domingo, 1 de março de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)




Duende


Esta mesma rua, mas antes,
a bordo dos meus vinte,
de noite a noite, com fumo e abajur,
escrevia poemas.
Ao redor a multidão adormecida
sonhava com dinheiro
e alguma qualquer outra estátua recosia
o azul de sua sombra.
Nunca soube que duende às minhas costas
– volátil e insistente –
fixos os olhos me seguia
frase por frase e letra a letra.
Não, não era aquele azul quase corpóreo
arrancado do mármore,
nem meu anjo da guarda sonado
e em árdua vigília,
nem tampouco um espectro hamletiano,
veraz até o mistério,
nem nenhuma presença repentina
daquela época.
Nada de nada nem de ninguém,
senão eu mesmo, eu mesmíssimo.
Mas não aquele de então: – este
que conta já sessenta,
– este era o duende...
O que aqui retorna procurando-me jovem,
nesta mesma rua, à meia-noite,
e me chama
e não é sonho.


Duende
  

Esta misma calle, pero antes,
a bordo de mis veinte,
de noche en noche, con tabaco y lámpara,
escribía poemas.
Alrededor la multitud dormida
soñaba con dinero
y alguna que otra estatua recosía
el azul de su sombra.
Nunca supe qué duende a mis espaldas
– volátil e insistente –
fijos los ojos me seguía
frase por frase y letra a letra.
No, no era aquel azul casi corpóreo
arrancado del mármol,
ni mi ángel de la guarda anochecido
y en ardua vela,
ni tampoco un espectro hamletiano,
veraz hasta el misterio,
ni ninguna presencia subitánea
de aquella época.
Nada de nada ni de nadie,
sino yo mismo, yo mismísimo.
Pero no aquél de entonces: – éste
que cifra ya sesenta,
– éste era el duende…
El que aquí vuelve buscándome de joven,
en esta misma calle, a medianoche,
y me llama
y no es sueño.



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