terça-feira, 10 de março de 2020

José Antonio Escalona-Escalona (Venezuela: 1917 – ?)



Imóvel


Imóvel como sempre
recebes-me.
E em teu absorto silêncio permaneço.
Tal atitude hierática do corpo
é aparente imagem. Mais lá no fundo
do coração
– tímpano da alegria
e de outros ritmos do sentir –
segue
sem pausa
o último concerto.
Só aparência – digo – de repouso.
Porque o voo
de minha imaginação
em ilusórios giros me leva
sucessivamente
do imediato agora
ao passado
e traz-me de volta ao que é sonho ainda.


Inmóvil


Inmóvil como siempre
me recibes.
Y en tu absorto silencio permanezco.
Tal actitud hierática del cuerpo
es aparente imagen. Muy adentro
del corazón
– timbal de la alegría
y de otros ritmos del sentir –
sigue
sin pausa
el íntimo concierto.
Sólo apariencia – digo – de reposo.
Porque el vuelo
de mi imaginación
en ilusorios giros me lleva
sucesivamente
del inmediato ahora
a lo pasado
y vuelta a lo que es sueño todavía.


segunda-feira, 9 de março de 2020

Rodrigo Lira (Chile: 1949 – 1981)



Comunicado


À Gente Pobre é comunicado
Que há Cebolas para Ela na Prefeitura de Santiago.
As Cebolas são vistas através de umas janelas
Do pátio da Ilustre Prefeitura de Santiago.
Atrás das janelas do terceiro andar divisam-se
uns bebês em seus berços e pelas situadas mais abaixo
vê-se algo das Cebolas para a Gente Pobre.
Para vê-las é preciso chegar a um pátio
Ao pátio com duas Árvores bem verdes
Depois de passar ao lado de uma gaiola
Com uma caixa que sobe e desce
Depois de atravessar uma sala grande com piso de lajota e teto de vidro
Com umas senhoritas atrás do que parecem mostruários
Depois de subir umas escadas bem largas
Depois de passar por umas portas grandes
Na esquina de uma praça que se chama
'das Armas', na esquina do lado esquerdo
De uma estátua de um senhor a cavalo, de metal,
Com a espada grudada ao cavalo
Para que não seja roubada e cause dano.
Ali, sob as janelas com os bebês,
Estão as Cebolas.
Não sei se é possível conseguir
Um pouquinho delas.
O cavalheiro que manobra
O elevador, esse, com paredes gradeadas,
Disse-me que eram
para a gente pobre.
Depois, disse algo como Emprego Mínimo.
Eu tinha que sair logo e comprar um mapa de Santiago
e uma máquina de escrever.


(acontecido e escrito em junho de 1979, durante a ditadura militar chilena)


Comunicado


A la Gente Pobre se le comunica
Que hay Cebollas para Ella en la Municipalidad de Santiago.
Las Cebollas se ven asomadas a unas ventanas
Desde el patio de la I. Municipalidad de Santiago.
Tras las ventanas del tercer piso se divisan
Unas guaguas en sus cunas y por las que están un poco más abajo
Se ve algo de las Cebollas para la Gente Pobre.
Para verlas hay que llegar a un patio
Al patio con dos Arboles bien verdes
Después de pasar por el lado de una como jaula
Con una caja que sube y baja
Después de atravesar una sala grande con piso de baldosas
Y con tejado de vidrio
Con unas señoritas detrás de unos como mostradores
Después de subir unas escaleras bien anchas
Después de pasar unas puertas grandes
En la esquina de una plaza que se llama
'de Armas', en la esquina del lado izquierdo
De una estatua de un señor a caballo, de metal,
Con la espada apernada al caballo
Para que no se la roben y hagan daño.
Ahí, debajo de las ventanas con las guaguas,
Están las Cebollas.
No sé si podra conseguir
Unas poquitas.
El caballero que maneja
El ascensor ese, con paredes de reja.
Me dijo que eran
para la gente pobre.
Después, dijo algo del Empleo Mínimo.
Yo tenía que irme luego a comprar un plano de Santiago
y una máquina de escribir.


(sucedido y escrito en junio de 1979).



domingo, 8 de março de 2020

Rodrigo Lira (Chile: 1949 – 1981)



 Sermão dos homenzinhos magenta


Para D.T.
o burro e a morte
se desnuda.
Não te esquece do leitor, Po
Po
Poe
ta: o leitor de poesia
é o mais exigente inteligentíssimo
culto preparadíssimo!
A poesia não é para um qualquer e nenhum
qualquer escreve a óleo com o pincel
de Francis Bacon. Reconhece o limite de tuas
possibilidades. Limita-te ao aquarela,
em teus começos. Esboça, com
delicadeza. Filtra, coa,
depura. Explora teu veio
sem esterilizar tua mina.
.............................. O som está na
letra. A voz, escritor, é-lhe dada por
acréscimo.
.............................. Não recorta. Nada de piruetas
de Acrobata, riem de pirotecnia.
A torta de letras não precisa de creme
Não toca tua lira por moedas de ouro ou
bronze (Provérbio Japonês)
Haverás de levar em conta
o de sempre: a lua as flores a morte
a tristeza. A dupla circulação,
o incompreensível equilíbrio entre vômito
e estilo, as mulheres de palavra (A deusa),
as musas as figuras os recursos: o
de sempre, em odres outros. Medita
teus versos sete vezes, e teu verbo
quarenta vezes sete. Soma dois
mais dois: desconta
o IVA! (*)


Sermón de los Hombrecitos Magenta


Para D.T.
el burro y la muerte
se desnuda
No te olvides del lector, Po
Po
Poe
ta: el lector de poesía
es el más exigente inteligentísimo
culto preparadísimo!
La poesía no es para cualquiera y no
cualquiera escribe al óleo con el pincel
de Francis Bacon. Reconoce el límite de tus
posibilidades. Limítate a la acuarela,
en tus comienzos. Abocetea, con
delicadeza. Filtra, tamiza,
depura. Explora tu veta
sin brocear tu mina.
.............................. El sonido está en
la letra. La voz, escritor, se te da por
añadidura.
.............................. No recortes. Nada de volteretas
de Volotinero, ríen de pirotecnia.
La torta de letras no precisa crema
No pulses tu lira por monedas de oro o
bronce (Proverbio Japonés)
Habrás de tomar en cuenta
lo de siempre: la luna las flores la muerte
la tristeza. La doble circulación,
el inasible equilibrio entre vómito
y estilo, las mujeres de palabra (La diosa),
las musas las figuras los recursos: lo
de siempre, en odres otros. Medita
tus versos siete veces, y tu verbo
cuarenta veces siete. Suma dos
más dos: descuenta
el IVA!


(*) IVA: Imposto sobre o valor acrescentado.




sábado, 7 de março de 2020

Enrique Linh Carrasco (Chile: 1929 – 1988)





O desaparecimento deste astro


O desaparecimento deste astro
ferozmente o mostrei com evidência
não era Vênus, a estrela vespertina
não era Vênus, a estrela matutina
Era um fulgorzinho intermitente
Não nascida do céu e nem do mar
e eu era apenas um náufrago na terra

Não era sequer uma mulher fatal
bela, sim, mas espuma das marés
um simulacro de uma Deusa ausente

Nem de pé sobre o mar: mas na banheira
nem espuma: algo de carne, algo de osso
um passarinho, só isso, de mulher
dócil quando no ar mas desolado
e desolado, pois voar podia
tão somente quando o vento assoprava
nem teve o mar por mítico cenário
Na cidade mais feia desta terra
fez-se fumaça ao ter que prestar contas
Era fulana, e isso, simplesmente
e eu, o imbecil que escreveu este livro.


La desaparición de este lucero


La desaparición de este lucero
lo puso ferozmente en evidencia
no era Venus, la estrella vespertina
no era Venus, la estrella matutina
Era una lucecilla intermitente
no nacida del cielo ni del mar
y yo era sólo un náufrago en la tierra

No era siquiera una mujer fatal
bella, si, pero espuma del oleaje
un simulacro de la Diosa ausente

Ni de pie sobre el mar: en la bañera
ni espuma: algo de carne, algo de hueso
un pajarillo, y eso, de mujer
dócil al aire pero desalado
y desolado, pues volar podía
tan sólo cuando el viento lo soplaba
ni tuvo el mar por mítico escenario
En la ciudad más fea de la tierra
se hizo humo a la hora de los quiubos
Era fulana, y eso, simplemente
y yo, el imbécil que escribió este libro.

sexta-feira, 6 de março de 2020

José Antonio Escalona-Escalona (Venezuela: 1917 – )




III


Por reaver a solidão, meu espírito
despojei da flor do que é passageiro.
Mas o quanto perdi foi devolvido
em recônditos frutos de firmeza.

As fronteiras cerrei dos meus sentidos
ao fulgor e à juventude das cores,
também ao céu da música e dos pássaros
oriundos do país das essências.

Mas, a sombra total que me circunda
o voo recolheu de seus enxames
em colmeias de astros interiores.

Rotos os laços que meu corpo atavam
à rudeza da presença das coisas,
retornei ao mais puro sentimento.


III


Por recobrar la soledad, mi espíritu
despojé de la flor de lo mudable.
Pero cuanto perdí me fue devuelto
en recónditos frutos de firmeza.

Las fronteras cerré de los sentidos
al brillo y juventud de los colores,
y al cielo de la música y los pájaros
oriundos del país de los aromas.

Mas, la sombra total que me circunda
el vuelo recogió de sus enjambres
en colmenar de estrellas interiores.

Rotos los lazos que mi cuerpo ataban
a la ruda presencia de las cosas,
he retomado al puro sentimiento!




quinta-feira, 5 de março de 2020

Nicanor Parra (Chile: 1914 – 2018)




Piadas para desorientar a (polícia) poesia

Fragmentos

Creio em um lugar + além
onde se cumprem todos os ideais
Amizade
Igualdade
Fraternidade
exceção feita à Liberdade
essa não se consegue em nenhuma parte
somos escravos x natureza

Ontem
de tombo em tombo
Hoje
de tumba em tumba

Ó capitão meu capitão
nada contra a monarquia absoluta
claro que eu
como bom chileno prefiro
a monarquia constitucional

Pezinhos de menino
azulados de frio
como os vêm e não os cobrem
Marx meu!

poesia poesia
como se no Chile não aconteceu nada!

Diga-me quais são para ti
as 10 palavras mais belas da língua castelhana
e te direi quem és

Aparecer apareceu
mas em uma lista de desaparecidos

Diga:
One Two Three
1 2 3
Deve dizer:
1 One 2 Two 3 Three

se vê que torturam alguém
faça-se de espia
e o matam com maior razão,
a mim crucificaram x delator...

os civis são gente uniformizada
também

Chile fértil província
fazenda com vista para o mar
administrada x seu próprio dono

Beije a bota que o pisoteia
não seja puritano homem x Deus

Primeiro o Chile foi um país de gramáticos
um país de historiadores
um país de poetas
agora é um pais de... reticências

"isso acontece comigo x crer em Deus"
(o Cristo de Elqui 
inspecionando no espelho
os hematomas que lhe deixaram os tiras)

As verdadeiras cores
da bandeira chilena
algo que está x ver-se ainda

Não matarás:
serás assassinado...

– Filho meu
responde-me esta pergunta
para que alguns poucos comam bem
é mister que muitos comam mal?
– Fale + alto Pai
do contrário não lhe dão atenção

Pássaros
não galinhas senhor Cura
liberdade absoluta de locomoção
claro que sem sair da cela

Recuemos majestade!
até as putas
sabem recuar a tempo


Chistes par(r)a desorientar a la (policía) poesía


Fragmentos

Creo en un + allá
donde se cumplen todos los ideales
Amistad
Igualdad
Fraternidad
excepción hecha de la Libertad
ésa no se consigue en ninguna parte
somos esclavos x naturaleza

Ayer
de tumbo en tumbo
Hoy
de tumba en tumba


Oh capitán mi capitán
nada contra la monarquía absoluta
claro que yo
como buen chillanejo prefiero
la monarquía constitucional.

Piececitos de niño
azulosos de frío
cómo os ven y no os cubren
¡Marx mío!

poesía poesía
como si en Chile no ocurriera nada!

Dime cuáles son para ti
las 10 palabras más bellas de la lengua castellana
y te diré quién eres

De aparecer apareció
pero en una lista de desaparecidos

Dice:
One Two Three
1 2 3
Debe decir:
1 One 2 Two 3 Free

si ve que torturan a alguien
hágase el de las chacras
y si lo matan con mayor razón,
a mí me crucificaron x sapo…

los civiles son gente uniformada
también

Chile fértil provincia
hacienda con vista al mar
administrada x su propio dueño

bese la bota que lo pisotea
no sea puritano hombre x Dios

Chile fue primero un país de gramáticos
un país de historiadores
un país de poetas
ahora es un país de… puntos suspensivos

«esto me pasa x creer en Dios»
(el Cristo de Elqui
inspeccionándose al espejo
los moretones que le dejaron los pacos)

los verdaderos colores
de la bandera chilena
algo que está x verse todavía


No matarás:
serás asesinado…

Hijo mío
respóndeme esta pregunta
para que algunos pocos coman bien
es menester que muchos coman mal?
Hable + fuerte Padre
de lo contrario no le dan pelota

Pájaros
no gallinas señor Cura
libertad absoluta de movimiento
claro que sin salirse de la jaula

¡Retirémonos majestad!
hasta las putas
saben retirarse a tiempo

quarta-feira, 4 de março de 2020

Miguel de Unamuno (Espanha: 1864 –1936)





Morrer Sonhando


"Em realidade, ele dizia a si mesmo, parece
que meu destino é morrer sonhando."
(Stendhal, O Vermelho e o Negro,LXX,
«A tranquilidade»)

Morrer sonhando, sim, mas se se sonha
morrer, a morte é sonho; uma ventana
para o vazio; não sonhar; nirvana;
ao tempo enfim a eternidade apanha.

Viver o presente sob o estandarte
do ontem que no amanhã se desfaz;
viver acorrentado ao que não apraz
é acaso viver? e é do viver a arte?

Sonhar a morte não é matar o sonho?
Viver o sonho não é matar a vida?
Por que a ele dedicar tanto labor?

Aprender o que em breve e ao fim se olvida
fixando o cenho pleno de rigor
– céu deserto – do perene Senhor?


Morir soñado


Au fait, se disait-il a lui-même, il parait que
mon destin est de mourir en rêvant.
(Stendhal, Le Rouge et le Noir, LXX,
«La tranquillité»)

Morir soñando, sí, mas si se sueña
morir, la muerte es sueño; una ventana
hacia el vacío; no soñar; nirvana;
del tiempo al fin la eternidad se adueña.

Vivir el día de hoy bajo la enseña
del ayer deshaciéndose en mañana;
vivir encadenado a la desgana
¿es acaso vivir? ¿y esto qué enseña?

¿Soñar la muerte no es matar el sueño?
¿Vivir el sueño no es matar la vida?
¿A qué poner en ello tanto empeño?:

¿aprender lo que al punto al fin se olvida
escudriñando el implacable ceño
– cielo desierto – del eterno Dueño?

terça-feira, 3 de março de 2020

Emily Dickinson (Estados Unidos: 1830 – 1886)


Poema J116 / F101


Eu possuía coisas a que chamava minhas –
E Deus, as que chamava suas –
Até que há poucos dias uma Demanda rival
Perturbou tais simpatias.
Da propriedade, o meu jardim,
Que semeei com cuidado,
Ele requer a primorosa parte,
E envia um Magistrado. [1]

A posição social das partes
Proíbe panfletagem,
Mas a Justiça é mais sublime
Que armas, ou linhagem.

Interporei uma "Apelação" –
A restituição, por lei exigirei –
Júpiter! Escolha seu defensor! –
O "Shaw" eu manterei. [2]


J116 / F101


I had some things that I called mine –
And God, that he called his –
Till, recently a rival Claim
Disturbed these amities.
The property, my garden,
Which having sown with care,
He claims the pretty acre,
And sends a Bailiff there.

The station of the parties
Forbids publicity,
But Justice is sublimer
Than arms, or pedigree.

I'll institute an "Action" –
I'll vindicate the law –
Jove! Choose your counsel –
I retain "Shaw"!


[1] Bailiff: oficial de justiça. Optei por'magistrado' pela sonoridade.
[2] Henry Shaw: jardineiro da família Dickinson



segunda-feira, 2 de março de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)




Meu Amor


Em outro corpo vai o meu amor por esta rua,
sinto os seus passos sob a chuva,
caminhando, sonhando, como há tempos comigo...
Há ecos de minha voz em seus sussurros,
posso reconhecê-los.
Tem agora uma idade que era a minha,
uma lâmpada que se acende ao nos encontrarmos.
Meu amor que se embeleza com o mar das horas,
meu amor no terraço de um café
com um hibisco branco entre as mãos,
vestida à moda do novo milênio.
Meu amor que seguirá quando eu me for,
com outro riso e outros olhos,
como uma chama que saltou entre duas velas
E se deteve iluminando o azul da terra.


Mi Amor


En otro cuerpo va mi amor por esta calle,
siento sus pasos debajo de la lluvia,
caminando, soñando, como en mí hace ya tiempo...
Hay ecos de mi voz en sus susurros,
puedo reconocerlos.
Tiene ahora una edad que era la mía,
una lámpara que se enciende al encontrarnos.
Mi amor que se embellece con el mar de las horas,
mi amor en la terraza de un café
con un hibisco blanco entre las manos,
vestida a la usanza del nuevo milenio.
Mi amor que seguirá cuando me vaya,
con otra risa y otros ojos,
como una llama que dio un salto entre dos velas
Y se quedó alumbrando el azul de la tierra.


domingo, 1 de março de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)




Duende


Esta mesma rua, mas antes,
a bordo dos meus vinte,
de noite a noite, com fumo e abajur,
escrevia poemas.
Ao redor a multidão adormecida
sonhava com dinheiro
e alguma qualquer outra estátua recosia
o azul de sua sombra.
Nunca soube que duende às minhas costas
– volátil e insistente –
fixos os olhos me seguia
frase por frase e letra a letra.
Não, não era aquele azul quase corpóreo
arrancado do mármore,
nem meu anjo da guarda sonado
e em árdua vigília,
nem tampouco um espectro hamletiano,
veraz até o mistério,
nem nenhuma presença repentina
daquela época.
Nada de nada nem de ninguém,
senão eu mesmo, eu mesmíssimo.
Mas não aquele de então: – este
que conta já sessenta,
– este era o duende...
O que aqui retorna procurando-me jovem,
nesta mesma rua, à meia-noite,
e me chama
e não é sonho.


Duende
  

Esta misma calle, pero antes,
a bordo de mis veinte,
de noche en noche, con tabaco y lámpara,
escribía poemas.
Alrededor la multitud dormida
soñaba con dinero
y alguna que otra estatua recosía
el azul de su sombra.
Nunca supe qué duende a mis espaldas
– volátil e insistente –
fijos los ojos me seguía
frase por frase y letra a letra.
No, no era aquel azul casi corpóreo
arrancado del mármol,
ni mi ángel de la guarda anochecido
y en ardua vela,
ni tampoco un espectro hamletiano,
veraz hasta el misterio,
ni ninguna presencia subitánea
de aquella época.
Nada de nada ni de nadie,
sino yo mismo, yo mismísimo.
Pero no aquél de entonces: – éste
que cifra ya sesenta,
– éste era el duende…
El que aquí vuelve buscándome de joven,
en esta misma calle, a medianoche,
y me llama
y no es sueño.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...