quinta-feira, 25 de junho de 2020

Rubén Darío (Nicarágua: 1867 – 1916)



Noturno


a Mariano de Cavia


Vós, os que auscultastes o coração da noite, 
vós, que pela tenaz insônia haveis ouvido
o cerrar de uma porta, o ressoar distante 
de um carro, um eco vago, um rápido ruído...

Nos instantes do silêncio misterioso,
quando são libertos da prisão os esquecidos,
na hora que é dos mortos, na hora que é do repouso,
sabereis ler estes versos de amargor embebidos!

Como num vaso verto neles minhas dores
de antigas lembranças e desgraças funestas,
e as tristes nostalgias da alma, ébria de flores,
e a dor do meu coração, saudoso de festas.

E o pesar de não mais ser o que havia sido,
e a perda do reino que estava reservado a mim,
a ideia de que eu pudesse não ter nascido,
e o sonho desta vida desde que nasci!

Tudo isto vem em meio ao silêncio profundo
no qual a noite envolve a terrena ilusão,
e sinto-o como o eco do coração do mundo
que adentra e comove o meu próprio coração.


Nocturno


a Mariano de Cavia


Los que auscultasteis el corazón de la noche,
los que por el insomnio tenaz habéis oído
el cerrar de una puerta, el resonar de un coche
lejano, un eco vago, un ligero ruido …

En los instantes del silencio misterioso,
cuando surgen de su prisión los olvidados,
en la hora de los muertos, en la hora del reposo,
¡sabréis leer estos versos de amargor impregnados!

Como en un vaso vierto en ellos mis dolores
de lejanos recuerdos y desgracias funestas,
y las tristes nostalgias de mi alma, ebria de flores,
y el duelo de mi corazón, triste de fiestas.

Y el pesar de no ser lo que yo hubiera sido,
y la pérdida del reino que estaba para mí,
el pensar que un instante pude no haber nacido,
¡y el sueño que es mi vida desde que yo nací!

Todo esto viene en medio del silencio profundo
en que la noche envuelve la terrena ilusión,
y siento como un eco del corazón del mundo
que penetra y conmueve mi propio corazón.



 (Primeira de Quatro Canções Melancólicas)


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