, 25 de abril de 2020

Emily Dickinson (Estados Unidos: 1830 – 1836)




Poema J501 / F373


Este mundo não é Conclusão.
Além há uma continuação –
Invisível, assim como a Música –
Mas positiva, assim como o Som –
Atrai a atenção, e desconcerta –
A Filosofia, não a conhece –
E por meio de um Enigma, enfim –
A argúcia, deve seguir em frente –
Supô-la, confunde os eruditos –
Para alcançá–la, os Homens sofreram
O menosprezo de gerações
E a Crucificação, revelada –
A fé oscila – e ri, e se recompõe –
Ruboriza-se, se alguém a vê –
Puxa por um fio de Evidência –
E pede a um Cata–Vento, o caminho –
Muita Gesticulação, no Púlpito –
Fervorosas Aleluias soam –
Narcóticos não acalmam o Dente
Que desgasta a alma com mordidelas –


J501 / F373


This World is not Conclusion.
A sequel stands beyond –
Invisible, as Music –
But positive, as Sound –
It beckons, and it baffles –
Philosophy, don't know –
And through a Riddle, at the last –
Sagacity, must go –
To guess it, puzzles scholars –
To gain it, Men have borne
Contempt of Generations
And Crucifixion, shown –
Faith slips – and laughs, and rallies –
Blushes, if any see –
Plucks at a twig of Evidence –
And asks a Vane, the way –
Much Gesture, from the Pulpit –
Strong Hallelujahs roll –
Narcotics cannot still the Tooth
That nibbles at the soul –

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Emily Dickinson (Estados Unidos: 1830 – 1886)





Poema J451 / F450


O Exterior – do Interior
Deriva sua Dimensão –
É Duque, ou Anão, conforme
Seja a central disposição –

O delicado – Eixo imutável
É que regula a Roda –
Embora os raios – girem – mais à vista
E lancem pó – a um tempo só.

O Interior – pinta o Exterior –
O Pincel sem a Mão –
Seu quadro expõe – com precisão –
Como é a Marca interior.

Sobre sutil – Tela Arterial –
Uma Bochecha – uma Fronte talvez –
Todo o segredo da Estrela – no Lago –
Os olhos não foram feitos para saber.


J451 / F450


The Outer – from the Inner
Derives it's Magnitude –
'Tis Duke, or Dwarf, according
As is the central mood –

The fine – unvarying Axis
That regulates the Wheel –
Though Spokes – spin – more conspicuous
And fling a dust – the while.

The Inner – paints the Outer –
The Brush without the Hand –
It's Picture publishes – precise –
As is the inner Brand –

On fine – Arterial Canvas –
A Cheek – perchance a Brow –
The Star's whole secret – in the Lake –
Eyes were not meant to know.


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima XLVIII


Como se extrai o ferro de uma ferida
seu amor de minhas entranhas saquei;
ainda senti ao fazê-lo que a vida
arrancava-me com ele!

Do altar que na minha alma lhe erigi,
o querer sua imagem expulsou;
e a luz da crença que nela era chama
diante do altar deserto se apagou.

Inda para anular meu firme empenho
vem-me à mente sua visão tenaz...
Quanto poderei dormir co' esse sonho
em que acaba o sonhar!


Rima XLVIII


Como se arranca el hierro de una herida
su amor de las entrañas me arranqué;
aunque sentí al hacerlo que la vida
¡me arrancaba con él!

Del altar que le alcé en el alma mía,
la voluntad su imagen arrojó;
y la luz de la fe que en ella ardía
ante el ara desierta se apagó.

Aún para combatir mi firme empeño
viene a mi mente su visión tenaz...
¡Cuánto podré dormir con ese sueño
en que acaba el soñar!





quarta-feira, 22 de abril de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)



Rima XXX


Assomava aos seus olhos uma lágrima
e ao meu lábio a frase do perdão;
foi mais forte o orgulho e enxugou seu pranto,
e a frase em meus lábios expirou.

Sigo por um caminho; ela, por outro;
mas, ao pensar neste mútuo amor,
eu digo ainda: por que calei então?
E ela dirá: por que o pranto estanquei?


Rima XXX


Asomaba a sus ojos una lágrima
y a mi labio una frase de perdón;
habló el orgullo y se enjugó su llanto,
y la frase en mis labios expiró.

Yo voy por un camino; ella, por otro;
pero, al pensar en nuestro mutuo amor,
yo digo aún: ?¿Por qué callé aquel día?
Y ella dirá:?¿Por qué no lloré yo?




terça-feira, 21 de abril de 2020

Gustavo Adolfo Bécquer (Espanha: 1836 – 1870)




Rima XXVIII


Se por entre a sombra escura,
perdida uma voz murmura
perturbando a triste calma,
se no fundo de minha alma
ouço teu doce ecoar,
diz-me: é que o vento em seus giros
queixa, ou porque teus suspiros
falam de amor ao passar?

Se o sol em minha janela
ao nascer rubro rutila,
e meu amor teu vulto evoca,
se na boca, de outra boca
creio sentir a impressão,
diz-me: é que cego eu deliro,
ou que um beijo num suspiro
envia teu coração?

E no luminoso dia
e na alta noite sombria,
se em tudo quanto volteja
minha alma que te deseja,
creio te sentir e ver,
diz-me: é que toco e respiro
sonhando, ou que num suspiro
faz-me o alento teu a beber?


Rima XXVIII


Cuando entre la sombra oscura,
perdida una voz murmura
turbando su triste calma,
si en el fondo de mi alma
la oigo dulce resonar,
dime: ¿es que el viento en sus giros
se queja, o que tus suspiros
me hablan de amor al pasar?

Cuando el sol en mi ventana
rojo brilla a la mañana,
y mi amor tu sombra evoca,
si en mi boca de otra boca
sentir creo la impresión,
dime: ¿es que ciego deliro,
o que un beso en un suspiro
me envía tu corazón?

Y en el luminoso día
y en la alta noche sombría,
si en todo cuanto rodea
al alma que te desea,
te creo sentir y ver,
dime: ¿es que toco y respiro
soñando, o que en un suspiro
me das tu aliento a beber?

  

Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...